panO de fundO a fábrica rheingantz - XI Encontro Estadual de ...
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O papel da história Oral na recOnstruçãO da memória<br />
cOletiva: <strong>panO</strong> <strong>de</strong> <strong>fundO</strong> a <strong>fábrica</strong> <strong>rheingantz</strong><br />
Si m o n e So l a Bo B a d i l h o<br />
Mestranda no Programa <strong>de</strong> Pós-graduação<br />
Memória Social e Patrimônio Cultural<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pelotas<br />
simonebobadilho@yahoo.com.br<br />
ma r i a letícia ma z z u c c h i Fe r r e i r a<br />
Orientadora no Programa <strong>de</strong> Pós-graduação Profª. Drª.<br />
Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pelotas<br />
leticiamazzucchi@gmail.com<br />
resumo<br />
A pesquisa que estamos <strong>de</strong>senvolvendo tem como cenário a cida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> (RS), em que está situada a<br />
Fábrica Rheinghantz - Indústria têxtil <strong>de</strong> origem alemã, fundada em 1873, por Carlos Guilherme Rheingantz. Os<br />
funcionários tiveram um papel fundamental para o <strong>de</strong>senvolvimento e a produtivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta industria, <strong>de</strong>sta forma<br />
se faz necessário ouvir esses ex-operários, pois a história é feita <strong>de</strong> fatos e <strong>de</strong> pessoas. Buscando preservar a memória<br />
e a história da Fábrica Rheingantz, e <strong>de</strong> seus ex-trabalhadores, que contribuíram para a construção do patrimônio<br />
industrial <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, empregamos a metodologia <strong>de</strong> História oral associada com a Memória coletiva para realizar<br />
a pesquisa através dos <strong>de</strong>poimentos dos ex-operários, mostrando a sua importância e a suas relações.<br />
Palavras-chave: História Oral; Memória Coletiva; Fábrica Rheingantz.<br />
intrOduçãO<br />
A pesquisa que estamos <strong>de</strong>senvolvendo tem como cenário a cida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong>, a<br />
qual está situada a Fábrica Rheingantz – Indústria Têxtil <strong>de</strong> origem alemã, fundada em 1873,<br />
por Carlos Guilherme Rheingantz.<br />
A <strong>fábrica</strong> trouxe gran<strong>de</strong>s contribuições para a cida<strong>de</strong>, marcando a sua história no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do patrimônio industrial citadino, e o empreen<strong>de</strong>dorismo, que po<strong>de</strong> ser<br />
verificado através <strong>de</strong> investimento tecnológico, a presença <strong>de</strong> funcionários capacitados para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento das suas ativida<strong>de</strong>s, e pelo pioneirismo na produção <strong>de</strong> lã e na fiação<br />
penteada para a fabricação <strong>de</strong> tecidos finos, o que trouxe gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque para a história<br />
brasileira.<br />
Os funcionários tiveram um papel fundamental para a construção <strong>de</strong>sse complexo<br />
fabril, <strong>de</strong>vido a seu trabalho, as suas relações com os chefes e mestres imediatos, que eram<br />
<strong>de</strong> origem alemã, e que a cultura e a língua eram diferentes, porém havia um entendimento<br />
e <strong>de</strong>dicação para que as ativida<strong>de</strong>s fossem <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
1008
A proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar o período <strong>de</strong> 1940 a 1950, <strong>de</strong>ve-se ao período da Segunda<br />
Guerra Mundial, e o Pós-guerra. A Rheingantz teve um papel fundamental nesse período,<br />
por ser uma das indústrias que fornecia material para as Forças Armadas através do Governo<br />
Brasileiro.<br />
