Danah Zohar O SER QUÂNTICO

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14.04.2013 Views

moscas que pousam em nosso nariz. O outro na verdade não nos "atinge". Se pensamos que o outro nos atinge, estamos "com uma visão errônea". A psicanálise freudiana, amplamente influenciada por Descartes e Newton e, por sua vez, tão responsável pelo modo como muitas pessoas comuns se enxergam, tampouco fornece uma estrutura conceitual para os relacionamentos interpessoais e, na verdade, não entende que tais relacionamentos sejam de sua alçada. Conforme coloca o autor do Dictionary of Psychoanalysis, "isso se deve ao feto de a psicanálise ser uma psicologia do indivíduo e, portanto, discutir objetos e relacionamentos somente do ponto de vista de um sujeito". 7 Segundo Freud, não são os outros que nos influenciam, mas sim nossas próprias idéias a respeito dos outros, nossas projeções. A influência freudiana é sempre uma transação de ida sem volta, o que Buber chamaria de um relacionamento Eu—Isto, em que o outro é um objeto, cuja representação levamos para dentro de nossa psique, onde fazemos dela o que bem entendemos. Não há uma dinâmica do relacionamento interpessoal, só uma dinâmica da psique individual. Seguindo este modelo de relacionamento como representação do objeto, a aluna de Freud, Melanie Klein, interpretou a identificação projetiva na qual duas pessoas parecem entrar uma na outra e partilhar de uma só identidade (os amantes de Graves, a mãe e seu filho, qualquer relacionamento Eu—Você) como, na verdade, um processo por meio do qual se é "ingerido" pelo outro como objeto das próprias fantasias dele: O ego toma posse de um objeto externo por projeção — em primeiro lugar, a mãe — e o conduz a uma extensão do ser. O objeto se torna, em certa medida, uma representação do ego, e tais pessoas são, a meu ver, a base para a identificação por projeção ou "identificação projetiva" (...) o chupar do vampiro, o esvaziar do seio transformam-se, na fantasia infantil, num abrir caminho para o seio e depois para o corpo da mãe. 8 Klein, como Freud, Sartre e Heidegger, não tem um modelo para o verdadeiro relacionamento de duas vidas, do tipo que leva à intimidade. Nenhum deles consegue distinguir entre o modo como nos relacionamos com outras pessoas e o modo como talvez nos relacionássemos com uma máquina, pois, para eles, ambas, máquinas e pessoas, partilham da qualidade de objeto. Todos vivem à sombra do cogito isolado de Descartes e das impenetráveis bolas de bilhar de Newton, sendo que a obra de cada um deles é, a seu modo, um desdobramento inevitável daqueles protótipos de separação. Assim, "confissão errada", "representação do objeto" e "chupar do vampiro" são os modelos de relacionamento que nos oferecem alguns dos pensadores mais influentes deste século. Cada um deles ganhou espaço na cultura geral e contribuiu significativamente para o senso de alienação sentido por tantas pessoas. Não é de admirar que outros pensadores — Parfit, Capra, Zukav, Bohm — tenham procurado transcender essa alienação, negando totalmente a existência do ser isolado e isolante. Mas o ser existe e, portanto, conforme sabemos de nossas intuições mais profundas, os relacionamentos íntimos também. "Eu" e "nós" não são um caso de "ou/ou" mas de "ambos/e". Eu sou singularmente eu, algo dentro de mim mesma que só eu posso ser, e sou também meus relacionamentos com os outros, algo maior que eu mesma. Para transcender essa tensão entre o eu e o não-eu é preciso fundamentar a realidade do "nós" numa nova estrutura conceituai que dê igual peso aos indivíduos e seus relacionamentos, uma estrutura fundada na física da consciência. Precisamos ver,

fisicamente, como é que o "nós" pode ser um composto de "eu" e "você" e também uma coisa nova em si com qualidades próprias. Indivíduos assim compostos não são possíveis na física clássica, mas sabemos que são a norma na física quântica. Essa nova estrutura conceituai para as relações interpessoais pode ser encontrada nas tensões da dualidade onda—partícula e na capacidade da partícula elementar ser onda e partícula simultaneamente. O aspecto partícula da matéria quântica dá origem aos indivíduos, a coisas que, de alguma forma, podem ser apontadas e às quais se pode atribuir uma identidade, mesmo que brevemente. O aspecto onda dá origem aos relacionamentos entre esses indivíduos por meio do entrelaçamento das funções de onda de seus componentes. Em virtude do fato de as funções de onda serem capazes de se entrelaçarem, os sistemas quânticos podem "entrar" uns nos outros formando um relacionamento interno criativo de um modo impossível para as bolas de bilhar newtonianas. Os sistemas quânticos se "encontram" e, por intermédio de seus encontros, evoluem (fig. 9.1). Se existisse apenas o aspecto partícula da matéria elementar, o mundo, tal como o conhecemos, jamais mudaria substancialmente. As partículas existentes andariam por aí, às vezes formando novas combinações, mas a natureza intrínseca da matéria se manteria inalterada. O mundo seria não criativo. É somente por força do aspecto onda e da criação de novos indivíduos provocada por esse aspecto que o Universo evolui. Bolas de bilhar newtonianas têm apenas relacionamentos externos. Após a colisão, elas tomam rumos diferentes. Os sistemas quânticos possuem relacionamentos internos. Após o "encontro", cada uma delas torna-se parte de algo novo que é maior do que a bola sem si. Fig. 9.1 A tensão entre partículas e ondas na dualidade onda—partícula é uma tensão entre ser e vir-a-ser. Da mesma forma, a tensão que temos entre o eu e o não-eu, entre ficar centrados em nós mesmos e nos envolvermos em relacionamentos mais ou menos íntimos, é uma tensão entre ficar do jeito que estamos e nos tornarmos algo novo. A chave para ambos é a mecânica quântica das ondas.

