1 introdução - Igreja e Camponeses.pdf - Diversitas - USP
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IGREJA E CAMPONESES<br />
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO<br />
E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO<br />
BRASIL E PERU, 1964-1986
ZILDA MÁRCIA GRÍCOLI IOKOI<br />
IGREJA E CAMPONESES<br />
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO<br />
E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO<br />
BRASIL E PERU, 1964-1986<br />
EDITORA HUCITEC<br />
São Paulo. 1996
Aos camponeses e trabalhadores<br />
rurais desta América Latina<br />
À minha mãe e sua luta pela vida...<br />
Aos amores que estimulam nossos sonhos.<br />
, .<br />
As utopIas que fortalecem nossas almas!<br />
A meus filhos Pedra e Mayra!
@ Direitos autorais, 1996, de Zilda Márcia Grícoli lokoi. Direitos de publicação reservados<br />
pela Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia HUCITEC Ltda., Rua Gil Eanes, 713 -<br />
04601-042 São Paulo, Brasil. Telefones: (011)240-9318 e 543-0653; vendas: (011)530-4532;<br />
fac-símile: (011)530-5938.<br />
ISBN 85-Z71.0387-7 Hucitec<br />
Foi feito o Depósito Legal.<br />
Editorafão eletlvnica: Ourípedes Gallene e Tera Dorea<br />
Capa e póg. 2: Greve geral convocada pela CCP. Cusco, Peru. Julho, 1988. Foto da autora.<br />
Manifestação de posseiros em Marcelândia. Tocantins, Brasil. 1991. Foto de<br />
Ariovaldo U. Oliveira.<br />
4.' capa: Colhedores de trigo. Vale Sagrado de los Inca, Peru. 1988. Foto da autora.<br />
Lavoura consorciada. Comunidade Barra do Turvo, Ribeira do Iguape, São<br />
Paulo. Brasil. 1993. Foto de Maria Cecília Martinez.
AGRADECIMENTOS<br />
C OMO todo trabalho, este também é coletivo e individual. Coletivo<br />
pelos textos historiográficos e teóricos que motivaram minhas reflexões,<br />
dúvidas, crises e incertezas que fazem parte do cotidiano do trabalho<br />
intelectual. Estimulado e garantido pela convivência com colegas, alunos e<br />
amigos que por diferentes maneiras me ajudaram a prosseguir nas atividades<br />
de pesquisa e na descoberta de formas novas para o enfrentamento do<br />
problema a ser resolvido. Devo destacar em primeiro lugar os mestres que me<br />
indicam caminhos. Desse modo não posso deixar de citar Maria de Lourdes<br />
Mônaco Janotti, Maria Lígia Prado, José de Souza Martins, e especialmente<br />
Florestan Fernandes, com quem aprendi que não há nada mais estimulante<br />
do que juntar a vida acadêmica com a militância política. A paixão pelo<br />
debate, pelas contendas intelectuais, o sentido radical e ao mesmo tempo<br />
conservador da vida universitária impregnaram meu coração e minha alma<br />
de modo ineludível pelos passos, as caminhadas do mestre saudoso.<br />
Do mesmo modo, os disdpulos, alunos que de diferentes maneiras me<br />
permitem viver os impasses dos questionamentos cotidianos, as dificuldades<br />
do enfrentamento e respeito às diferenças e que me impedem de<br />
esmorecer. Destes, as amizades profundas, os amores particulares as cum-<br />
plicidades estratégicas.<br />
Mais que tudo os amigos, fortes aliados nos momentos de dificuldades<br />
que me oferecem o ombro,' o afago e especialmente a lealdade. Neste<br />
grupo, Ilana Blaj, Tereza Aline Pereira de Queiroz, Sylvia Basseto, Ana<br />
Maria Camargo, José Carlos Sebe Bom Mehy e Maria Helena Capelatto<br />
são especiais em estimular minha trajetória.<br />
O Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e<br />
Ciências Humanas, lugar onde tudo começou e onde posso viver esse<br />
extraordinário campo de experiências e, em especial, sob a chefia de Raquel<br />
Glezer, a quem devo a força institucional que me permite crescer e ser<br />
respeitada. A todos os meus colegas que, de modo direto ou indireto, com<br />
seu trabalho garantem a respeitabilidade institucional que legitima toda a<br />
riqueza deste percurso.