Para cumprir a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> pedidos, visto que sua produção era alta, sendo preciso ter<br />
um número elevado <strong>de</strong> funcionários, e assim a <strong>fábrica</strong> funcionava por turmas, <strong>de</strong>ssa forma<br />
suas ativida<strong>de</strong>s não eram interrompidas, e assim o seu funcionamento era <strong>de</strong> 24 horas.<br />
É preciso conhecer as histórias por traz dos muros da <strong>fábrica</strong>, através da oralida<strong>de</strong>, das<br />
lembranças, das memórias individuais e coletivas, conhecer o cotidiano dos ex-funcionários,<br />
assim como a forma <strong>de</strong> gestão da <strong>fábrica</strong>. Dar voz ao lugar <strong>de</strong> memória que é o complexo<br />
Rheingantz.<br />
A proposta <strong>de</strong> ouvir esses ex-operários, que trabalharam nas décadas <strong>de</strong> 1940 - 1950 e<br />
que relatam em seus <strong>de</strong>poimentos fatos, dados, que muitas vezes são as próprias memórias,<br />
mas que ao ver em outros <strong>de</strong>poentes, se reforça a mesma informação, então estamos diante<br />
da memória coletiva. Nesse aspecto, vemos que a <strong>fábrica</strong> se torna um lugar <strong>de</strong> memória,<br />
on<strong>de</strong> vidas passaram, e que fizeram parte da história <strong>de</strong> cada um, on<strong>de</strong> ocorriam namoros,<br />
casamentos, nasciam os filhos, ocorriam a viuvez, assim como a assistência a saú<strong>de</strong>,<br />
assistência sindical, a moradia, o lazer e até mesmo os produtos que eram vendidos através<br />
da cooperativa, assim é <strong>de</strong>monstrado o quanto a presença da Fábrica é marcada <strong>de</strong> várias<br />
formas na vida <strong>de</strong>ssas famílias.<br />
Isso faz com que a relação Firma X Empregado seja um laço forte, conseguindo o<br />
comprometimento <strong>de</strong> cada empregado em relação ao patrimônio da <strong>fábrica</strong>. É possível<br />
verificar essa situação, quando nos <strong>de</strong>paramos com <strong>de</strong>poimentos dos moradores da Vila<br />
Operária, em que uma das cláusulas <strong>de</strong> ser morador do sexo masculino, tinha que pertencer<br />
ao grupo <strong>de</strong> bombeiro da <strong>fábrica</strong>, que servia para monitorar a <strong>fábrica</strong> e acudi-la em caso <strong>de</strong><br />
incêndio.<br />
Buscamos adotar a metodologia da história oral, para coletar informações dos exoperários<br />
que trabalharam no período <strong>de</strong> 1940 a 1950, e assim contribuir para a preservação da<br />
memória e da história da <strong>fábrica</strong> Rheingantz e <strong>de</strong> seus trabalhadores, que tanto colaboraram<br />
para a construção do patrimônio industrial <strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong>.<br />
Com relação aos relatos, é possível verificar que ocorrem as mesmas lembranças, os<br />
fatos se parecem, para aquele mesmo grupo <strong>de</strong> pessoas. É possível “reconstituir um conjunto<br />
<strong>de</strong> lembranças <strong>de</strong> maneira a reconhecê-lo porque eles concordam no essencial, apesar <strong>de</strong><br />
certas divergências” (HALBWACHS, 2012, p.29). Assim é possível verificar que a memória<br />
individual tem relação quando associada ao grupo, pois as pessoas recordam das mesmas<br />
coisas. A memória coletiva está viva diante <strong>de</strong>sses relatos, assim é possível verificar a<br />
importância e a relação da memória coletiva com os lugares <strong>de</strong> memória, que em nosso<br />
caso, trata-se da Rheingantz.<br />
Esse texto tratará esses assuntos <strong>de</strong> forma ampla e geral, pois não é nosso intuito trazer<br />
toda a pesquisa que está sendo <strong>de</strong>senvolvida, a penas relacionar a História oral e a memória<br />
