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Helcias Bernardo de Pádua Mitos, crenças e folclore - Serrano Neves

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INSTITUTO SERRANO NEVES – AMIGO DO LAGO DA SERRA DA MESA<br />

<strong>Helcias</strong> <strong>Bernardo</strong> <strong>de</strong> <strong>Pádua</strong><br />

******<br />

<strong>Mitos</strong>, <strong>crenças</strong> e <strong>folclore</strong><br />

Reflexões - Série: Água - Parte 25<br />

outubro/2005<br />

hbpádua<br />

O ato <strong>de</strong> conhecer, <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r,<br />

exige do homem uma postura impaciente,<br />

inquieta, indócil. - Paulo Freire<br />

Pois é..., estou procurando fazer mo<strong>de</strong>stas incursões antropológicas, filosóficas mitológicas e<br />

holísticas. Para o (meu próprio) entendimento e <strong>de</strong>senvolvimento dos pretensiosos, porém esforçados,<br />

próximos artigos não só sobre o tema “Água: verda<strong>de</strong>s e mitos”, <strong>de</strong>sta série, acho conveniente e<br />

corajosamente necessário transcrever, relembrar aqui, partes do texto <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> Glaucio<br />

Gonçalves Tiago, pesquisador científico do Instituto <strong>de</strong> Pesca/SP, mesclados com alguns comentários e<br />

talvez não tão vigorosas reflexões. Repensando, sempre repensando.<br />

O que é mito?<br />

Santo Agostinho em suas Confissões (xi. 14), respon<strong>de</strong>u: “Sei muito bem o que é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ninguém<br />

me pergunte; mas quando me pe<strong>de</strong>m uma <strong>de</strong>finição, fico perplexo”, relembrou Ruthven (1997), que<br />

continua e completa: “os mitos são imunes à explicação racional, mas estimulam as pesquisas racionais;<br />

existe uma gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações contraditórias e nenhuma <strong>de</strong>las possui o alcance<br />

suficiente para explicar <strong>de</strong>finitivamente o que é mito. Neste sentido, a mitologia faz parte <strong>de</strong> um campo<br />

que engloba uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento e disciplinas: os clássicos, a antropologia, o <strong>folclore</strong>, a<br />

história das religiões, as <strong>crenças</strong>, as lendas, a lingüística, a psicologia, a filosofia e a história da arte.<br />

Somente catalogar os matizes da palavra “mito” e dos seus cognatos (mythos, mythus, mytologem, etc.) já<br />

seria uma tarefa muito complicada.<br />

Bourg (1997) afirma que num assunto tão passional, como o das relações do homem com a<br />

natureza, abundam idéias preconcebidas, (são mitos, lendas, <strong>crenças</strong> e suposições tidas como verda<strong>de</strong>s?),<br />

<strong>de</strong> todos os gêneros, e, assim, a qualida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>bates ecológicos não melhora. Deve-se ter pragmatismo<br />

com relação ao que se refere às condições ecológicas ou respeitar histórias, <strong>folclore</strong>s, <strong>crenças</strong> e mesmo a<br />

psicologia dos seres entre si?<br />

Entre os nossos contemporâneos, muitos pensam que é possível dividir as socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais,<br />

em: - intrinsecamente nocivas ao ambiente e, do outro lado, as socieda<strong>de</strong>s vivendo e, principalmente,<br />

tendo vivido em simbiose com a natureza. As primeiras teriam colocado o homem no centro do universo,<br />

(antropocentrico), enquanto as segundas lhe teriam concedido um lugar muito mais mo<strong>de</strong>sto, porém<br />

fazendo parte, interagindo, pois então, uma associação, on<strong>de</strong> tudo é recebido, <strong>de</strong>volvido, distribuído e<br />

redistribuído, num ciclo contínuo.<br />

Esta separação entre as culturas antropocentristas e as outras que não o são, com certeza,<br />

dificilmente persiste a um exame mais apurado, o que não <strong>de</strong>ve no entanto impedir-nos <strong>de</strong> procurar<br />

compreen<strong>de</strong>r a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e a especificida<strong>de</strong> das nossas relações com a natureza, sem nos esquecer que<br />

tudo no mundo foi, é e será conseqüência <strong>de</strong> ações, as vezes corretas e outras nem tanto. Seria causalida<strong>de</strong><br />

ou seja uma relação <strong>de</strong> causa e efeito?<br />

1


Levantemos algumas polêmicas, como a da “Teoria do Direito Natural” <strong>de</strong> Hobbes tendo como<br />

primeira Lei da Natureza: “O conceito <strong>de</strong> autopreservação e auto-engran<strong>de</strong>cimento, que é exercido através<br />

dos mais diversos truques ou cruelda<strong>de</strong>s para po<strong>de</strong>r provar esta possibilida<strong>de</strong>” (Evern<strong>de</strong>n, 1992). Isto<br />

permitiria ou permitiu todo o tipo <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong> para o estabelecimento da socieda<strong>de</strong> civilizada, (será?),<br />

mo<strong>de</strong>rna. Neste ponto <strong>de</strong> vista, a dominação da natureza não é somente um direito, mas uma obrigação:<br />

“A natureza <strong>de</strong>ve ser domesticada, não preservada”. Isso seria possível, como um todo?<br />

Vejamos..., exemplo bem atual são os efeitos dos ciclones, que nascem nos oceanos, bem longe, porém vão<br />

tomando ou per<strong>de</strong>ndo força. São ações físicas, climáticas, etc., portanto palpáveis, calculadas e <strong>de</strong><br />

possível estudo e parcialmente previsíveis, pelo menos atualmente. Vejamos o recente furacão Rita/USA<br />

que inicio como um ciclone extratropical, ganhou força e per<strong>de</strong>u, terminando classificado como ciclone<br />

tropical, mas mesmo assim ocasionou danos diversos. “ ...Rita levou meu sorriso; ...levou os meus sonhos;<br />

... os meus <strong>de</strong>senganos; ... além <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>ixou mudo...”<br />

Esses fenômenos, no caso, po<strong>de</strong>m ou não atingir o continente. São <strong>de</strong> início massas <strong>de</strong> ar, nos<br />

mares. Revoltas e revolvendo massas d’água, se juntando, atingindo o continente, (a terra) e daí sendo<br />

<strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> furacões, ou tornados, (<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da magnitu<strong>de</strong> - ver artigo parte 24, <strong>de</strong>sta mesma<br />

série), causando <strong>de</strong>struição, alagamentos e mortes. É a força da natureza que <strong>de</strong>ve e po<strong>de</strong> ser dominada<br />

ou não adianta*?<br />

*Obs. - recurso da “maiêutica”, ou seja, a arte <strong>de</strong> mostrar ao interlocutor, por meio <strong>de</strong> perguntas, as<br />

verda<strong>de</strong>s do objeto em questão. Pura filosofia socrática.<br />

Neste sentido, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existir uma coisa chamada “natureza” como algo significativo<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento científico, assemelha-se a um peixe possuir uma coisa chamada água. Sem a água<br />

o peixe não viveria ou sem a natureza a ciência não existiria. Correto? Com a ciência, o que antes era<br />

algo invisível, pré-consciente, torna-se objeto para exame e <strong>de</strong>scrição.<br />

