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“Anos da Chibata”: perseguição aos cultos afro-pessoenses e o ...

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pau os macumbeiros, catimbozeiros. Podia levar pra dentro do mato e<br />

quebrar no pau... [fulana] foi presa com o santo na cabeça 13 , ela apanhou<br />

muito. Quando ela foi presa disse ao sargento: “me pren<strong>da</strong> e leve a chave”, o<br />

que foi feito; quando foi de manhã, ela abriu a grade e foi se embora, aí<br />

passou na rua e disse: “diga aí ao sargento quando chegar que vá lá na minha<br />

casa tomar café comigo”.<br />

A seguir, veremos a narrativa construí<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> fala de outra mãe de santo<br />

(umban<strong>da</strong>), considera<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s mais antigas em atuação na ci<strong>da</strong>de. Ela narra sua história<br />

desde a abertura do seu primeiro terreiro, na velha ensea<strong>da</strong> em Tambaú, até o momento em<br />

que surgiu a segun<strong>da</strong> federação, passando pelos eventos que levaram João Agripino a liberar<br />

os <strong>cultos</strong>. Esta narrativa será o fio condutor <strong>da</strong> análise, servirá para organizar os conteúdos <strong>da</strong>s<br />

outras entrevistas, no sentido de afirmar ou infirmar, colocar em suspeição ou complementar<br />

as informações. Escolheu-se esta entrevista por ser bastante rica em detalhes e se estender<br />

num período mais longo na história que os outros informantes entrevistados.<br />

Ela abriu sua “casa de santo” (terreiro) em 13 de maio de 1960. Alegou que não existia<br />

em João Pessoa, na época, nenhuma outra; existiam centros de mesa branca que se<br />

diferenciavam do terreiro ou casa de santo por não haver toque, nem gira, apenas trabalhos de<br />

mesa branca, inspirados no culto <strong>da</strong> jurema e do kardecismo. Diz ela: “de candomblé não<br />

havia não”. A entrevista<strong>da</strong> lista alguns nomes de personagens faleci<strong>da</strong>s que coman<strong>da</strong>vam<br />

esses centros: Severina Chica Diabo no bairro <strong>da</strong> Torre; Dino que tinha o Centro Espírita de<br />

Cavaleiro de Cristo; Zefa Corcun<strong>da</strong> em Cruz <strong>da</strong>s Armas e Sebastião Gama também em Cruz<br />

<strong>da</strong>s Armas. Retificou a informação, lembrando que este último também “batia”, ou seja, na<br />

época, apenas dois terreiros poderiam ser considerados assim, pois eram os únicos que<br />

promoviam a gira de santo embalado pelo toque dos ilus. 14 Aqui, encontramos uma<br />

contradição com a fala de outra informante, que afirmou que até 1966 nenhum terreiro<br />

promoveu toque em João Pessoa porque era proibido. 15 De fato, era ilegal, contudo podemos<br />

levar em consideração a fala <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> entrevista<strong>da</strong>, pois podemos localizar marcadores de<br />

transgressão que levavam os religiosos a executar seus <strong>cultos</strong> clandestinos de maneira que em<br />

algum momento justificasse a repressão policial.<br />

Na época em que abriu seu terreiro, diz: “Tambaú era só mato... eram só três casas de<br />

palha; eu morava numa e também funcionava o centro”. Foi quando começou a <strong>perseguição</strong><br />

<strong>da</strong> polícia porque ninguém podia bater e nem trabalhar. A informante diz que não brigava<br />

com autori<strong>da</strong>de nenhuma, mas mesmo assim “trabalhava”, enquanto para outros, pela ci<strong>da</strong>de,<br />

era proibido. Diz ela que levava o regulamento certo, se era proibi<strong>da</strong> a presença de menores<br />

ela cumpria; se era proibido o uso de álcool, ela evitava. Ou seja, utilizava-se de estratégias de<br />

não enfrentamento, valia-se <strong>da</strong>s armas que dispõem os oprimidos na relação de<br />

subalterni<strong>da</strong>de: abrir mão de alguns elementos menos essenciais <strong>da</strong> religião e substituí-los<br />

pela criativi<strong>da</strong>de ou pela bricolage. Em relação ao enfrentamento, a atitude que mais se<br />

aproximou disso, registra<strong>da</strong> nesta narrativa, é a desobediência. Diante <strong>da</strong> injunção que sofria<br />

<strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des, frente a ameaças de fechamento de seu Centro, ela respondia; “se você<br />

proibir eu bater aqui dentro de João Pessoa, eu vou pra mata e bato. Aqui (bairro do Castelo<br />

Branco onde funciona atualmente seu terreiro) era uma mata, dei diversos toques aqui, eu ia<br />

pra estra<strong>da</strong> de Campina Grande, aonde tinha mata eu ia, levava meus doentes e nunca deixei<br />

de levar, antes era proibido trabalhar dentro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de”. E assim acabava ficando o dito pelo<br />

não dito.<br />

Entretanto, ela nos fornece uma informação valiosa, pois quando foi interroga<strong>da</strong> sobre<br />

se havia sofrido alguma <strong>perseguição</strong> policial ou de outra fonte, disse que depois que abriu seu<br />

terreiro teve perseguições, mas nunca foi chama<strong>da</strong> à delegacia ou foi presa, coisa que<br />

acontecia com outros pais e mães de santo. Segundo ela, isso nunca aconteceu porque tinha<br />

CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, n. 14, Setembro/2009 Página 140<br />

www.cchla.ufpb.br/c<strong>aos</strong>

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