Danah Zohar O SER QUÂNTICO
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8 A Pessoa que Eu Sou: Identidade Quântica De longe, de ontem e da manhã E de além do céu de doze ventos, O fio da vida para tecer-me Para cá soprou: aqui estou. A. E. Housman, A Shropshire Lad Aqui estou, meu corpo feito de elementos que algum dia foram poeira de estrelas, vindos de longe dos quatro cantos do Universo para encarnar, mesmo que brevemente, o padrão que é unicamente eu, minha alma, algo que pode respirar na enormidade de tão assombrada origem. Mas quem ou o que é este "eu" que penso que sou? Neste momento, se dirijo minha atenção para mim mesma, sinto claramente que existo como pessoa, que existe algo que é legítimo chamar de "eu". Esse algo tem seu próprio ponto de vista, seus planos, seus relacionamentos. Mas estarei enganada ao ter tal certeza? Estarei sendo vítima de uma ilusão, daquilo que os budistas denominam "a ilusão do ser"? Existirá realmente neste mundo esta coisa a que chamo de "eu"? E, se de fato existo, que porção de mim é correto chamar de "eu"? Onde é que começo e onde é que termino? Serei a mesma pessoa que era um bebê nos braços de minha mãe uns quarenta anos atrás? Ou a desajeitada adolescente que corava cada vez que alguém pronunciava seu nome? Sou a jovem mulher que se casou com meu marido há doze anos, que sabia tão pouco sobre compromisso e intimidade e não fazia a menor idéia de como seria ter filhos meus? E, de fato, serei a mesma pessoa que adormeceu ontem à noite, entregando minha consciência e tudo quanto sou ao mundo noturno do sono? A maioria de nós se pergunta coisas assim sobre si mesmo ou sobre pessoas conhecidas, normalmente em momentos de transição como quando deixamos a casa de nossos pais, nos formamos na universidade ou nos casamos. Respondemos a estas questões da melhor maneira possível, mas com um arsenal de frases contraditórias que traem uma indefinição subjacente à sabedoria popular das pessoas. Por um lado dizemos coisas como: "Não sou a mesma pessoa que costumava fazer isso e aquilo, gostar disso e daquilo, falar de tal jeito etc.", ou então "ele não é nem sombra do que foi no passado". Mas por outro lado dizemos "no fundo, no fundo eu não
mudei, ainda sou a mesma pessoa que você conheceu". Os filósofos também se fazem tais perguntas, mas seu trabalho é confrontar as frases contraditórias das pessoas comuns e, ao fazê-lo, torna-se muito claro que a existência de uma identidade pessoal é uma enorme questão. Segundo a ciência oficial de nossos tempos, não deveria existir tal coisa. Por exemplo, se as pessoas são reais, o que as mantém coesas? Cada um de nós é composto de bilhões de células, e cada célula tem vida própria, num certo sentido. Só em nosso cérebro milhares de milhões de neurônios contribuem para a riqueza de nossa vida mental. Outros tantos milhares de milhões mantêm nosso coração em funcionamento, a mesma quantidade vai para nos dar um fígado e assim por diante. Como, dada toda esta complexidade, conseguimos ser uma coisa só no final das contas? Ou, de fato, como têm se perguntado alguns filósofos, será que na verdade existimos? A unidade da pessoa, ou sua suposta unidade, é um problema muito semelhante à unidade mais fundamental da consciência. Ele levanta as mesmas dificuldades para uma abordagem convencional, especialmente se aceitarmos o fato de que muito provavelmente nossa qualidade de pessoa depende, ao menos em parte, da estrutura e funcionamento de nosso cérebro. Se nosso cérebro consiste naquela miríade de neurônios, de onde emerge "uma pessoa" e quão sólida e básica ela realmente é? A aparente impossibilidade de responder a esta questão com base na ciência conhecida tem constituído a força da tese dualista de que a mente, ou a alma, ou a pessoa, tem uma existência própria que está simplesmente "envolvida" por um corpo ou "ligada" a