coletiva através das memórias <strong>de</strong> seus ex-funcionários.<br />
a industrializaçãO em riO gran<strong>de</strong><br />
A industrialização chegou ao Brasil durante a República Velha (1889/1930) na tentativa<br />
<strong>de</strong> incluir a economia brasileira na divisão internacional do trabalho.<br />
A primeira fase industrial brasileira incluiu Rio Gran<strong>de</strong>, que “conseguiu atrair<br />
investimentos fabris em setores diversos, embora ligados às indústrias <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo”<br />
compreen<strong>de</strong>ndo “as indústrias têxteis, as cordoarias, a <strong>fábrica</strong> <strong>de</strong> calçados, a fabricação<br />
1009
<strong>de</strong> alimentos em conserva, os biscoitos, a <strong>fábrica</strong> <strong>de</strong> charutos e os moinhos <strong>de</strong> farinha”<br />
(MARTINS, 2005, 9). Tais <strong>fábrica</strong>s, segundo este autor, instalaram-se na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido à<br />
proximida<strong>de</strong> com o porto, para fins <strong>de</strong> exportação, movimentando a economia regional,<br />
trazendo o contínuo aporte <strong>de</strong> imigrantes.<br />
A cida<strong>de</strong> começa a expandir-se rapidamente por meio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s instalações dos parques<br />
fabris juntamente a urbanização e incremento populacional. Junto à primeira fase industrial<br />
ainda formou-se a distinção social: elite citadina e a classe operária.<br />
breve históricO da <strong>fábrica</strong> <strong>rheingantz</strong><br />
Em julho <strong>de</strong> 1873 é fundada a Fábrica Nacional <strong>de</strong> Tecidos e Panos <strong>de</strong> Rheingantz &<br />
Vater na cida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong>, por Carlos Guilherme Rheingantz e Hermann Vater. No ano<br />
seguinte, iniciam as ativida<strong>de</strong>s, trabalhando com lã vinda <strong>de</strong> Bagé, Livramento, Uruguaiana<br />
e Santa Vitória do Palmar.<br />
Em 1891 é <strong>de</strong>sfeita a socieda<strong>de</strong>, passando para Socieda<strong>de</strong> Anônima União Fabril, e a<br />
Diretoria é formada por Carlos Guilherme Rheingantz, o qual <strong>de</strong>tém o Controle Acionário,<br />
juntamente com o Cel. Antonio Chaves Campello e George Lawson.<br />
Após a Revolução Fe<strong>de</strong>ralista (1893-95) retorna o nome para Companhia União Fabril,<br />
mantendo-se até a década <strong>de</strong> 1960. No ano seguinte, 1896, possuía 3 <strong>fábrica</strong>s com 900<br />
funcionários, e produziam os cobertores, panos e ponchos.<br />
O ano <strong>de</strong> 1904 é marcado pela iniciativa <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s investimentos na Fábrica, como a<br />
Fabricação do Fio Penteado, sendo o setor que mais se <strong>de</strong>senvolveu durante a trajetória da<br />
<strong>fábrica</strong>.<br />
Havia no Complexo União Fabril, as <strong>fábrica</strong>s <strong>de</strong> algodão e aniagem, que forneciam<br />
material para o ensacamento do café, cereais, fumo, etc., mas no fim dos anos 20 houve<br />
a paralisação da <strong>fábrica</strong> <strong>de</strong> algodão, enquanto que a <strong>de</strong> tecelagem <strong>de</strong> lã, aumentava a sua<br />
produção.<br />
A década <strong>de</strong> 30, foi marcada pelos gran<strong>de</strong>s investimentos na <strong>fábrica</strong> tanto <strong>de</strong> máquinas<br />
que vinham da Europa, quanto <strong>de</strong> funcionários, que eram pessoas com formação técnica<br />
originários da Alemanha.<br />
Nos anos 40, houve a consolidação do complexo fabril e seu entorno, bem como a<br />
vila operária e o auxilio ao trabalhador e o Esporte Clube União Fabril. Até os anos<br />
50, a <strong>fábrica</strong> se caracterizava pela mão <strong>de</strong> obra estrangeira, ou seja, imigrantes. Enquanto<br />