2 AGRADECIMENTOS<br />
A Associação de Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp S.<br />
Sindical que atualmente tem sido um espaço privilegiado de discussão dos<br />
caminhos e descaminhos das universidades brasileiras e da <strong>USP</strong> em particular,<br />
o meu agradecimento companheiro. Os impasses atuais são motivadores<br />
de reflexões e estudos que como historiadora devo empreender, para<br />
contribuir nos desvendamentos dos equívocos atuais e para que o futuro<br />
não seja constituído apenas de sombras. A todos os amigos queridos de<br />
diretoria estrita ou ampliada e aos funcionários que com carinho me têm<br />
tornado uma professora mimada.<br />
Às agências de fomento à pesquisa - CNPq, que concedeu o auxílioviagem<br />
ao Peru e à Fapesp que co-edita este trabalho, pela confiança.<br />
Agradeço ainda a inúmeras pessoas que direta ou indiretamente estiveram<br />
por trás desta pesquisa. A Rui e Marlucia Brandão pela calorosa acolhida e<br />
hospedagem. A Hector Rodrigues Pastor, pelo apoio que me prestou na<br />
Central Campesina Dei Peru; A Wilma Delpich G., pela companhia e<br />
pelo acesso ao setor acadêmico peruano; a Irene, do Instituto Bartolomé<br />
Las Casas, de Rimac, em Lima; a Juan, do PC Bandera Roja, que me<br />
acompanhou nas pesquisas de campo por todo o Vale Sagrado, mesmo<br />
tendo inviabilizado o uso do material empírico; a Guillermo Varela, que<br />
me introduziu no movimento camponês de Cajamarca; a Carlito, o "cura"<br />
de Ayacucho, que bravamente desenvolve a Teologia da Libertação numa<br />
região tão adversa; a Rodrigo Montoya pelas reflexões sobre Abimael<br />
Guzmán.<br />
Agradeço ainda a Priscila Rauci da Mata Kodama, a Silvia Lins, a Maria<br />
Cecília Martinez, que me auxiliaram na pesquisa de imprensa no Brasil. A<br />
Maristela Andrade, pelos Relatórios sobre o Conflitos de Terra do Mirad e<br />
pelas inúmeras conversas que tivemos. A Maria Helena Rolim Capelatto<br />
pela viva e estimuladora discussão das hipóteses no exame de qualificação,<br />
a Agustín Wernet pelo apoio à problemática da <strong>Igreja</strong>. Alguns agradecimentos<br />
especiais: a Virgínia Lobo Ferreira, companheira de sempre, sem a<br />
qual esta tarefa não teria o sabor que teve, a Maria do Carmo Magalhães,<br />
por todo o sofrimento que tivemos nas lides como tempo e a tecnologia; a<br />
Alecsandra Matias de Oliveira pela digitação final, entrevistas e mapas.<br />
Agradeço finalmente à Hucitec que tão gentil e carinhosamente trabalhou<br />
nesta eclir~n
O S PROBLEMAS que existem para se empreender uma viagem historiográfica<br />
são inúmeros e, de hábito, se agravam em determinadas<br />
conjunturas nas quais, mais que certezas, as dúvidas se avolumam e os<br />
questionamentos de métodos e práticas consensuais se tornam agudos.<br />
Este trabalho emerge ante dois problemas naturalmente complicados:<br />
o primeiro é o sentido e a relevância de estudos comparativos, quando o<br />
diferente, o inusitado e o específico envolvem os estudiosos por críticas<br />
e questionamentos às histórias gerais, procuram verticalizar os temas e os<br />
problemas com os quais articulam-se o vivido (a história) e o concebido (a<br />
historiografia); o segundo refere-se à escolha de um período muito recente,<br />
quando os processos ainda em curso impedem conclusões mais baliza das e<br />
obrigam ao exercício de projeções tendenciais, necessariamente comprometido<br />
com o presente.<br />
O estudo comparativo da <strong>Igreja</strong> da Libertação em sua relação com o<br />
campesinato no Brasil e no Peru, no período de 1964 a 1986, deve-se,<br />
sobretudo, à minha preocupação em acompanhar as várias formas de<br />
participação da <strong>Igreja</strong> nas lutas de resistência camponesa e o processo de<br />
formulação da Teologia da Libertação. O tema, antes excluído das abordagens<br />
conceituais, tem como marco recuperador a obra de Eric Hobsbawm,<br />
Rebeldes Primitivosl, que repõe, nos anos 60, o campesinato no cenário social<br />
e político, retomando sua presença histórica nos inúmeros processos<br />
revolucionários do mundo contemporâneo. Nessa mesma trajetória situase,<br />