A ciência pragmática leva à um progresso, ao <strong>de</strong>senvolvimento, à novas <strong>de</strong>scobertas. É bom? Faz<br />

bem?<br />

Eu, <strong>Helcias</strong>, autor, costumo repetir o que ouvi <strong>de</strong> um antigo mestre: “todo progresso <strong>de</strong>ve ser<br />

almejado, esperado, <strong>de</strong>sejado, bem vindo; porém gera necessida<strong>de</strong>s, as vezes não tão boas”. Ou seja, tudo<br />

tem o seu preço. Vocês gostariam <strong>de</strong> voltar a época dos lampiões, andar somente a pé, se comunicar via<br />

batidas <strong>de</strong> tambor ou uivos, apitos, etc.? Em compensação temos ao internet, os produtos tecnológicos, os<br />

medicamentos, melhores carros. Vemos ampliada a nossa expectativa <strong>de</strong> vida. Acompanhando temos as<br />

ações inci<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong> incidir, <strong>de</strong> sobrevir, <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> refletir; ou os aci<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong> casualida<strong>de</strong>s,<br />

imprevistos, fortuitos, Ainda temos as malda<strong>de</strong>s, (<strong>de</strong> mal = advérbio), <strong>de</strong>sfavoráveis, nocivas; ou o seu<br />

contrário, o bem, o benefício, o proveitoso, etc. < po<strong>de</strong>ndo-se falar também das mauda<strong>de</strong>s, (<strong>de</strong> mau (*) =<br />

adjetivo), ruinda<strong>de</strong>s humanas, ou o seu contrário, o bom, coisas boas, o agradável, o generoso, etc. Tudo<br />

isso <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado quanto às evoluções (transformações) humanas numa socieda<strong>de</strong>, ou seja<br />

quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento progressivo <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> coisas, <strong>de</strong> fatos, <strong>de</strong> idéias, etc.<br />

(*) Na mata amazônica encontramos uma ave <strong>de</strong> nome maú (sim, com acento agudo no Ú) ou<br />

urutauí que emite sons parecidos ao berro <strong>de</strong> um bezerro<br />

Seriam os mitos, as <strong>crenças</strong>, etc., necessárias para frear, disciplinar, orientar atitu<strong>de</strong>s do ser humano<br />

com relação ao ambiente, como um todo?<br />

Quando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é marcada só pela natureza, ela é repetitiva; e quando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é<br />

marcada pela cultura, ela é inovadora. O fruto da inovação produzido por uma nova cultura,<br />

(introduzida), po<strong>de</strong> sobrepor práticas culturais em <strong>de</strong>terminadas parcelas da população. Assim, supomos<br />

que a cultura urbana atual (distante dos ciclos naturais não humanos) sobrepõe a cultura rural e<br />

haliêutica (mais inserida na natureza), ocasionando uma imposição <strong>de</strong> regras sociais que não possuem<br />

relação e fundamento nos significantes culturais relevantes para as populações <strong>de</strong> cultura não urbana,<br />

aponta Glaucio Gonçalves Tiago.<br />

Continuando, afirma: por exemplo, “- Populações que praticam a aqüicultura e a pesca possuem,<br />

<strong>de</strong> maneira geral, inconscientes que transcen<strong>de</strong>m aspectos temporais e remetem aos mitos relativos às<br />

águas e às culturas e ofícios das águas.<br />

2


Quanto <strong>de</strong>stas populações são culturalmente reconhecidas pelos entes governamentais na<br />

formulação <strong>de</strong> políticas e <strong>de</strong> normas voltadas ao or<strong>de</strong>namento <strong>de</strong>stas práticas e à proteção ambiental?<br />

Quanto <strong>de</strong>stes referenciais míticos e/ou culturais são percebidos e compreendidos pelos aparelhos <strong>de</strong><br />

organização social, <strong>de</strong> maneira que se possibilite a criação e a operacionalização <strong>de</strong> regras sociais que<br />

vali<strong>de</strong>m a maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas práticas culturais, e, assim, legitime as regras geradas?<br />

Diante <strong>de</strong>stas questões, os aspectos míticos presentes nas variadas culturas humanas remetem-nos<br />

inicialmente a uma abordagem epistemológica(*) sobre o significado mítico e seus correspon<strong>de</strong>ntes e, em<br />

nosso caso, à relação simbólica homem/água, reflete o autor.<br />

(*) Haliêutica = parte da biologia que estuda a ciência, a técnica e estratégias <strong>de</strong> exploração à pesca,<br />

incluindo a aqüicultura, dos organismos aquáticos, em especial marinhos.<br />

Epistemologia = estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas;<br />

teoria das ciências.<br />

No que diz respeito à relação homem/natureza, a apropriação <strong>de</strong> recursos naturais é revestida <strong>de</strong><br />

várias estratégias dissimuladoras, com caráter oficial ou não, como, talvez, a criação <strong>de</strong> agências<br />

governamentais regulamentadoras <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que utilizam recursos naturais e mesmo as ONGs, as<br />

fundações ambientais e conservacionistas, etc.<br />

O mito religando, relembrando fatos histórico<br />

O mito é, assim, um dos caminhos que nos trazem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> religação com as fontes mais<br />

antigas <strong>de</strong> conhecimentos esquecidos. E, por isso mesmo, o mito tem um papel religioso ou crença<br />

fundamental no que se refere à religação do homem (na natureza,) com o conhecimento espiritual, com<br />

as suas fontes divinas, afirma Cavalcanti, (1997).<br />

Vale relembrar um fato importante, um ato, uma ação na história do Brasil. Tudo revestido e<br />

repassado à <strong>crenças</strong>, (misticismos). vejamos: - entre os vários mitos ou <strong>crenças</strong> cultuadas pelos negros<br />

brasileiros, seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e seguidores diversos, vê-se a existência do mito “Preto Velho”*, como a<br />

imagem da humilda<strong>de</strong> e do saber, porém mostruário da perseverança <strong>de</strong> uma raça, da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

povo, cultuando heroicamente sua história.Visitem o Museu Afro-Brasil, no Pq Ibirapuera/SP.<br />

• *Imagem mítica e mística surgida na escravatura, após a “lei dos sexagenários”. Isso acarretou no<br />

abandono <strong>de</strong>ssas pessoas idosas, ou seja, os escravos velhos não mais produzem. Então os velhos po<strong>de</strong>m<br />

ser libertados, mas não tem como obter por si o alimento. Ficam abandonados. Permanecem nas<br />

senzalas, só por carida<strong>de</strong>. Dá-se apenas comida e pronto.<br />

Até hoje, no Brasil, cultua-se a imagem mística do Preto Velho, oferecendo-o água, café, feijão e fumo.<br />

Refletimos que o nosso pais foi, na época, a última nação a abolir a escravidão dos negros,<br />

que aqui durou 3 séculos.<br />

(no Velho Testamento, vê-se que o povo ju<strong>de</strong>u foi escravizado por 40 anos)<br />

3


Um outro exemplo da relação das <strong>crenças</strong> religiosas e fatos históricos ou figuras e grupos<br />

históricos é a “Congada”*, representação que festeja encenando a vitória do bem contra o mal, do<br />

reinado bom contra o mau, do santificado contra infernizado, digamos assim. Lembro-me do festejo<br />