os Alemães ficavam com os setores mais técnicos, <strong>de</strong>vido a sua especialida<strong>de</strong>, a parte da<br />
produção ficava com a presença <strong>de</strong> italianos, poloneses e portugueses.<br />
Os anos 60 foi marcado pela “total perda <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> administrativa do último<br />
Rheingantz”, culminando com a venda do controle acionário para um grupo paulista e a<br />
consequente <strong>de</strong>sestruturação da empresa, on<strong>de</strong> termina fechando os portões.<br />
A trajetória <strong>de</strong>ssa <strong>fábrica</strong> é marcada por algumas características que lhe dão o título<br />
<strong>de</strong> uma das maiores <strong>fábrica</strong>s <strong>de</strong> tecidos do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, pertence a um<br />
dos marcos da industrialização na cida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> e como pioneira na produção<br />
<strong>de</strong> lã, fiação penteada para a fabricação <strong>de</strong> tecidos finos e o empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> seus<br />
dirigentes.<br />
1010
enefÍciOs aOs seus funciOnáriOs<br />
Des<strong>de</strong> o início das suas ativida<strong>de</strong>s a Rheingantz tinha como figura <strong>de</strong> seu fundador, um<br />
homem cujo perfil era empreen<strong>de</strong>dor. As suas iniciativas sociais eram inéditas na cida<strong>de</strong>,<br />
iniciando com a construção da vila operária, <strong>de</strong>stinada aos mestres e operários, e projetos que<br />
pu<strong>de</strong>ssem aten<strong>de</strong>r os trabalhadores na íntegra, ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s fundamentais<br />
até mesmo para o lazer <strong>de</strong> seus trabalhadores.<br />
A Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mutualida<strong>de</strong> que era mantida através das contribuições mensais dos<br />
seus empregados atuava no atendimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> aos operários e <strong>de</strong> seus familiares, além <strong>de</strong><br />
conce<strong>de</strong>r auxílio pecuniário aos sócios que estavam temporariamente impedidos <strong>de</strong> trabalhar<br />
e também oferecia o auxílio funeral.<br />
O Fundo <strong>de</strong> Auxilio Carlos Guilherme G. Rheingantz, tratava-se <strong>de</strong> benefícios<br />
concedidos em razão da viuvez feminina, do amparo concedido aos filhos menores, invali<strong>de</strong>z<br />
por aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trabalho na <strong>fábrica</strong> e casamento <strong>de</strong> operária.<br />
No cassino dos Mestres, havia uma biblioteca com diversos livros e que eram oferecidas<br />
as leituras para seus associados, assim mostrava a preocupação da alta direção da Rheingantz<br />
em fornecer, dar acesso e <strong>de</strong>senvolver a cultura para seus funcionários associados.<br />
Para os filhos dos funcionários havia a Creche, a Escola Comendador Rheingantz, o<br />
Jardim <strong>de</strong> infância e as bolsas <strong>de</strong> estudos na Escola Normal Santa Joana D’Arc, localizada<br />
no centro da cida<strong>de</strong>. Essa última era <strong>de</strong>stinada aos alunos que se <strong>de</strong>stacassem no ensino<br />
elementar <strong>de</strong>senvolvido na escola da Fábrica.<br />
situaçãO da <strong>fábrica</strong><br />
Na década <strong>de</strong> 60, mais precisamente em 1968, a Fábrica <strong>de</strong>cretou falência <strong>de</strong>vido “a<br />
concorrência <strong>de</strong> confecções e magazines que importavam lã e produtos do Uruguai a preços<br />
mais baixos”. (PAULITSCH, 2008, p.65) Em 1970 a <strong>fábrica</strong> foi vendida a um grupo <strong>de</strong><br />