na década de 1970, o trabalho de Christopher HillZ em que a problemática<br />
das classes populares aparece como um componente necessário do<br />
processo de transformação social, como demanda econômico-política e<br />
como contribuição cultural. Desdobraram-se da análise de Hill as tentativas<br />
de recuperação das lutas camponesas, plenas de conteúdo simbólico,<br />
em que os grupos apresentavam seus valores, suas necessidades e suas<br />
relações com a religião e os mitos. Nessa revisão crítica foram também<br />
fundamentais as obras de Edward P. Thompson3, sobretudo as que destacaram<br />
os problemas da tradição popular e camponesa e as que refletiram
14 INTRODUÇÃO<br />
sobre os diferentes sentidos da "revolta", pois me permitiram desenvolver<br />
maior sensibilidade para olhar os sujeitos político-sociais analisados<br />
de modo a privilegiar as experiências de múltiplas naturezas contidas no<br />
vivido.<br />
Essa trajetória geral permitiu que os primeiros passos fossem sendo<br />
dados, inicialmente no levantamento exaustivo do tema campesinatol<br />
reforma agrária no Brasil e no Peru e seus impasses historiográficos.<br />
Conseguimos delimitar a produção intelectual em dois grandes blocos<br />
comuns, para estudos tanto brasileiros como peruanos. Uma historiografia<br />
recente, presa ainda ao dualismo, que considera a questão camponesa<br />
como fruto do atraso econômico e que vê a importância da Reforma Agrária<br />
na eliminação do arcaico ou atrasado. Suas proposições apresentam propostas<br />
de políticas compensatórias sem alteração dos nexos da exclusão.<br />
Nessa abordagem, a reorganização da produção e dos recursos tecnológicos<br />
por si só garantiriam os incrementos fundamentais na recuperação<br />
econômica das regiões "atrasadas". Seguindo essa lógica, as lutas do campesinato<br />
não poderiam ser entendidas como resistência, visto que, inseridas<br />
no modo capitalista de produção, desfrutando das relações do mercado,<br />
paulatinamente libertar-se-iam da ação negativa do intercâmbio desigual.<br />
Para reverter tal situação, esses analistas defendem a idéia de que a intervenção<br />
competente do Estado regularia a divisão do trabalho, cabendo aos<br />
camponeses a produção de alimentos não-industrializáveis, desinteressantes<br />
para o empresariado agroindustrial, dado seu baixo padrão de aplicação<br />
de capitais e sua baixa taxa de acumulaçã04.<br />
No outro bloco, a linha de interpretação que considera a questão agrária<br />
e camponesa como fruto de uma formação econômico-social que, no bojo<br />
do modo capitalista de produção, revela a desigualdade de tempos histórico<br />
simultâneos, ou seja, o tempo da economia camponesa subsumido pelo<br />
capital em seu tempo linear, fabril. Essa simultaneidade de tempos faz<br />
com que o camponês tenha de resistir à sua transformação em proletário ou<br />
"lúmpen", fato que ocorre quando ele perde sua terra. A resistência, que se<br />
realiza com a ocupação de áreas de latifúndios ou de terras devolutas,<br />
permite ao camponês, em sua ação, transformar-se em elemento que'stionador<br />
da desigual.dade produzida nas economias de tipo capitalista. Por<br />
outro lado, a questão da renda fundiária passa a ser compreendida também<br />
em seu conteúdo político.<br />
Para esses analistas, moderno e arcaico convivem como elementos<br />
simultâneos na sociedade moderna e são contradições, que permitem<br />
entender os movimentos sociais que se manifestam por diferentes estímulos<br />
que, habitualmente, transcendem o nível econômicos.<br />
A análise dessas duas proposições foram fundamentais para que buscássemos<br />
respostas aos impasses apresentados e nos motivaram na cons-
INTRODUÇÃO<br />
trução da noção de resistência transformadora, desenvolvida nesse trabalho.<br />
Em busca de apoio documental que permitisse a recuperação das lutas<br />
nos dois países, iniciamos a pesquisa privilegiando a grande imprensa<br />
brasileira. Foi surpreendente verificar que, sobre o tema camponês e reforma<br />
agrária, havia no Brasil maior volume de notícias e análises relativas<br />
ao Peru do que ao nosso país, e que notícias referentes ao Brasil eram<br />