“Marrá Paiá”* encenação profano-religiosa característica <strong>de</strong> maravilhosa Paraty/RJ, on<strong>de</strong> entre outros<br />

grupos <strong>de</strong> dança folclórica, os “Conga<strong>de</strong>iros” <strong>de</strong> Cunha/SP, cida<strong>de</strong> do Alto Paraíba, sempre se<br />

apresentam. Comenta-se que em séculos passados, a apresentação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> “Congada” junto à<br />

“Festa do Divino” sofreu proibição pela Igreja do Vale do Paraíba. Em Cunha/SP esses grupos<br />

escondidos se dirigiam à Paraty/RJ e lá se apresentavam. Tal tradição persiste até os dias atuais, sempre<br />

se convidando os “Conga<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Cunha” para encenar, cantar e dançar na pequena e bela cida<strong>de</strong><br />

litorânea, - Paraty -. É aon<strong>de</strong> se produz historicamente, entre outras tantas iguarias, a aguar<strong>de</strong>nte ou<br />

“pinga”, <strong>de</strong>clamada, cantada e respeitada “Paraty”. Em Paraty não se fala em Congada e sim na festa <strong>de</strong><br />

Marrá Paiá, corruptela formada pela junção das palavras na frase, “amarrar as paiás (guizos)”, nas<br />

pernas dos componentes do grupo, enquanto se versa uma canção homenageando os santos e divinda<strong>de</strong>s,<br />

São José, São Benedito e o “Espirito Santo”*.<br />

Po<strong>de</strong>mos ainda citar um trabalho <strong>de</strong> Adilson da Silva Mello que teve como proposta resgatar o<br />

mito, um fenômeno religioso chamado “Sá Marinha das Três Pontes”, da região <strong>de</strong> Cunha/SP. Na<br />

tentativa <strong>de</strong> equacionar os fatos ele concluiu que, no caso, “muitas vezes esquecidos, fenômenos como esse<br />

trazem em si elementos <strong>de</strong> análise que po<strong>de</strong>m passar <strong>de</strong>sapercebidos aos pesquisadores. Não importa apenas<br />

constatar sua existência, elaborar um arcabouço teórico e enquadrá-lo <strong>de</strong> forma a que a teoria possa ter<br />

razões inquestionáveis”. Ele questionava todo marco teórico durante o processo <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong><br />

interpretação dos dados. Muitas vezes o objeto formal da pesquisa apontava em direções diferentes<br />

daquela pretendida durante o <strong>de</strong>correr do processo. Cabia então, ao pesquisador, redimensionar as<br />

posturas teóricas para que o objeto pu<strong>de</strong>sse falar <strong>de</strong> forma mais clara e mostrar sua relevância.<br />

A mitologia tentando explicar questões da natureza<br />

Osíris, na mitologia egípcia, personificava fecundida<strong>de</strong>, a fonte total e criadora das águas. Ainda,<br />

no Egito, para garantir a existência e continuida<strong>de</strong> da vida, a mesa <strong>de</strong> pedra talhada ou a mesa <strong>de</strong> libação<br />

era posicionada nas margens dos rios e sobre ela <strong>de</strong>rramava-se vinho que - ao escorrer pelos sulcos<br />

sinuosos da pedra representava os meandros <strong>de</strong>sses rios. O vinho era uma oferenda a Osíris, Hapi ou<br />

Serápis. O rio Nilo era originado da união entre Osíris aquático e Ísis terrena, da qual nasceu o menino<strong>de</strong>us<br />

Hórus.<br />

Ainda mais, no antigo reino dos faraós era louvada pelos sacerdotes a importância da água, pois,<br />

para eles, as coisas presentes no mundo só podiam existir graças à ação da umida<strong>de</strong>. As águas<br />

provenientes dos templos eram dádivas dos <strong>de</strong>uses que os súditos consi<strong>de</strong>ravam sagradas.<br />

As Nereidas, na criação grega, eram originadas da união entre o Mar e os Rios. O Céu e a Terra<br />

(Gaia) eram para os gregos os símbolos masculino e feminino que, através da fertilização das águas,<br />

produziam a vida, a qual passava a ser regida por Eros.<br />

Aristóteles por sua vez já pregava que: "Os rios se originariam da água da chuva e da<br />

con<strong>de</strong>nsação no solo da umida<strong>de</strong> do ar no interior das cavernas nas montanhas que davam origem aos<br />

mananciais". Nada mais correto, sabemos hoje em dia.<br />

Nas tradições religiosas afro-brasileiras, a divinda<strong>de</strong> reinante sobre as águas do mar e que<br />

habitava na capital religiosa dos Iorubás, Ifé, tem o nome <strong>de</strong> Yemanjá<br />

Os <strong>Mitos</strong> da Água<br />

A Mitologia é um dos repositórios do conhecimento humano. Assim, através da interpretação dos<br />

mitos, alguns autores <strong>de</strong>senvolvem um trabalho que tem como finalida<strong>de</strong> resgatar este conhecimento<br />

adormecido no inconsciente, restaurando e vitalizando o significado mais profundo contido nestas<br />

narrações.<br />

Raíssa Cavalcanti, no livro “<strong>Mitos</strong> da Água”, trabalha na recuperação <strong>de</strong>ssa memória ancestral e<br />

faz uma investigação do processo evolutivo e da finalida<strong>de</strong> espiritual da vida humana. Desta forma,<br />

seleciona mitos relacionados com a água, consi<strong>de</strong>rada um dos elementos essenciais formadores da vida, a<br />

“Prima Matéria”, pois acreditamos que o projeto evolutivo do homem está ligado à evolução do cosmo<br />

como um todo. A antropogênese está relacionada à cosmogênese.<br />

4


Assim, por exemplo:<br />

• O Bhagavad Gita concebe Deus como a origem do universo e em cuja natureza há oito formas<br />

elementais: terra, água, fogo, ar, éter, mente, razão e consciência individual.<br />

• Os filósofos pré-Socráticos sustentavam que o Universo é gerado <strong>de</strong> uma matéria única e original, “a<br />

Prima Matéria”, que, para Tales <strong>de</strong> Mileto era a água; para Anaximandro era o Apeiron, o ilimitado;<br />

para Xenófanes <strong>de</strong> Cólofon era o mar, fonte <strong>de</strong> água e vento; para<br />

• Heráclito <strong>de</strong> Éfeso era o fogo, o fogo periódico e eterno é Deus; e para Aristóteles era a Prima<br />

Matéria, a potencialida<strong>de</strong> sem forma.<br />

• No panteão grego, Zéus <strong>de</strong> Dodona era o Senhor dos quatro elementos (ar, terra, água e fogo), que em<br />

Roma era similar a Júpiter Mundos.<br />

• Para os Hindus era Brahma com quatro faces, rei dos quatro elementos.<br />

• Gregos, hindus e ju<strong>de</strong>us acreditavam em um 5º elemento, o éter, que é a síntese dos outros elementos.<br />

• Para Platão, os quatro elementos eram "Aquilo que compõe e <strong>de</strong>compõe os corpos compostos". O<br />

fogo, o ar, a água e a terra eram somente o revestimento aparente, os símbolos das Almas ou Espíritos<br />

visíveis que tudo impregnavam <strong>de</strong> vida.<br />

• Para Platão e os Pitagóricos, a substância primordial é a Alma do Mundo, impregnada pelo espírito<br />

daquele que fecunda as Águas Primitivas.<br />

• Na Cabala, o Ain-Sofh, o Deus-Deus, o Não-manifesto, o incognoscível, (que não se po<strong>de</strong> conhecer), e<br />

manifesta através dos <strong>de</strong>z Sefirot. O infinito imutável não po<strong>de</strong> querer pensar e atuar, e para fazê-lo<br />