Pelotas da Família Loréa, que ficou com 81% das ações, e os 19% restantes ficaram com os<br />
operários, como forma <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização pela falência e <strong>de</strong>semprego em massa. Houve uma<br />
tentativa <strong>de</strong> manter a produção, mas sem sucesso. Atualmente encontra-se sem nenhuma<br />
ativida<strong>de</strong> produtiva, os prédios estão em ruínas.<br />
Está em processo <strong>de</strong> tombamento o Complexo Rheingantz, o qual foi noticiado no<br />
Diário Oficial do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, em Porto Alegre, 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2012, sob a<br />
Portaria SEDAC nº 38/2012: tombamento Complexo Rheingantz (antiga <strong>fábrica</strong> Rheingantz<br />
e Vila Operária).<br />
A presente Portaria tem como base o Parecer Técnico Instituto do Patrimônio Histórico<br />
e Artístico do Estado - IPHAE N.° 04/2011, passando a integrar o patrimônio cultural do<br />
Estado, ficando ainda resguardado o seu entorno. Encontra-se registrada no livro Tombo do<br />
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado.<br />
a história Oral e a memória cOletiva<br />
A história oral é vista e adotada como uma metodologia que possui procedimentos,<br />
manifestações e que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das pessoas para que ela aconteça, e conta com o auxílio<br />
tecnológico para que seja possível registrar as informações. A história oral é um “processo<br />
<strong>de</strong> registros <strong>de</strong> experiências que se organizam em projetos visando enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>terminada<br />
situação que é <strong>de</strong>stacada pela vivência social” (MEIHY, 2010, p.64), e também “ é a busca pela<br />
1011
construção <strong>de</strong> fontes e documentos, registrar, através <strong>de</strong> narrativas induzidas e estimuladas,<br />
testemunhos, versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas dimensões”<br />
(DELGADO, 2006, p.15). Outro fator importante na história oral, além da experiência<br />
trocada entre o entrevistado e o entrevistador, são as memórias, pois elas reportam a um<br />
passado.<br />
A memória é um fato do presente, “o conteúdo da memória po<strong>de</strong> ser o passado” é<br />
“agora que recordamos, é hoje que falamos do passado” (PORTELLI, 2010, p.11). Assim,<br />
ao recordarmos fazemos um exercício presente para buscar as informações do passado que<br />
estão em nosso subconsciente, e que lembraremos.<br />
A história oral trabalha com a memória das pessoas. Os entrevistados quando prestam<br />
<strong>de</strong>poimentos estão num tempo presente, porém a recordação, as lembranças acontecem num<br />
passado distante ou não, e que po<strong>de</strong>m sofrer influência <strong>de</strong>vido as suas experiências <strong>de</strong> vida<br />
que aconteceram no <strong>de</strong>correr do tempo, pois é sob esse novo olhar que vai rememorar o que<br />
já passou.<br />
Ela serve para obter fontes <strong>de</strong> informações orais, como também complementar<br />
documentos bibliográficos encontrados, e que através <strong>de</strong> entrevistas po<strong>de</strong>m ser esclarecidos,<br />
explicados <strong>de</strong>terminados <strong>de</strong>talhes do assunto a ser pesquisado, como também “a evidência<br />
oral po<strong>de</strong> atuar como um ‘corretivo po<strong>de</strong>roso’, “proporcionando uma afirmação positiva <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> para o narrador” (THOMSON, s.d., p. 344).<br />
Falar <strong>de</strong> memória associada à metodologia da história oral, e a proposta <strong>de</strong> entrevistar<br />
ex-funcionários da Rheingantz, tem-se presente que “a lembrança é em larga medida uma<br />