ele. Mas pesquisas razoavelmente recentes sobre os efeitos da bisseção cerebral levantam objeções aparentemente insuperáveis a uma teoria que tente separar a pessoa de seu cérebro. Em alguns casos de epilepsia muito violenta, os médicos descobriram que algum alívio poderia ser proporcionado ao paciente se a ponte entre as duas partes de seu córtex cerebral (corpus callosum) fosse cortada; ou seja, cortando-se na metade a porção mais humana do cérebro. Durante muitos anos não se detectou nenhum efeito colateral mais sério dessa cirurgia; porém, quando as pessoas que haviam passado por ela começaram a ser submetidas a testes num laboratório de psicologia, os resultados foram assombrosos. Como disse certo cirurgião, a bisseção cerebral resultará na efetiva bisseção da personalidade — onde antes havia uma esfera de consciência agora havia duas. 1 Cada lado do córtex cerebral, cada hemisfério, tem um conjunto próprio de funções bastante especializadas. O hemisfério direito, que em boa parte controla o lado esquerdo do corpo, é mais musical, mais intuitivo, o centro da imaginação espacial; o esquerdo, basicamente ligado ao lado direito do corpo, é mais lógico, melhor em matéria de cálculo, e sede exclusiva da fala. No cérebro normal, os dois hemisférios trocam informações entre si, comportando-se, portanto, como uma unidade coordenada; no entanto, se separados por procedimento cirúrgico, perdem essa habilidade. Então, literalmente, a mão direita não sabe o que a esquerda está fazendo. Se um paciente que foi submetido a essa cirurgia vir um objeto em seu campo
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A Pessoa que Eu Sou:<br />
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O fio da vida para tecer-me<br />
Para cá soprou: aqui estou.<br />
A. E. Housman, A Shropshire Lad<br />
Aqui estou, meu corpo feito de elementos que algum dia foram poeira de estrelas,<br />
vindos de longe dos quatro cantos do Universo para encarnar, mesmo que brevemente, o<br />
padrão que é unicamente eu, minha alma, algo que pode respirar na enormidade de tão<br />
assombrada origem. Mas quem ou o que é este "eu" que penso que sou?<br />
Neste momento, se dirijo minha atenção para mim mesma, sinto claramente que<br />
existo como pessoa, que existe algo que é legítimo chamar de "eu". Esse algo tem seu<br />
próprio ponto de vista, seus planos, seus relacionamentos. Mas estarei enganada ao ter<br />
tal certeza? Estarei sendo vítima de uma ilusão, daquilo que os budistas denominam "a<br />
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E, se de fato existo, que porção de mim é correto chamar de "eu"? Onde é que<br />
começo e onde é que termino?<br />
Serei a mesma pessoa que era um bebê nos braços de minha mãe uns quarenta<br />
anos atrás? Ou a desajeitada adolescente que corava cada vez que alguém pronunciava<br />
seu nome? Sou a jovem mulher que se casou com meu marido há doze anos, que sabia<br />
tão pouco sobre compromisso e intimidade e não fazia a menor idéia de como seria ter<br />
filhos meus? E, de fato, serei a mesma pessoa que adormeceu ontem à noite, entregando<br />
minha consciência e tudo quanto sou ao mundo noturno do sono?<br />
A maioria de nós se pergunta coisas assim sobre si mesmo ou sobre pessoas<br />
conhecidas, normalmente em momentos de transição como quando deixamos a casa de<br />
nossos pais, nos formamos na universidade ou nos casamos. Respondemos a estas<br />
questões da melhor maneira possível, mas com um arsenal de frases contraditórias que<br />
traem uma indefinição subjacente à sabedoria popular das pessoas.<br />
Por um lado dizemos coisas como: "Não sou a mesma pessoa que costumava fazer<br />
isso e aquilo, gostar disso e daquilo, falar de tal jeito etc.", ou então "ele não é nem<br />
sombra do que foi no passado". Mas por outro lado dizemos "no fundo, no fundo eu não