incompletas com informações truncadas, assistemáticas e demasiado superficiais.<br />
Os artigos referentes aos conflitos mais exacerbados não eram<br />
sequer publicados tendo permanecido em poder da censura até o final da<br />
década de 80. Um silêncio estratégico envolvia a questão agrária e camponesa<br />
no Brasil.<br />
Os artigos de análise, os editoriais e as notícias sobre os conflitos no<br />
Brasil tornaram-se escassos no período de 1967 a 1972, sendo quase<br />
incompreensíveis as informações contidas nos jornais. Diante dessas dificuldades,<br />
procuramos o arquivo da Comissão Pastoral da Terra onde<br />
conseguimos ofícios, cartas, relatórios e material de divulgação. Utilizamos<br />
também o material existente na biblioteca do Instituto de Economia<br />
Agrícola, da Secretaria da Agricultura de São Paulo; o material do Centro<br />
Pastoral Vergueiro, do Centro de Estudos Migratórios, do Centro Ecumênico<br />
da Divulgação e Informação e da Coordenação Estadual e Nacional<br />
do Movimento dos Sem- Terra. Recolhemos ainda o material divulgado<br />
pelo Ministério da Reforma Agrária, especialmente os relatórios dos conflitos.<br />
No Peru foi de grande importância o arquivo da Central Campesina Dei<br />
Peru, do Instituto Bartolomé Las Casas, de Rimac, em Lima, e do Centro<br />
de Estudios Rurales Andinos Bartolomé Las Casas, de Cusco.<br />
A pesquisa de campo que realizei tanto no Brasil como no Peru foi de<br />
grande valia. Tendo sido aperfeiçoada depois da tese acadêmica ela aparece<br />
nesta publicação enriquecendo ainda mais as possibilidades de entendimento<br />
da epopéia camponesa neste final de século XX. Quero ressaltar<br />
que a voz desses atores nos permite penetrar no universo simbólico e<br />
cultural do camponês de modo ainda superficial pois a cultura camponesa<br />
é carregada de tradições ancestrais e do tempo longo dos valores da vida, da<br />
terra, da religiosidade que não desaparece do mesmo modo que a subsunção<br />
ao capital.<br />
o estudo sobre a Teologia da Libertação e sua relação com os conflitos<br />
sociais e políticos no Brasil e no Peru demonstra que há, no modo de vida<br />
camponês, relativa eficiência na proposição de planos, tarefas e mobilizações.<br />
A relação entre os religiosos da Teologia da Libertação e os vários<br />
15
16 INTRODUÇÃO<br />
grupos de camponeses e demais sujeitos sociais produzindo paulatinamente<br />
uma aproximação entre o discurso religioso e a crítica ao modelo<br />
explorador vivenciado pelo capitalismo tardio latino-americano. Desse modo<br />
libertação e marxismo aproximaram-se, permitindo o uso como referência<br />
reflexiva do conceito de afinidade eletiva, trabalhado por Michael<br />
Lõwy6. Essa abordagem conceitual permitiu desvendar a proposição de<br />
Gustavo Gutiérrez, apresentada nas Líneas Pastorales para América Latina<br />
em que, ao separar o conhecimento teológico do filosófico, toma do marxismo<br />
os conceitos de luta de classes, de desenvolvimento desigual e de<br />
liberdade, e os aproxima dos valores cristãos da Salvação e do Reino de<br />
Deus, modificando-os e recriando-os pela prática social. O marxismo uniuse<br />
à necessária liberdade de espírito que cristianismo da Teologia da<br />
Libertação impôs à prática social de bispos, padres e agentes pastorais. A<br />
aproximação de ambos se explicita como em um processo de fusão química,<br />
cujos componentes permitem a formação de uma substância nova. Essa<br />
substância para o autor não é senão a superação tanto do marxismo como da<br />
teologia, uma vez que uma nova substância foi produzida nesta fusão.<br />
Desse modo, o inaugural de um outro tempo está potencializado para o<br />
continente, em razão das contradições colocadas pela exploração e a simbiose<br />
entre religião e política rumo ao novo.<br />
Foram importantes também, como referência teórica, os trabalhos de<br />
Henri Lefebvre, }acques Le Goff e Agnes Heller, na análise do cotidiano<br />
de agentes pastorais e camponeses, sem perder de vista a inserção das lutas<br />
nas relações mais gerais desses sujeitos, com o Estado e com o movimento<br />
do capital no processo de sua reprodução ampliada. Os autores acima<br />