reconstrução do passado com a ajuda <strong>de</strong> dados emprestados do presente” (HALBWACHS,<br />
2004, p.75), ou seja, as pessoas lembrarão <strong>de</strong> uma época vivida no passado, porém com a<br />
bagagem <strong>de</strong> suas experiências <strong>de</strong> vida.<br />
Para ilustrar, trazemos alguns exemplos <strong>de</strong> relatos que foram coletados no acervo <strong>de</strong><br />
História Oral do Centro <strong>de</strong> Documentação Histórica Professor Hugo Alberto Pereira Neves<br />
da Universida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong>:<br />
Entrevista 1:<br />
“2.400 operários, por volta <strong>de</strong> 1940 -45. Naquela época se trabalhava aqui, noite e dia. Virava<br />
redondo como se diz... Com três turmas.”<br />
“Tecidos ... Foi no período da Guerra, tanto na guerra <strong>de</strong> 14 como na Guerra <strong>de</strong> 40, nós fornecíamos<br />
diretamente ao governo. E o governo é que passava isso para o exterior, mas não diretamente pela<br />
companhia.”<br />
(H.L.S., trabalhou na Rheingantz em 1952)<br />
Entrevista 2:<br />
“O maior número <strong>de</strong> operários, foi durante a segunda guerra, <strong>de</strong>ve ter chegado quase que 2.500, nas<br />
24 horas, eram 3 turnos. A fiação e parte da tecelagem trabalhava 24 horas, as <strong>de</strong>mais 18 horas.”<br />
“O turno funcionava das 8h às 14h. Das 14 às 22h. Das 22h às 6h30.O turno da noite, eram só<br />
homens”.<br />
(J.R.1945-1957)<br />
Entrevista 3<br />
“Na segunda guerra mundial, a companhia trabalhava 24 h e empregava uma turma <strong>de</strong> 1200<br />
empregados, na proporção <strong>de</strong> 75% mulheres e 25% homens... Como as mulheres não podiam<br />
trabalhar <strong>de</strong> noite, <strong>de</strong>pois das <strong>de</strong>z horas até as cinco da manhã por imposição das leis trabalhistas,<br />
a companhia mandou buscar um grupo <strong>de</strong> pernambucanos tecelões, não é, então esses é que<br />
faziam uma série <strong>de</strong> turmas da madrugada, e o resto do pessoal se revezava em duas turmas,<br />
então eram 24 horas consecutivas. Serviço <strong>de</strong> conservação era feito nos domingos, sem parar.”<br />
(P.C.P.J - 62 anos <strong>de</strong> Rheingantz)<br />
Quando nos <strong>de</strong>paramos com relatos, recorremos aos testemunhos que queremos<br />
“reforçar ou enfraquecer” (HALBWACHS, 2012, p.29) ou “completar” uma situação, ou<br />
sobre um evento, o qual “já temos alguma informação”. Conforme o autor, quando falamos<br />
1012
do passado, ele aponta que existe dois tipos <strong>de</strong> elementos, o primeiro trata-se do que po<strong>de</strong>mos<br />
evocar e o segundo são os que não aten<strong>de</strong>m ao nosso apelo.<br />
O primeiro refere-se aos elementos pessoais e particulares, “é a i<strong>de</strong>ia que os outros<br />
fazem <strong>de</strong> nós, e os fatos <strong>de</strong> nossa vida estarem sempre presentes e que foram gravados na<br />
memória do grupo” (i<strong>de</strong>m, p.66)<br />
O segundo refere-se “as lembranças mais difíceis <strong>de</strong> evocar, são as que dizem respeito<br />
somente a nós, porque somente nós po<strong>de</strong>remos reconhecê-las” (i<strong>de</strong>m , p.67).<br />
E, assim quando encontramos as mesmas informações recorrentes em relatos dos exfuncionários<br />
da Rheingantz, em que os mesmos falam sobre a forma <strong>de</strong> trabalho, as turmas<br />
sendo divididas para cumprir às 24 horas <strong>de</strong> funcionamento da <strong>fábrica</strong>, estamos diante da<br />
Memória Coletiva <strong>de</strong>sse grupo <strong>de</strong> ex-funcionários.<br />
cOnclusãO<br />
A Fábrica Rheingantz é um lugar <strong>de</strong> memória por fazer parte da vida dos Riograndinos<br />
que ainda possuem em seus núcleos familiares algum integrante que tenha trabalhado na<br />
