João Cândido: A Luta pelos Direitos Humanos - DHnet
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<strong>João</strong> <strong>Cândido</strong> nasceu<br />
nas serras gaúchas hoje<br />
pertencentes ao município<br />
Dom Feliciano.<br />
por todo o litoral gaúcho, solenemente e com repercussão nacional, realizando-se a<br />
seguir, aos poucos, em alguns municípios do interior, embora em várias localidades o<br />
cativeiro permanecesse até a Lei Áurea. Assim, o futuro marinheiro nasceu e passou<br />
os primeiros anos numa província onde a escravidão fora seriamente abalada antes<br />
mesmo da iniciativa da Coroa Imperial. Por mais arraigadas que fossem a escravidão<br />
e suas conseqüências, elas não apareciam aos moradores do Rio Grande do Sul na<br />
década de 1880 como fatais e inquestionáveis. Esse foi, digamos, o berço histórico<br />
daquele que seria o líder da Revolta da Chibata.<br />
Se <strong>João</strong> <strong>Cândido</strong>, por um lado, esteve marcado desde seu nascimento pelas<br />
relações escravistas, por outro, vivenciou na tenra infância a crise e derrocada<br />
desse sistema, acompanhado por diversas formas e estratégias de luta, por parte<br />
dos cativos e diferentes aliados, para alcançar as liberdades: pacífi cas ou violentas,<br />
alternando confronto e negociação, tentativas de ruptura e de inserção na ordem<br />
vigente. Experiências históricas complexas e intensas que, mesmo quando não<br />
verbalizadas pelo personagem, fariam parte de seu repertório social e de uma memória<br />
coletiva ainda recente. Basta ver que muitos dos adversários o acusariam,<br />
sugestivamente, de submissão aos superiores ou, ao contrário, de radicalidade nas<br />
atitudes que tomou. Tal julgamento poderia parecer paradoxal, mas refere-se a<br />
posturas que integraram o vasto conjunto dos caminhos de sobrevivência e superação<br />
do escravismo.<br />
Roberto Jesinski<br />
AS TRÊS<br />
CIDADES NATAIS<br />
<strong>João</strong> <strong>Cândido</strong> costumava se apresentar como natural de Rio Pardo e, algumas vezes,<br />
de Encruzilhada do Sul. Manteve por toda a vida o sotaque gaúcho. Mas a fazenda onde nasceu<br />
pertence hoje ao município de Dom Feliciano. Essa, digamos, tríplice naturalidade, originouse<br />
de certa tendência de “municipalização nacional” e, deste município, em particular. Desde<br />
que Rio Pardo foi erigida em vila, em 1809 (tinha a maior extensão da província), até hoje, se<br />
desmembraram de seu território cerca de 300 municípios.<br />
Rio Pardo, o principal núcleo urbano nesse conjunto, era cidade portuária fl uvial (rio<br />
Jacuí), portanto, local de encontro e escoamento do comércio da região pelo menos desde<br />
o século XVIII, com a destruição da Missão de São Nicolau (que abrigava os aldeamentos indígenas<br />
organizados <strong>pelos</strong> jesuítas) e reconquista portuguesa do território. Acolhe até hoje<br />
casario colonial e oitocentista. Foi certamente aí que o futuro marinheiro, ainda criança, viu<br />
o primeiro cais e suas embarcações e conheceu sobrados. Ambiente central e constante em<br />
sua formação inicial, daí se considerar também um rio-pardense.<br />
Já Encruzilhada do Sul emancipou-se de Rio Pardo em 1849, quando se fundou uma<br />
vila que passou a ter Câmara Municipal: logo, na época do nascimento de <strong>João</strong> <strong>Cândido</strong>, a<br />
fazenda na qual veio ao mundo situava-se em Encruzilhada. O lugar fora alvo de violentas<br />
batalhas durante a Revolução Farroupilha (1835–1845) e a Guerra do Paraguai (1864–1870)<br />
e, um ano depois da emancipação, o pelourinho da praça principal, para castigar fi sicamente<br />
criminosos e escravos, havia sido retirado por representar um vergonhoso símbolo de violência<br />
– o que não signifi cou que os castigos tivessem desaparecido.<br />
Quanto ao município de Dom Feliciano, criado em dezembro de 1963, desmembrou-se<br />
de Encruzilhada do Sul. Estima-se que 70% da população têm origem na imigração polonesa<br />
e a padroeira da cidade é Nossa Senhora de Czestochowa.<br />
O PERÍODO PÓS-ABOLIÇÃO<br />
A situação de <strong>João</strong> <strong>Cândido</strong> e dos demais marinheiros da Revolta da Chibata<br />
deve ser compreendida no contexto Pós-Abolição. Hoje sabemos ser um equívoco<br />
considerar que o Brasil do século XIX estava dividido entre uma maioria negra e escrava<br />
e uma minoria branca e senhorial e, também, que a maior parte da população<br />
negra e parda no Brasil era cativa. Ou seja, a rebelião de 1910 não seria realizada<br />
apenas por um contingente recém-saído da escravidão ou de seus descendentes<br />
224 JOÃO JO CÂNDIDO A <strong>Luta</strong> <strong>pelos</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong><br />
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