moscas que pousam em nosso nariz. O outro na verdade não nos "atinge". Se pensamos<br />

que o outro nos atinge, estamos "com uma visão errônea".<br />

A psicanálise freudiana, amplamente influenciada por Descartes e Newton e, por<br />

sua vez, tão responsável pelo modo como muitas pessoas comuns se enxergam,<br />

tampouco fornece uma estrutura conceitual para os relacionamentos interpessoais e, na<br />

verdade, não entende que tais relacionamentos sejam de sua alçada. Conforme coloca o<br />

autor do Dictionary of Psychoanalysis, "isso se deve ao feto de a psicanálise ser uma<br />

psicologia do indivíduo e, portanto, discutir objetos e relacionamentos somente do<br />

ponto de vista de um sujeito". 7<br />

Segundo Freud, não são os outros que nos influenciam, mas sim nossas próprias<br />

idéias a respeito dos outros, nossas projeções. A influência freudiana é sempre uma<br />

transação de ida sem volta, o que Buber chamaria de um relacionamento Eu—Isto, em<br />

que o outro é um objeto, cuja representação levamos para dentro de nossa psique, onde<br />

fazemos dela o que bem entendemos. Não há uma dinâmica do relacionamento<br />

interpessoal, só uma dinâmica da psique individual.<br />

Seguindo este modelo de relacionamento como representação do objeto, a aluna<br />

de Freud, Melanie Klein, interpretou a identificação projetiva na qual duas pessoas<br />

parecem entrar uma na outra e partilhar de uma só identidade (os amantes de Graves, a<br />

mãe e seu filho, qualquer relacionamento Eu—Você) como, na verdade, um processo<br />

por meio do qual se é "ingerido" pelo outro como objeto das próprias fantasias dele:<br />

O ego toma posse de um objeto externo por projeção — em primeiro lugar, a mãe — e o<br />

conduz a uma extensão do ser. O objeto se torna, em certa medida, uma representação do<br />

ego, e tais pessoas são, a meu ver, a base para a identificação por projeção ou<br />

"identificação projetiva" (...) o chupar do vampiro, o esvaziar do seio transformam-se, na<br />

fantasia infantil, num abrir caminho para o seio e depois para o corpo da mãe. 8<br />

Klein, como Freud, Sartre e Heidegger, não tem um modelo para o verdadeiro<br />

relacionamento de duas vidas, do tipo que leva à intimidade. Nenhum deles consegue<br />

distinguir entre o modo como nos relacionamos com outras pessoas e o modo como<br />

talvez nos relacionássemos com uma máquina, pois, para eles, ambas, máquinas e<br />

pessoas, partilham da qualidade de objeto. Todos vivem à sombra do cogito isolado de<br />

Descartes e das impenetráveis bolas de bilhar de Newton, sendo que a obra de cada um<br />

deles é, a seu modo, um desdobramento inevitável daqueles protótipos de separação.<br />

Assim, "confissão errada", "representação do objeto" e "chupar do vampiro" são<br />

os modelos de relacionamento que nos oferecem alguns dos pensadores mais influentes<br />

deste século. Cada um deles ganhou espaço na cultura geral e contribuiu<br />

significativamente para o senso de alienação sentido por tantas pessoas. Não é de<br />

admirar que outros pensadores — Parfit, Capra, Zukav, Bohm — tenham procurado<br />

transcender essa alienação, negando totalmente a existência do ser isolado e isolante.<br />

Mas o ser existe e, portanto, conforme sabemos de nossas intuições mais<br />

profundas, os relacionamentos íntimos também. "Eu" e "nós" não são um caso de<br />

"ou/ou" mas de "ambos/e". Eu sou singularmente eu, algo dentro de mim mesma que só<br />

eu posso ser, e sou também meus relacionamentos com os outros, algo maior que eu<br />

mesma. Para transcender essa tensão entre o eu e o não-eu é preciso fundamentar a<br />

realidade do "nós" numa nova estrutura conceituai que dê igual peso aos indivíduos e<br />

seus relacionamentos, uma estrutura fundada na física da consciência. Precisamos ver,

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