<strong>de</strong>ve converter-se em finito, através <strong>de</strong> Sephira, o po<strong>de</strong>r ativo. Quando o po<strong>de</strong>r ativo surge <strong>de</strong>ntro da<br />

unida<strong>de</strong>, ele é feminino. Quando assume o papel <strong>de</strong> criador, ele é Masculino. O Sephira feminino é o<br />

gran<strong>de</strong> mar, as Águas Primordiais. Da dualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sephira surgem os outros sete sefirot (luzes,<br />

nomes, estágios,...). Sefirot é o tecido <strong>de</strong> conexão entre o Deus infinito e o mundo finito. A água é um<br />

sefirot, uma das formas elementais através das quais a unida<strong>de</strong> infinita, o eterno não revelado, se<br />

manifesta<br />

• Para os alquimistas, a água é uma das representações da substância primordial.<br />

• Na cultura hindu, o ovo cósmico, Bramanda, foi chocado na superfície das águas (prakiti).<br />

• No Egito, o Deus eterno Kneph era representado por uma serpente enroscada em um vaso <strong>de</strong> água.<br />

Para os polinésios, as águas primordiais eram mergulhadas nas trevas cósmicas, até que Io, o Deus<br />

supremo, exprimiu o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sair do repouso. Para os Taoístas, a água é o sopro vital (prana).<br />

A água como “prima-matéria”<br />

Todas essas concepções filosóficas são tentativas <strong>de</strong> explicar o mistério das origens do universo,<br />

cuja complexida<strong>de</strong> é incompreensível ao ser humano. Psicologicamente, a Água é o reservatório <strong>de</strong> toda a<br />

pulsão <strong>de</strong>vida. A noção da água como fonte primordial da vida é consi<strong>de</strong>rada universal. Na maioria das<br />

religiões, a água é a “prima-matéria”. A maior parte das cosmogonias consi<strong>de</strong>ra a água o mais antigo dos<br />

elementos. Nas culturas judáico-cristãs, é o símbolo do 1º lugar, a origem da criação, a semente, o "men”<br />

(M) que simboliza a água sensível da qual tudo se origina. M é a mais sagrada das letras, é masculina e<br />

feminina e simboliza a Água original.<br />

A água é a expressão imanente do transcen<strong>de</strong>nte, é uma hierofania, a manifestação do sagrado,<br />

um modo <strong>de</strong> aparição <strong>de</strong> Deus. <strong>Mitos</strong> da água são uma discussão sobre a origem, o <strong>de</strong>senvolvimento e a<br />

finalida<strong>de</strong> última do ser (espiritual).<br />

O porque dos mitos masculinos e femininos<br />

O Oceano é muitas vezes consi<strong>de</strong>rado como a água primordial. Na tradição antiga, o Oceano é um<br />

imenso rio, que circunda o mundo terrestre. Para os gregos, o Oceano é o rio-serpente, o rio-oceano<br />

(Ésquilo em Prometeu Acorrentado). Oceano é representado por um "Velho sentado sobre as ondas,<br />

empunhando uma lança numa das mãos e, na outra, segurando uma urna da qual <strong>de</strong>speja água. Ao seu<br />

lado sempre aparece um monstro marinho". Oceano é o 1º Deus das Águas, o mais velho dos Titãs, é<br />

consi<strong>de</strong>rado o pai <strong>de</strong> todos os seres. Filho <strong>de</strong> Urano e Géia (os pais do mundo): “É um fluxo, um limite e<br />

uma barreira entre o mundo e o além". Oceano uniu-se à irmã Tétis, a mais jovem das titanisas, e com<br />

5


ela gerou mais <strong>de</strong> 3000 rios e 41 filhas chamadas oceânicas. Estas personificam os riachos, fontes e<br />

nascentes. Para Homero, todos os <strong>de</strong>uses eram originários <strong>de</strong> Oceano e Tétis.<br />

É como filho do Céu e da Terra que Oceano dá continuida<strong>de</strong> à função procriativa e criativa dos<br />

pais. O mundo uraniano constitui o estágio <strong>de</strong> perfeição paradisíaca do não-nascido, daquilo que ainda é<br />

pura idéia, vonta<strong>de</strong> divina da manifestação material. Oceano dá inicio ao estágio dos "nascidos", é um<br />

"Pai do Mundo", pois materializa aquilo que em Urano era idéia.<br />

O Deus Oceano simboliza o masculino gerador-criador e não somente o masculino copulador <strong>de</strong><br />

idéias, como Urano. Oceano e Tétis são uma parelha cósmica, o casal primordial, pais <strong>de</strong> todos os seres,<br />

"pais do Mundo". As águas femininas e masculinas são símbolos da união das polarida<strong>de</strong>s contidas na<br />

totalida<strong>de</strong> divina "Pai-Mãe". O <strong>de</strong>senvolvimento da consciência humana é dado através da separação<br />

entre masculino e feminino. São arquétipos primordiais do masculino e feminino que fornecem a base<br />

arquetípica da i<strong>de</strong>ntificação sexual, que retira o indivíduo da onipotência e o coloca como sujeito<br />

incompleto no mundo. Oceano não possui um lugar <strong>de</strong>terminado. É o limite entre o mundo arquetípico,<br />

pré-formal, e o mundo sensível das formas.<br />

O Mar, como o Oceano, é o símbolo do princípio <strong>de</strong> todas as coisas. O Oceano representa as Águas<br />

superiores, a matéria prima in<strong>de</strong>terminada, a calma, a tranqüilida<strong>de</strong> profunda, e o Mar representa as<br />

Águas inferiores, as possibilida<strong>de</strong>s formais, a agitação, o dinamismo da vida (ondas). O Mar representa,<br />

melhor que o Oceano, a dinâmica da vida e da morte, do começo e do fim, tudo se origina e retorna a ele.<br />

Os Velhos do Mar (Fórcis, Proteu e Nereu) são personificações do aspecto antigo e primordial do<br />

Mar. Proteu é o que melhor encarna esta ancestralida<strong>de</strong>, a origem. Proteu é o protógono, o primogênito.<br />

Proteu representa a ancestralida<strong>de</strong> do Mar e do homem e correspon<strong>de</strong> aos símbolos gnósticos,<br />

(esotéricos), <strong>de</strong> fundamento do mundo, ou arcanum. Os Velhos do Mar representam o homo perfectus<br />

(Teleios), o homem cósmico. A sabedoria, a bonda<strong>de</strong>, e a justiça do inconsciente coletivo. Os Velhos do<br />