Rheingantz.<br />
O papel da história oral para essa pesquisa que estamos realizando ela serve bem mais<br />
que vasculhar um passado em que está acondicionado em pastas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um arquivo <strong>de</strong><br />
ferro. Ao ler cada relato, é possível mergulhar para uma época, um local <strong>de</strong>terminado, <strong>de</strong><br />
um espaço que está sendo contado. Assim, estamos nos voltando para a importância <strong>de</strong>sses<br />
sujeitos que em um momento oportuno tiveram suas vidas expostas diante <strong>de</strong> um gravador e<br />
que falavam sobre as suas recordações <strong>de</strong> uma vivência ímpar. O “tempo dos Rheingantz”,<br />
assim como até hoje é lembrada a gran<strong>de</strong> Fábrica Rheingantz.<br />
São informações que dizem respeito a Fábrica, ao seu local <strong>de</strong> trabalho, a vida do<br />
operário, a forma <strong>de</strong> gestão, são informações que muitas vezes não são registradas em livro,<br />
jornal, ou fotografia, apenas está no subconsciente <strong>de</strong> cada um. E, no caso <strong>de</strong> apenas passar<br />
pela frente da Fábrica nos dias <strong>de</strong> hoje, ou vendo uma fotografia é possível trazer a tona<br />
alguma lembrança.<br />
Através da Oralida<strong>de</strong> é possível trazer para o tempo presente as lembranças vividas no<br />
interior da Fábrica como trabalhavam, como era o seu cotidiano, o seu dia a dia, as suas<br />
facilida<strong>de</strong>s e as dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas.<br />
Ao trazer <strong>de</strong> volta, por intermédio da memória <strong>de</strong> cada um essas lembranças vividas, é<br />
possível verificar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar em seus relatos os fatos ocorridos se são os mesmos<br />
ou não, ou ainda se há informações divergentes sobre o mesmo fato, ou complementação <strong>de</strong><br />
informação.<br />
Através do conjunto fabril o qual evoca lembranças que fazem parte da memória coletiva,<br />
seja daqueles que trabalhavam ou pelos seus familiares e <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, mas que através <strong>de</strong><br />
relatos verificamos que fez ou que ainda faz parte da vida <strong>de</strong>ssas famílias. Sendo assim é<br />
preciso registrar, documentar essas fontes orais, para que não esqueçamos do período que a<br />
Fábrica Rheingantz era um gran<strong>de</strong> empreendimento na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> como era ouvir o apito da<br />
<strong>fábrica</strong>, ou como era ver a movimentação da cida<strong>de</strong>, o cheiro da lã, o barulho das máquinas,<br />
como era trabalhar nos teares, <strong>de</strong> que forma era feita a lavagem da lã, ou como era o período<br />
em que os vidros foram pintados e porque eles foram pintados, como era a comunicação com<br />
os mestres estrangeiros ...<br />
Atualmente a cida<strong>de</strong> vive um período <strong>de</strong> mudanças sociais e culturais, visto que migraram<br />
muitas pessoas oriundas <strong>de</strong> outros estados para esse local. Então há uma preocupação <strong>de</strong><br />
preservar a história local, para que gerações futuras conheçam através da memória coletiva o<br />
seu patrimônio industrial e assim preservá-lo.<br />
1013
É necessário ampliar o acervo <strong>de</strong> História oral do Centro <strong>de</strong> documentação Histórica<br />
da Universida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong>, e após o encerramento <strong>de</strong>sse estudo, será possível doar o<br />
material obtido para disponibilizar a futuros estudos.<br />
referÊncias bibliOgráficas<br />
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2006.<br />
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1014