citados me fizeram perceber que a luta dos homens se move em diferentes<br />
níveis e por múltiplos caminhos, permeados de avanços e recuos, que motivam<br />
mais perguntas que conclusões7.<br />
No primeiro capítulo procurei analisar a especificidade dos problemas<br />
da <strong>Igreja</strong> nos dois países estudados, as relações estabelecidas entre Sociedade<br />
e Estado, e suas contradições internas, tentando construir uma análise<br />
explicativa para dois momentos decisivos: Medellín e Puebla.<br />
De Medellín, 1968, analisamos as condições históricas favoráveis ao processo<br />
de questionamento institucional, teórico e político, cuja expressão<br />
maior se deu nas articulações que se realizaram nos vários planos das lutas<br />
sociais, denunciando pobreza, miséria, falta de fé, proliferação das crenças e<br />
a declinante vocação sacerdotal na década de 1960. Neste encontro, a <strong>Igreja</strong><br />
progressista impôs sua análise, como elemento central nas tarefas da <strong>Igreja</strong>,<br />
depois do Concílio Vaticano 11, e das suas conclusões iniciou-se um fértil<br />
período de produção teórica, que envolveu o Cristianismo e culminou na<br />
estruturação da Teologia da Libertação e na Teologia da Terra. Esse<br />
movimento cresceu e produziu novas práticas sociais, articulando reli.e;iosos
INTRODUÇÃO<br />
e laicos e foi também questionado pelo setor conservador, que procurou<br />
anular as decisões de Medellín. Para isso, depois de inúmeras tentativas, em<br />
1979, o Episcopado Latino-Americano reuniu-se em Puebla. Entretanto,<br />
mesmo tendo sido a reunião solicitada pelos religiosos contrários à Teologia<br />
da Libertação, as conclusões do encontro terminaram reafirmando Medellín,<br />
ficando irreversível, a partir de então, a prática interativa de parte da<br />
<strong>Igreja</strong> com vários setores da esquerda no Brasil e no Peru.<br />
A Teologia da Libertação pós-Puebla, ao mesmo tempo em que aprofundou<br />
sua relação com a fé, ampliou as práticas sociais e foi sendo objeto<br />
de admiração, preocupação e antagonismo. Seus mais ardorosos defensores<br />
foram questionados pela Congregação Para a Doutrina da Fé, e, de certa forma,<br />
procuraram responder com cautela às várias oposições dentro da <strong>Igreja</strong>.<br />
No Capítulo 2, analiso as práticas desenvolvidas pela <strong>Igreja</strong> da Libertação<br />
entre as populações rurais no Brasil. <strong>Camponeses</strong>, trabalhadores rurais<br />
e sem-terras, puderam contar com padres, bispos, freiras e agentes pastorais<br />
como aliados em suas lutas. Inicialmente organizados a partir de um<br />
movimento de sem-terras do Rio Grande do Sul, no início da década de<br />
1960, as lutas pela terra no sul atingiram Santa Catarina, Paraná e São<br />
Paulo, contando com a ação ativa das dioceses de Passo Fundo, Chapecó e<br />
Lins. Não apenas na organização dos grupos, mas na proposição de estratégias<br />
de ocupação de terras e nas lutas pelos assentamentos rurais, a <strong>Igreja</strong><br />
atuou de forma ativa e foi liderança política ao longo das décadas de 60, 70<br />
e 80. Com seu apoio os vários grupos puderam resistir, invadir, ocupar e<br />
produzir. Foi também por sua estratégia de formação técnica e política que<br />
vários assentamentos puderam sobreviver e criar mecanismos de trabalho<br />
e de produção coletivos. Como fruto de sua análise os camponeses começaram<br />
a enfre~tar a questão organizativa, com comissões de lavradores,<br />
associações de produção e disputa nos sindicatos rurais, luta em que<br />
procuravam reverter a situação de desemprego e subemprego crônica dos<br />
vários trabalhadores da região.<br />
Diferentemente do Sul, na região Centro-Oeste e Norte - Amazônia<br />
Legal - a <strong>Igreja</strong> da Libertação e os vários grupos envolvidos, índios,<br />
posseiros, seringueiros e camponeses, lutaram contra violência ímpar, uma<br />
vez que a terra ocupada, condição de vida de vários grupos, era disputada<br />
por setores do grande capital, por militares envolvidos na delimitação das<br />
áreas de Segurança Nacional e por governos envolvidos na especulação e<br />
