João Cândido: A Luta pelos Direitos Humanos - DHnet
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Uma das raras fotos que mostra<br />
<strong>João</strong> <strong>Cândido</strong> com meia idade,<br />
nos anos 1930: serviu de capa<br />
para o livreto escrito por Adão<br />
Pereira Nunes e apreendido<br />
pela polícia.<br />
Os pais do futuro marinheiro haviam conquistado, no interior da propriedade<br />
rural escravista, uma certa autonomia, chamada de “liberdade”, numa espécie de<br />
acordo com o proprietário (que alguns chamam de benevolente) – situação que não<br />
era incomum em outras partes do Brasil, onde cativos, com diferentes graus de autonomia<br />
em relação ao trabalho e direito de locomoção, formavam famílias estáveis<br />
dentro do sistema escravocrata. Tal condição requeria boas doses de habilidade<br />
recíproca na convivência dos escravos com os senhores e consentimento de alguns<br />
aspectos na dominação <strong>pelos</strong> cativos, para que estes pudessem se liberar de outras<br />
opressões.<br />
Além do mais, <strong>João</strong> <strong>Cândido</strong> Felisberto, o pai, era tropeiro, isto é, participava<br />
da condução de tropas de gado, o que lhe dava possibilidades amplas de locomoção<br />
– uma das características da escravidão no Brasil meridional tão marcado pela<br />
pecuária, mas que não excluía outras formas de coerção inerentes ao sistema es-<br />
Arquivo do Estado do Rio de Janeiro<br />
cravista. Em várias ocasiões, seu fi lho <strong>João</strong> <strong>Cândido</strong> acompanhou-o nas cavalgadas<br />
<strong>pelos</strong> pampas, comendo arroz carreteiro ou charque (carne salgada) com farinha. Já<br />
Ignácia Felisberto, a crer em testemunhos orais tanto dos próprios descendentes<br />
quanto de familiares do fazendeiro, tinha personalidade marcante: era parteira e<br />
praticava medicina artesanal com amplo conhecimento do uso da fl ora. Além de sete<br />
fi lhos (três homens e quatro mulheres), teve vários “fi lhos de peito”, ou seja, crianças<br />
que amamentou. Era também exímia caçadora e embrenhava-se com freqüência<br />
nos matos, trazendo tatus e outros animais típicos da região.<br />
Observe-se que a década de 1880, quando nasceu <strong>João</strong> <strong>Cândido</strong>, marcou<br />
momento peculiar na história da escravidão no Brasil. O futuro marinheiro já nascera<br />
após a lei de 1871, que declarava livres todos os fi lhos de escravos nascidos a partir<br />
daquela data. Embora, na maioria dos casos, as crianças continuassem nas fazendas<br />
vivendo do mesmo modo que os pais. O sistema escravista estava em crise.<br />
Não se pode esquecer: no Rio Grande do Sul a escravidão foi abolida em boa parte da<br />
província a partir de 1884 (quatro anos antes da Lei Áurea), num processo equivalente<br />
ao que ocorrera no Ceará e no Amazonas, ou seja, em áreas periféricas do centro<br />
escravista do Império. A Abolição proclamou-se em julho de 1884 em Porto Alegre e<br />
Os costumes da escravidão,<br />
arraigados na sociedade<br />
brasileira (como mostra<br />
esta pintura do alemão J. M.<br />
Rugendas), se faziam sentir<br />
de maneira nítida ainda no<br />
começo do século XX.<br />
222 JOÃO JO CÂNDIDO A <strong>Luta</strong> <strong>pelos</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong><br />
Fundação Joaquim Nabuco<br />
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