Mar representam, acima <strong>de</strong> tudo, o reservatório <strong>de</strong> conhecimento ancestral, que está à disposição<br />

daquele que procura a individuação.<br />

O símbolo do peixe<br />

Em inúmeras tradições religiosas, o peixe é o possuidor da função <strong>de</strong> revelação. A soberania e a<br />

santida<strong>de</strong> são distribuídas pelos gênios marinhos em forma <strong>de</strong> peixes, serpentes ou dragões. A força<br />

mágico-religiosa era transmitida aos heróis por seres míticos femininos com “cheiro <strong>de</strong> peixe”. O peixe<br />

na Alquimia possuía esta qualida<strong>de</strong> simbólica <strong>de</strong> orientador e <strong>de</strong> revelador <strong>de</strong> um processo, <strong>de</strong> um<br />

caminho a ser seguido pelo a<strong>de</strong>pto.<br />

No Cristianismo, o símbolo do peixe foi amplamente utilizado:<br />

a) O i<strong>de</strong>ograma <strong>de</strong> Cristo é “ICHTUS” (peixe em grego) = “Iesus Christós Theou Uios Soter” = “Jesus<br />

Cristo, filho <strong>de</strong> Deus, Salvador”;<br />

b) Cristão são os pequenos peixes (pisciuli);<br />

c) Cristo é um salvador e um pescador;<br />

d) A pia batismal é chamada <strong>de</strong> piscina, que é um tanque <strong>de</strong> peixes;<br />

e) O peixe é um sinal secreto <strong>de</strong> reconhecimento;<br />

f) O peixe é o alimento do corpo e do espírito, como o pão.<br />

O peixe geralmente está associado à fecundida<strong>de</strong> que provém do amor. Matéria e espírito, sagrado<br />

e impuro. Assim como Tritão, o peixe é consi<strong>de</strong>rado uma potência fálica. É representado pelo losango,<br />

que é a união entre as potências masculinas e femininas, a vulva e o falo. Tritão representa a idéia mais<br />

arcaica da energia cósmica, que é tanto masculina e feminina, positiva e negativa, e que está presente em<br />

todos os humanos.<br />

Para Hesíodo, Tritão é o Deus da força-ampla, um complexo e profundo símbolo do Self (para<br />

Jung, o Self é o fator <strong>de</strong> orientação mínima, o centro regulador).<br />

A lenda <strong>de</strong> Glauco: De homem a Deus marinho. Para Anaximandro, o homem é um filho do mar,<br />

do inconsciente cósmico, que caminha evolutivamente em busca da realização <strong>de</strong> sua humanida<strong>de</strong>.<br />

Glauco, o Deus marinho, é filho <strong>de</strong> Posídon e <strong>de</strong> uma ninfa do mar chamada Naís. Nasceu mortal, mas,<br />

um dia, tendo posto sobre as ervas da margem uns peixes que acabara <strong>de</strong> pescar, notou que eles se<br />

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agitavam <strong>de</strong> um modo extraordinário e se lançavam ao mar. Acreditou que estas ervas possuíam uma<br />

virtu<strong>de</strong> mágica, provou-as e tornou-se um Deus Marinho. Posídon e Tétis <strong>de</strong>spojaram-no do que tinha <strong>de</strong><br />

mortal e o admitiram como um Deus.<br />

O processo <strong>de</strong> individuação, <strong>de</strong> busca da totalida<strong>de</strong>, pressupõe uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> luta e integrida<strong>de</strong><br />

na busca da consciência, além do conhecimento e a fé na unida<strong>de</strong> da vida espiritual e na imortalida<strong>de</strong> do<br />

espírito. No caso do mito <strong>de</strong> Glauco, o seu processo não é marcado por nenhuma dificulda<strong>de</strong>. Ao<br />

contrário, a sua <strong>de</strong>scoberta da planta da imortalida<strong>de</strong> quase se dá por acaso. Ele não teve que trilhar<br />

nenhum caminho penoso e muito menos enfrentar ou matar um monstro para conseguir a planta da<br />

imortalida<strong>de</strong>. Mas, como Jung provou que o acaso não existe, a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Glauco aconteceu porque<br />

ele estava preparado para “ver”, para o ato <strong>de</strong> conhecer, porque ele era um pescador. O pescador é,<br />

simbolicamente, aquele que se <strong>de</strong>dica ao ato <strong>de</strong> buscar no inconsciente, <strong>de</strong> “fisgar” o alimento da<br />

sabedoria para a consciência. Ele <strong>de</strong>dicava a sua vida à pratica do conhecimento e era possuidor da<br />

virtu<strong>de</strong> da sabedoria, já era um iniciado.<br />

De forma geral, os mitos afirmam que o conhecimento, o criar consciência, é o caminho para a<br />

imortalida<strong>de</strong>. O conhecimento do bem e do mal retira o indivíduo do estado <strong>de</strong> alienação e o torna capaz<br />

<strong>de</strong> “ver” on<strong>de</strong> se encontra a Árvore da Vida ou a planta milagrosa que lhe dará a imortalida<strong>de</strong>, ou o<br />

conhecimento da eternida<strong>de</strong> do espírito. Glauco estava capacitado para “ver” e acreditou no que via.<br />

Apenas os peixes, o seu guia interior e os símbolos do Self foram os sinais que lhe apontaram o caminho<br />

da verda<strong>de</strong>. Glauco morre para o mundo profano e renasce para o mundo espiritual.<br />

Aquele que já provou dos frutos da Árvore da Ciência é um iniciado porque conhece o bem e o<br />

mal, se humanizou, e assim está preparado para comer os frutos da Árvore da Vida. Toda pessoa que se<br />

<strong>de</strong>dica ao ato da investigação do inconsciente com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter o conhecimento <strong>de</strong> si mesmo e da<br />

vida é um pescador. O conhecimento do mundo resi<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada um. O novo Deus Marinho po<strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong>finido como aquele que sai da condição histórica, abandona o <strong>de</strong>vir humano para fazer o caminho<br />

<strong>de</strong> volta, a reconciliação com o inconsciente, com a totalida<strong>de</strong> cósmica.<br />

O pensamento hermético concebe que a “Totalida<strong>de</strong>” é tanto o início quanto o encerramento <strong>de</strong><br />

um processo, e isto constitui o segredo hermético, o que Jung e a psicologia junguiana, mais tar<strong>de</strong>,<br />

chamarão <strong>de</strong> individuação. A entrada para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si mesmo correspon<strong>de</strong> à imersão, ao banho ritual.<br />

O costume do banho ritual, que <strong>de</strong>pois tomou a forma do batismo, foi amplamente usado pelo<br />

cristianismo para <strong>de</strong>signar os dois atos simbólicos, a imersão e a emersão. “O homem velho morre por<br />

imersão na água, e dá origem a um ser novo regenerado”. A própria água é um chamamento para a<br />

nu<strong>de</strong>z como sinônimo <strong>de</strong> pureza, <strong>de</strong>spojamento, abandono <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s antigas.<br />