na grilagem de terras.<br />
Nessa área, padres, bispos, agentes pastorais, índios, posseiros e seringueiros<br />
enfrentaram com suas vidas as várias faces do capitalismo brasileiro,<br />
que não esconde a barbárie nele contida, justificando-o, no mais das<br />
vezes, por discursos e práticas autoritárias, pela omissão de instituições<br />
como a Justiça e o Congresso.<br />
17
18 INTRODUÇÃO<br />
As lutas na Amazônia Legal procuraram veicular, nacional e internacionalmente,<br />
a necessidade de reforma agrária e do seu controle pelos movimentos<br />
organizados, que foram sendo constituídos nesse percurso. Suas<br />
expectativas de ação institucional foram frustradas na Constituição de<br />
1988.<br />
Desse momento em diante a luta pela terra cresceu e se tornou tema<br />
nacional. As ocupações são hoje noticiadas em veículos da midia falada e<br />
escrita, referencia os folhetins de televisão, e as lideranças do movimento<br />
participam em diferentes espaços dos debates sobre a questão. Mais ainda,<br />
o governo tem sido compelido a regular as ocupações em assentamentos<br />
rurais ou cooperativas com linhas de crédito e mesmo com oferecimento<br />
de serviços públicos a essas populações. Procuro analisar as diferentes fases<br />
desses conflitos e os vários tipos de práticas que foram sendo constituídas<br />
nas regiões analisadas.<br />
No terceiro capítulo, trabalho com três regiões no Peru, escolhidas por<br />
sua diversidade, por ser o berço da Teologia da Libertação, e pelas particularidades<br />
da relação entre <strong>Igreja</strong> e Movimentos Sociais. As regiões<br />
escolhidas são exemplares para analisar as práticas que se estabeleceram<br />
entre a <strong>Igreja</strong> da Libertação e os movimentos camponeses. O país é<br />
organizado em departamentos e os camponeses participam das organizações<br />
que também são departamentais. A direção geral do movimento é a<br />
Central Campesina deI Pe!ú. No Departamento de Cusco destaco a ação<br />
educativa e o amplo plano de saúde que tem nos agentes pastorais, padres<br />
e bispos, sua coordenação. O ponto central dessa prática se constitui por<br />
programas de radiodifusão, sem os quais não seria possível preparar os<br />
camponeses para seus inúmeros encontros e congressos nas Federações<br />
Departamentais, e instruí-los nos problemas técnicos e da produção. Os<br />
programas são bilíngües, espanhol e quéchua, e preparados pela ação<br />
pastoral, segundo demandas definidas pelas organizações do campesinato.<br />
No Departamento de Puno, analiso a ação da <strong>Igreja</strong> no apoio às novas<br />
invasões de terras, que ocorrem depois do grande processo de reforma<br />
agrária desenvolvido a partir do governo militar dirigido por Juan Velasco<br />
Alvarado. Essas novas invasões mostram os limites do plano governamental<br />
e permitem à <strong>Igreja</strong> uma aproximação efetiva com a população, sendo<br />
um entrave para a prática do Sendero Luminoso.<br />
No Departamento de Cajamarca, a <strong>Igreja</strong> apóia e estimula a transformação<br />
das Rondas Campesinas, a se tornarem alternativa de poder popular/<br />
camponês, denunciando os limites do poder local, os desvios morais e políticos<br />
na região. As rondas produzem uma reordenação ímpar do espaço e<br />
da vida camponesa, na América Latina.<br />
São três realidades diversas, três possibilidades de ação para a <strong>Igreja</strong> da<br />
Libertação que não é, naque.le país, direção política dos movimentos. Ao
INTRODUÇÃO<br />
contrário, submetem-se às determinações dos vários dirigentes políticos,<br />
guardando, entretanto, para si, as tarefas de apoio popular.<br />
Finalmente, no último capítulo, procuro resgatar as diferenças nas<br />
várias ações da <strong>Igreja</strong> e analisá-Ia em seus problemas e nos vários níveis da<br />
prática, que têm por meta a constituição de um novo homem. Comparo o<br />
pensamento de Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff, que exemplificam as<br />
singularidades. Procuro refletir sobre a problemática da revolução no momento<br />
em que ela parece ser um velho e abandonado problema.<br />
19