Danah Zohar O SER QUÂNTICO
Danah Zohar O SER QUÂNTICO
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Em alguma medida a negação de Parfit de uma identidade pessoal permanente nos<br />
faz lembrar negações semelhantes por parte dos existencialistas, especialmente<br />
Heidegger e Sartre, cujas conclusões no sentido de que no coração do ser há o nada ("eu<br />
sou a base nula de uma nulidade") 6 contribuíram em muito para o niilismo da filosofia<br />
moderna.<br />
O próprio Parfit adota uma visão budista da vida e do ser. Ele sente que sua tese<br />
contra a realidade da identidade pessoal, originalmente inspirada pela pesquisa da<br />
divisão do córtex, o liberou da prisão do ser.<br />
Enquanto acreditei que minha existência fosse um fato mais primordial, parecia<br />
aprisionado em mim mesmo. Minha vida parecia um túnel de vidro através do qual me<br />
ouvia mais rapidamente a cada ano, e ao fim do qual havia escuridão. Quando mudei de<br />
visão, as paredes de meu túnel de vidro desapareceram. Vivo hoje no espaço aberto. 7<br />
Desta forma, Parfit se assemelha àqueles escritores sobre física quântica — Fritjof<br />
Capra e Gary Zukav — que aderem a uma visão budista da matéria e querem nos liberar<br />
da prisão das partículas. Como argumenta Zukav:<br />
Os fótons não existem por si só. Tudo o que existe por si é uma inteireza não dividida que<br />
se nos apresenta como teias (padrões) de relações. Entidades individuais são idealizações<br />
de correlações feitas por nós (...) A nova física soa muito parecida com o velho<br />
misticismo oriental. 8<br />
Quero argumentar, porém, no sentido de que, procurando com muito afinco os<br />
paralelos entre a moderna física e o misticismo oriental, distorcemos nossa percepção da<br />
matéria, assim como aproximar-se demais de uma visão budista da identidade pessoal<br />
distorce nossa percepção do ser. Ambos expressam um desejo de transcender a<br />
separação de coisas e seres, "uma rebelião emocional contra a externalidade das coisas<br />
(...) uma urgente necessidade de escapar do fardo da autoconsciência", 9 como diz Arthur<br />
Lovejoy em seu The Great Chain of Being. Fazendo-o, contudo, deixam de fora todo<br />
um lado, tanto da realidade como da existência humana.<br />
O tempo em que "tudo o que existe por si só é uma inteireza não dividida", em<br />
que todas as coisas são possíveis e tudo é igualmente real (e irreal) é um tempo de prénascimento.<br />
É um tempo antes do início dos tempos, um mundo sem história, sem<br />
escolhas e opostos e conflitos. É o "tempo de sonho" dos aborígines, o "uroborus" • de<br />
Jung e o sentimento oceânico de Freud, o tempo da vida no útero de nossa mãe. É um<br />
estágio no desenvolvimento da consciência humana assim como no desenvolvimento de<br />
cada consciência individual. 10<br />
Mas, na vida real, exatamente como em todos os mitos de criação, há um<br />
momento de nascimento, um momento no qual "Deus separou a luz da treva" ou, em<br />
termos da física moderna, um momento de colapso da função de onda quântica.<br />
As partículas existem, e os seres também. Se não existissem, um monte de coisas<br />
que subentendemos sobre nosso mundo — a natureza de nossa lógica tradicional, toda a<br />
base de nossa moralidade — teria de ser diferente.<br />
• O antigo símbolo de unidade e inteireza não dividida, retratando uma serpente que engole o próprio<br />
rabo. "Eu sou o alfa e o ômega, o começo e o fim."