Água: Medo e Repulsa<br />

Encerrando a parte do trabalho <strong>de</strong>stinado à apresentação dos variados mitos da água, na forma<br />

do apresentado por Raissa Cavalcanti (1997), expomos com Corbin (1989) que: “Uma capa <strong>de</strong> imagens<br />

repulsivas impe<strong>de</strong> a emergência do <strong>de</strong>sejo a beira-mar”. Na visão <strong>de</strong>ste autor, a interpretação da Bíblia,<br />

particularmente a do Gênese, dos Salmos e do Livro <strong>de</strong> Jó, marca profundamente as representações do<br />

mar. Os relatos da Criação e do dilúvio tingem-se <strong>de</strong> traços específicos do imaginário coletivo. O Gênese<br />

impõe a visão do “Gran<strong>de</strong> Abismo”, lugar <strong>de</strong> mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos <strong>de</strong><br />

referência, imagem do infinito, do incompreensível, sobre a qual, na aurora da Criação, flutuava o<br />

espírito <strong>de</strong> Deus. Essa extensão palpitante, que simboliza, ou melhor, que constitui o incognoscível, é em<br />

si mesma terrível. Não existe mar no Jardim do É<strong>de</strong>n.<br />

A cosmologia sagrada, evocada em linhas gerais, impõe ao mar e às criaturas que o habitam<br />

certos esquemas <strong>de</strong> apreciação e lhes confere um forte valor simbólico. Através da figura do Leviatã, “o<br />

monstro que habita o mar”, a Bíblia consagrou o caráter teratológico do peixe. Isso, aliás, é uma<br />

<strong>de</strong>corrência lógica do relato da Criação. O oceano, recipiente líquido dos monstros, é um mundo<br />

con<strong>de</strong>nado em cuja obscurida<strong>de</strong> se entre<strong>de</strong>voram as criaturas malditas. A Igreja representa a figura do<br />

barco, o Espírito Santo, a do timoneiro que conduz ao porto eterno, objeto do <strong>de</strong>sejo do cristão, enquanto<br />

o pecado faz <strong>de</strong>rivar para longe da rota da salvação. O mar também é interpretado como um símbolo do<br />

7


purgatório, à imagem <strong>de</strong> uma travessia que po<strong>de</strong> ser, para o pecador surpreendido pela tempesta<strong>de</strong><br />

punitiva, a ocasião do retorno ao caminho correto.<br />

Conforme Corbin (1989), a reinterpretação dos textos antigos pelos humanistas (Horácio, Tibulo,<br />

Ovídio, Sêneca, Aristóteles, Defoe, Montesquieu etc.) assim como a busca e a contemplação da arte da<br />

Antigüida<strong>de</strong> impõem outras imagens do mar e <strong>de</strong> suas praias, que vêm se combinar com aquelas<br />

<strong>de</strong>rivadas da tradição judaico-cristã, formando-se um catálogo <strong>de</strong> imagens repulsivas do mar e <strong>de</strong> suas<br />

costas; elas se enraízam num sistema <strong>de</strong> representações anterior à emergência do <strong>de</strong>sejo da beira-mar.<br />

Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séc. XVII operou-se uma mudança que possibilita um novo olhar sobre o oceano: o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da oceanografia na Inglaterra (entre 1660 e 1675); uma efêmera atenção dada por<br />

poetas barrocos às maravilhas marinhas; os cantos idílicos dos profetas da teologia natural; a exaltação<br />

das praias fecundas da Holanda, abençoada por Deus; e a moda da viagem clássica às margens luminosas<br />

da baía <strong>de</strong> Nápoles.<br />

Diegues (1998), versando sobre o universo insular, expõe que “As socieda<strong>de</strong>s insulares são<br />

fundamentadas nos conceitos <strong>de</strong> maritimida<strong>de</strong>, insularida<strong>de</strong> e ilheida<strong>de</strong>. Não é a presença material do<br />

mar que se revela como elemento básico das socieda<strong>de</strong>s insulares, mas sim as práticas sociais e simbólicas<br />

<strong>de</strong>senvolvidas em relação ao mar”. Na maioria das vezes, o mar é visto por vez como fator <strong>de</strong> contato e<br />

em outra <strong>de</strong> isolamento, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tipo <strong>de</strong> relação que as socieda<strong>de</strong>s insulares mantêm com o<br />

exterior.<br />

Bibliografia recomendada<br />

• Bourg, D. - Os Sentimentos da Natureza. Lisboa. Instituto Piaget. 268 p.. 1997.<br />

• Cancini, N. – Culturas híbridas. EDUSP.<br />

• Cavalcanti, R - <strong>Mitos</strong> da Água. São Paulo. São Paulo. Ed. Cultrix. 264 p. 1998<br />

• Corbin, A . - O Território do Vazio. A Praia e o imaginário Oci<strong>de</strong>ntal. São Paulo. Editora Schwarcz /<br />

Cia. Das Letras. 385 p. 1989.<br />

• Diegues, A. C. – Ilhas e Mares: Simbolismo e Imaginário. São Paulo. Ed. Hucitec. 272 p. 1998<br />

• Evern<strong>de</strong>n, N. - The Social Creation of Nature. Baltimore. The Johns Hopkins University Press. Cap.<br />

2. 1992<br />

• Go<strong>de</strong>lier, M. - Antropologia. São Paulo, Editora Ática. 208 p. 1981.<br />

• Larousse - Socieda<strong>de</strong> e Cultural - Enciclopédia Compacta Brasil - Larousse Cultural - Nova Cultural<br />

- 1995<br />

• Mollat, M. - La vie quotidienne <strong>de</strong>s gens <strong>de</strong> mer en Atlantique (IX-XVI). Paris. Hachette Literature.<br />

1983.<br />

• Nogueira, S. – Use bem o mal. Diário <strong>de</strong> S.Paulo/SP-SP. Aula diário; Economia, 2ª edição; Sábado,<br />

24/09/05.p.B2<br />

• Parker, C. - Religião Popular e Mo<strong>de</strong>rnização Capitalista, Ed Vozes, Petrópolis/RJ<br />

• Pierucci, A F. - Reencantamento e Dessecularização, in Revista Novos Estudos, no. 49 nov/1997.<br />

• Revista Geográfica - Revista Geográfica Universal N.º 131. Bloch Editores S.A., 1985<br />

• Ribeiro, R. J. - A Socieda<strong>de</strong> contra o Social. São Paulo. Ed. Companhia das Letras. 232 p. 2002.<br />

• Shirley, R.W. - O Fim <strong>de</strong> uma Tradição, Perspectiva, SP, 1971.<br />

• Ruthven, K. K. - O mito. São Paulo. Editora Perspectiva. 126 p. 1997<br />

• Tiago, G. G. - <strong>Mitos</strong> das águas: a cultura haliêutica e seus po<strong>de</strong>rosos significantes ancestrais<br />

Bacharel em Ciências Biológicas e em Ciências Jurídicas, MSc em Ciência Ambiental (Procam/USP,<br />

Instituto <strong>de</strong> Pesca/SP).<br />

Site(s) e e.mail(s)<br />

• http://www.grupoaruanda.com<br />

• Informações: Secretaria Municipal <strong>de</strong> Turismo e Cultura. pmc.turismocultura@ig.com.br :<br />

Prefeitura Municipal da Estância Climática <strong>de</strong> Cunha<br />

• Mello, A.S. - Análise <strong>de</strong> uma Devoção: Repensando os Elementos Interpretativos:<br />

armello@uol.com.br<br />

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Outras informações –<br />

• Cunha/SP = Localizado no Alto Paraíba, o município <strong>de</strong> Cunha/SP ocupa 1410 km2 <strong>de</strong> colinas e<br />

montanhas, entre as Serras da Quebra-Cangalha, da Bocaina e do Mar, recebendo, em 1948, o título<br />

