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O Cabeleira - Unama

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www.nead.unama.br<br />

surrões, véstias e chapéus de couro. Algumas redes estavam armadas dentro das<br />

palhoças. A noite alumiavam se ordinariamente com fogueiras; tinham porém sempre<br />

em quantidade fachos de que se serviam nas suas idas e voltas por dentro da mata,<br />

quando fazia escuro. Tudo anunciava que o ponto era sempre provisório, e podia ser<br />

deixado de um momento para outro sem prejuízo nem saudades.<br />

O <strong>Cabeleira</strong> estava longe deles naquele instante.<br />

Apenas viu passada a borrasca, reapareceu lhe a imagem de Luísa em quem<br />

ele via dois tipos cada qual mais sedutor — em um a menina de oito anos com o<br />

rosto banhado da expressão de meninice, que é agradável até aos olhos dos que<br />

têm o coração mais endurecido do mundo; no outro a moça ingênua, corajosa,<br />

banhada em pranto, de rojo a seus pés, pedindo lhe misericórdia, insultando o,<br />

amaldiçoando o, bela, tanto mais bela quanto mais aumentavam sua dor e sua<br />

indignação, ambas tão profundas como era o afeto que ela votava ao bandido.<br />

Este não tinha tido até aquele momento predileção amorosa para alguma<br />

outra mulher.<br />

Sua vida nômada, arriscada, cheia de sobressaltos, ensopada de sangue só<br />

lhe tinha permitido querer bem à imagem da menina que ainda na véspera se<br />

debuxava em seu espírito com um vago e pálido reflexo do passado.<br />

Inesperadamente, porém, este reflexo se ilumina com todos os brilhos do mais<br />

primoroso íris. A reminiscência desmaiada, quase desaparecida, tomou corpo,<br />

forma, cor, contornos suaves, olhos matadores, cabelos escuros, voz harmoniosa,<br />

enérgico sentimento, e com soluços o comove, e com exprobrações o faz conhecer<br />

e sentir a dor, nunca talvez experimentada, de um remorso cruel. Seu coração, que<br />

se havia convertido em foco de paixões sanguinárias, era agora ninho de doce e<br />

indefinível sentimento.<br />

O bandido estava experimentando, não a lascívia bruta que proporciona<br />

rápidos prazeres, dele conhecidos como a aguardente que bebia nos dias quentes e<br />

nas noites frias, mas uma fatalidade benévola, branda e terna que o impelia para a<br />

moça, primeiro pelo espírito, e só depois pela beleza da forma que o atraía; e essa<br />

fatalidade era tão poderosa que ele não achava forças em si para lhe resistir apesar<br />

do seu querer.<br />

Chegando à beira do rio para onde se dirigira correndo em busca da visão<br />

que aí deixara, achou em seu lugar a solidão infinita, a solidão só.<br />

Era em maio. Frouxo estava o luar. Elevava se das margens, com os ruídos<br />

do deserto, fresca e grata emanação que teve para o seu peito abrasado o efeito do<br />

bálsamo fragrante.<br />

Pareceu lhe que debaixo da folhagem do juazeiro onde, segundo o seu pedido,<br />

esperava encontrar a moça, um corpo indeciso e vago se agitava brandamente.<br />

— Luisinha? Luisinha? — chamou ele.<br />

Ilusão! Estava ali o vácuo mais cruel do que um raio que o houvesse<br />

fulminado. A sombra da árvore movida pela brisa noturna representava a forma<br />

graciosa que o bandido acreditou ser Luísa<br />

— Foi se embora! — disse o <strong>Cabeleira</strong> esmagado.<br />

Então com olhar de gavião abrangeu a vasta planície que se estendia diante<br />

de si. Ninguém! Nem sequer um vulto que por um instante ao menos lhe desse o<br />

prazer de uma nova esperança, falaz embora como a que se despedaçara a seus<br />

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