Estância Climática. Na região têm-se uma das mais fortes manifestações artísticas <strong>de</strong>stacando-se a<br />

cerâmica <strong>de</strong> alta temperatura, com tradição forte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época dos índios que já trabalhavam com o<br />

barro, tendo continuida<strong>de</strong> com as paneleiras, que fabricavam panelas e potes <strong>de</strong> barro na roça. Destacase<br />

também as manifestações folclóricas, entre elas os grupos <strong>de</strong> conga<strong>de</strong>iros, (Congada da Barra <strong>de</strong> J.<br />

Alves, Congada <strong>de</strong> São Benedito dos Campos <strong>de</strong> Cunha) e eventos religiosos como a Festa do Divino, etc.<br />

Famosas são as narrativas da curan<strong>de</strong>ira “Sá Maiinha das Três Pontes”, Maria Gue<strong>de</strong>s, nascida em<br />

1882, em Cunha/SP. Narra-se que quando tinha 13 anos, no Bairro das Três Pontes (Jacuí), inicia-se<br />

sua história <strong>de</strong> milagres, aparições, curas, etc. Curan<strong>de</strong>ira e vi<strong>de</strong>nte apresenta um quadro circundado<br />

pelo mistério, característico <strong>de</strong> seu universo cultural. Personagens <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância no universo<br />

que envolve os curan<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Cunha. Conta-se da água da fonte, do rio, das aparições, da imagem,<br />

sem antes citar seu retorno. “Não leva ela pra sepultar, que num tá morta”.<br />

•<br />

• Paraty/RJ = Município situado no litoral sul-fluminense e entrecortado por praias e montanhas, (Serra<br />

do Mar-Mata Atlântica), formando esplêndido panorama com o ver<strong>de</strong> da montanha, o azul do céu e o<br />

cristalino das suas águas. Sua formação remonta à 1640 como Vila da Nossa Senhora dos Remédios,<br />

sendo por muito tempo usada, como ponto e porto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saiam para Portugal, o ouro e pedras<br />

preciosas vindas <strong>de</strong> Minas Gerais. As trilhas na região das suas montanhas eram visadas por<br />

contrabandistas, piratas e saqueadores, (bucaneros). Elevada à Condado <strong>de</strong> Paraty em 1813. A cida<strong>de</strong> é<br />

consi<strong>de</strong>rada Patrimônio Histórico Nacional, Paraty mostra suas igrejas, casarões la<strong>de</strong>ando suas estreitas<br />

ruas centrais calçadas com pedras irregulares e adaptadas a receber e escoar naturalmente as águas das<br />

marés. Seu litoral exibe muitas ilhas e praias com águas super cristalinas. Este autor i<strong>de</strong>ntificou insetos,<br />

mamíferos e um caso em ser humano da leishmaniose tegumentar americana, já em 1973/4, num<br />

lugarejo ao sopé <strong>de</strong> uma das suas montanhas, sendo que ainda são apontadas “leishmaniose<br />

tegumentar” em mamíferos, (cães, etc.), pelo Inst. Osvaldo Cruz/RJ, infestação causada pela<br />

Leishmania, parasita transmitido pelo mosquito flebotomo.<br />

•<br />

• Congada = Bailado popular que acontece em algumas regiões do Sul e Su<strong>de</strong>ste brasileiro, como nos<br />

estados do Paraná, São Paulo, (meu pai - o velho Orestes - dizia ter sido conga<strong>de</strong>iro lá em<br />

Sorocaba/SP), em Minas Gerais, e também no Nor<strong>de</strong>ste, na Paraíba. Esta manifestação cultural tem<br />

origem no catolicismo e nas sangrentas histórias <strong>de</strong> guerra do povo africano, como a do assassinato do<br />

rei <strong>de</strong> Angola, Gola Bândi. Na congada dramatizam uma procissão <strong>de</strong> escravos feiticeiros, capatazes,<br />

damas <strong>de</strong> companhia e guerreiros que levam a rainha e o rei negro até a igreja, on<strong>de</strong> serão coroados.<br />

Durante o cortejo, ao som <strong>de</strong> violas, atabaques e reco-recos, realizam danças com movimentos que<br />

simulam uma guerra. Algumas danças africanas, trazidas para o Brasil pelos escravos vindos <strong>de</strong> diversos<br />

pontos da África — Congo, Guiné, Moçambique, Angola — eram danças guerreiras. No Brasil, os<br />

missionários católicos conseguiram conservar estas danças guerreiras e renomeando-as, introduzindo<br />

elementos <strong>de</strong> cristianismo, colaborando assim para a preservação e transformação do valioso <strong>folclore</strong><br />

negro. Os escravos, que na socieda<strong>de</strong> colonial constituíam-se simples instrumento <strong>de</strong> trabalho, tinham,<br />

graças à influência da igreja, a permissão <strong>de</strong> comemorar certos dias do ano, com festas. Estes dias eram<br />

comemorados com a congada, permitida pelos patrões e pelo igreja; com o batuque, con<strong>de</strong>nado pela<br />

igreja, e com a macumba, con<strong>de</strong>nada pelos patrões e pelos padres. O batuque, dança erótica, recebeu a<br />

con<strong>de</strong>nação da igreja e a congada foi por ela prestigiada. Na Congada, o seu participante integrava uma<br />

confraria religiosa. O negro, que é menos individualista do que o branco, procura sempre associar-se,<br />

formar grupo <strong>de</strong> cooperação. Então, formavam grupos que, às vezes, se <strong>de</strong>sentendiam, como acontecia<br />

com os congos e moçambiques, disputando sempre: daí nunca terem o mesmo lugar na procissão. Os<br />

negros eram colocados no começo dos cortejos religiosos, ao lado dos meninos, costume que <strong>de</strong>u origem<br />

à seguinte crença: "Não vindo a irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Benedito à frente é chuva na certa". Como diz<br />

9


Alceu Maynard Araújo, a razão <strong>de</strong> ser da congada no passado era transferir, sublimar o instinto<br />

guerreiro do negro em fator criador, religioso: negro cristão versus negro pagão. Sublimada a atitu<strong>de</strong><br />

guerreira do negro era ao mesmo tempo uma <strong>de</strong>fesa para o branco. Deste ele tinha ressentimentos que se<br />

traduziam pela agressivida<strong>de</strong>. Unindo-se os negros podiam fazer valer os seus direitos.<br />

•<br />

• Festa do Divino = Instituída em Portugal nos primeiros anos do século 14 pela rainha Isabel, mulher <strong>de</strong><br />

D. Diniz, quando construiu a igreja do Espírito Santo em Alenquer. No Brasil começou se popularizar<br />

no século 16. Informa-se que chegou ao nosso pais no mesmo século. Há indícios <strong>de</strong> que, no Maranhão,<br />

ela tenha chegado com os açorianos entre 1615 e 1652, (séc. 17). Na região sul<strong>de</strong>ste costuma ser<br />

celebrada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século 17 e, nestes mais <strong>de</strong> quatrocentos anos, a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paraty/RJ conseguiu<br />

preservar a tradição religiosa e folclórica, festejando e homenageando a Terceira Pessoa da Santíssima<br />

Trinda<strong>de</strong> com muita originalida<strong>de</strong>, (a Igreja Matriz, ou Nossa Senhora dos Remédios, e as ruas do<br />

Centro Histórico ficam inteiramente <strong>de</strong>coradas com esmero pelas senhoras da paróquia e pela comissão<br />

da festa). É celebrada ainda no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em outras muitas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Paulo, Minas Gerais,<br />

Paraná, Santa Catarina, Maranhão, Amazonas, Espírito Santo e Goiás, com missa cantada, procissão,<br />

leilão <strong>de</strong> prendas e as manifestações folclóricas peculiares <strong>de</strong> a cada região. Na preparação da festa<br />

realiza-se uma folia, com a ban<strong>de</strong>ira do Divino, para arrecadar fundos e são armados coretos, palanques<br />

e um trono para o imperador do Divino. Trata-se <strong>de</strong> uma criança ou adulto que, durante a festa, exerce<br />

po<strong>de</strong>res majestáticos, chegando até a libertar presos comuns em algumas regiões <strong>de</strong> Portugal e do Brasil.<br />

A festa do Divino é uma festa religiosa móvel, que dura em torno <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias e termina no domingo <strong>de</strong><br />

Pentecostes, no mês <strong>de</strong> maio. O dia <strong>de</strong> Pentecostes, data em que a Igreja Católica comemora a <strong>de</strong>scida do<br />

Espírito Santo sobre os apóstolos, ocorre sete semanas <strong>de</strong>pois do domingo <strong>de</strong> Páscoa.<br />

•<br />

• Marrá Paiá = Congada, chamada em Paraty/RJ <strong>de</strong> Marrá Paiá, que é um folguedo <strong>de</strong> origem afrobrasileira<br />

com resíduos da cultura negra <strong>de</strong> Angola e do Congo. Reminiscência da antiga coroação dos<br />

Reis do Congo no Brasil, recebendo o nome <strong>de</strong> marrá-paiá por conta dos guizos (ou paiás) presos nas<br />

pernas dos dançarinos, que dão ritmo à dança.<br />

•<br />

• Pinga – Cachaça: = pinga ou cachaça, (duas das <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominações), é a aguar<strong>de</strong>nte feita da<br />

cana-<strong>de</strong>-açúcar; - aguar<strong>de</strong>nte é o álcool obtido pela <strong>de</strong>stilação do caldo <strong>de</strong> vegetais (frutas, cereais,<br />

grãos, etc.); - <strong>de</strong>stilação: o processo pelo qual uma substância em estado líquido passa para o estado<br />

gasoso e, <strong>de</strong>pois, novamente ao líquido, por con<strong>de</strong>nsação do vapor obtido, removendo <strong>de</strong>ssa forma as<br />

impurezas; - fermentação: processo <strong>de</strong> transformação da sacarose (açúcar) em álcool etílico e água,<br />

po<strong>de</strong>ndo ser natural ou química; - o álcool po<strong>de</strong> ser obtido tanto por <strong>de</strong>stilação (vodka e whisky, por<br />

exemplo) como por fermentação (cerveja e vinho). Popularmente pinga e cachaça é a mesma coisa, mas<br />

tecnicamente e legalmente não são.<br />

•<br />

• Pinga: o nome “pinga”, é bem recente, dado à uma bebida (fermentada e <strong>de</strong>stilada) feita da “garapa <strong>de</strong><br />

cana-<strong>de</strong>-açúcar. Vem do fato que, durante a produção, na <strong>de</strong>stilação, o vapor do caldo <strong>de</strong> cana<br />

fermentado se con<strong>de</strong>nsa e “pinga” <strong>de</strong>ntro dos tonéis.<br />

•<br />

• Cachaça : a aguar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>stilada a partir do fermentado da “borra ou melaço do açúcar”. Por volta <strong>de</strong><br />

1540 os portugueses instalaram no Brasil os primeiros engenhos para produção <strong>de</strong> açúcar e rapadura.<br />

Engenho : equipamento utilizado para moer a cana <strong>de</strong> açúcar.<br />

•<br />

• Alambique: o equipamento utilizado para <strong>de</strong>stilar a caldo da cana <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fermentado (parece uma<br />

gran<strong>de</strong> chaleira).<br />

•<br />

• A bebida cachaça ou pinga, inicialmente, no Brasil, era servida aos escravos, (possivelmente, em sua<br />

maioria, na forma <strong>de</strong> pinga, após a garapa ter azedado, fermentado e <strong>de</strong>stilado), como recompensa e<br />

10


estimulo (<strong>de</strong>pendência) ao trabalho (forçado). Também foi usada como moeda <strong>de</strong> compra ou troca, pelos<br />

traficantes <strong>de</strong> escravos, ante às tribos africanas, já que à eles o dinheiro não tinha valor algum.<br />

•<br />

• E.T..- para se fazer rapadura, fervia-se o caldo da cana, separando a espuma que se formava - o cagaçopara<br />

dar aos animais. Encarregados da produção da raspadura e <strong>de</strong> levar o cagaço para os cochos dos<br />

animais, os escravos perceberam que após um ou dois dias parado, o cagaço fermentava,<br />

transformando-se em álcool. Não <strong>de</strong>morou muito para os senhores <strong>de</strong> engenho <strong>de</strong>scobrirem esse álcool.<br />

Acostumados a produzir a bagaceira, uma aguar<strong>de</strong>nte feito da uva, os senhores <strong>de</strong> engenho resolveram<br />

<strong>de</strong>stilar o cagaço para separar as impurezas. Surgia assim a cachaça.. Logo passou a ser consumida nas<br />

<strong>de</strong>mais classes sociais e virou moeda corrente, concorrendo com a bagaceira e o vinho <strong>de</strong> Portugal. Com<br />

a queda do comércio <strong>de</strong> suas bebidas, a corte portuguesa proibiu a produção e o consumo da cachaça.<br />

Conhecida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século 16, a palavra “cachaça, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>rivada tanto do castelhano cachaza,,<br />

vinho feito na Espanha e Portugal a partir da borra da uva, ou da garapa azeda, tomada pelos escravos<br />

(a cagaça), ou da aguar<strong>de</strong>nte (fermentado) que era usada para amaciar a carne <strong>de</strong> porco (cachaço).<br />

Também era conhecida como o “vinho do mel da cana-<strong>de</strong>-açucar”. Em Minas Gerais já existe curso<br />

superior ensinando especificamente a tecnologia para produção da cachaça, - “qui trem bão dimais da<br />

conta”. Reforçamos que a bebida pinga <strong>de</strong>riva da garapa, já a cachaça é preparada a partir do melaço<br />

formado na preparação da rapadura/açucar. Nos mais tradicionais alambiques do norte <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais, região Vale do Paraíba-RJ/SP e no Sul <strong>de</strong> Minas, normalmente são preparadas cachaças.<br />

Também disse que a <strong>de</strong>nominação pinga <strong>de</strong>ve ser usada apenas quando a bebida for resultado da<br />

mistura <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>ntes proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> vários alambiques, preparo normalmente usado para obtenção<br />

<strong>de</strong> uma bebida mais comercial e barata.<br />

Respeitar o insucesso é tão importante<br />

quanto celebrar o sucesso. 2005<br />

Prof. Biól. <strong>Helcias</strong> <strong>Bernardo</strong> <strong>de</strong> <strong>Pádua</strong><br />

CFBio 00683-01/D - cel. 011.9568.0621<br />

* artigos técnicos em:www.portalbonito.com.br; setorpesqueiro.com.br;<br />

ruralnet.com.br<br />

"nulla dies sine linea"<br />

helcias@portalbonito.com.br<br />

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