Danah Zohar O SER QUÂNTICO

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14.04.2013 Views

O interessante de se ver a consciência dessa forma é que ela nos diz algo importante sobre o lugar do homem no esquema geral das coisas. O relacionamento entre esses aspectos onda correlatos no cérebro humano e o dos aspectos onda correlatos de dois prótons ou elétrons num simples sistema quântico é, em princípio, os mesmos. De alguma forma importante, nossa consciência é o relacionamento entre partículas quânticas elementares só que em ponto grande. Portanto, compreendendo a natureza mecânico-quântica da consciência humana — vendo a consciência como um fenômeno de onda quântico —, poderemos traçar a origem de nossa vida mental até suas raízes na física das partículas, como sempre foi possível quando procurávamos a origem de nosso ser físico. A dualidade mente—corpo (mente—cérebro) no homem é um reflexo da dualidade onda—partícula, que é subjacente a tudo o que existe. Assim, o ser humano é um minúsculo microcosmo do ser cósmico. Somos, em nosso ser essencial, feitos do mesmo material e sustentados pela mesma dinâmica que responde por tudo o mais no Universo. Da mesma forma, e o que revela a enormidade desta realização, o Universo é feito do mesmo material e sustentado pela mesma dinâmica responsável por nossa existência. Interpretando a consciência dessa forma, como um tipo especial de relacionamento criativo possibilitado pela mecânica ondulatória quântica, muitas coisas entram no lugar, oferecendo melhor compreensão tanto da consciência em si como de seu relacionamento com a matéria, como acontece em nosso cérebro. E mais importante, se queremos combater o materialismo e toda sua ética reducionista, essa visão nos permite argumentar que a mente não é um mero ramo da função cerebral. Assim como o relacionamento entre dois elétrons cujas funções de onda se sobrepõem não pode ser reduzido às características individuais de cada um dos dois elétrons, também o relacionamento das ondas que formam o condensado de Bose- Einstein da consciência não pode ser reduzido às atividades de moléculas vibráteis individuais. Nós não somos nosso cérebro. O condensado é uma coisa em si, uma coisa nova com qualidades e propriedades que suas partes constitutivas não possuíam. Como disse Platão em Timeu: Duas coisas apenas não podem estar satisfatoriamente unidas sem uma terceira, posto que deve haver algum vínculo entre elas que as reúna. E dentre todos os vínculos o melhor é aquele que faz de si mesmo e dos termos que ele reúne uma unidade no sentido mais pleno. 9 Em seu Simposium ele coloca a mesma coisa no caso de duas pessoas que se apaixonam, sugerindo que não há ali apenas o amante e o amado, mas também um terceiro elemento, que é o amor entre eles. Martin Buber chama esse terceiro elemento de "the between" (aquilo que fica entre dois elementos), a força unificadora que leva um Eu e um Você para um Eu-Você 10 O amor é um exemplo particularmente adequado de holismo relacionai, mas há outras analogias que ajudam a tornar essa idéia familiar. Pense, por exemplo, no jogo de xadrez. Suas "moléculas", sua "matéria cerebral", são o tabuleiro e as trinta e duas peças; porém o xadrez em si é mais que esses pedaços

de madeira entalhada. O jogo é um padrão mutável de regras e relacionamentos entre as peças e entre os jogadores que as movem, entre os cálculos dos jogadores e suas psicologias, e são essas coisas que dão sentido à verdadeira mecânica do jogo. Ou, melhor ainda, porque assim levantamos a questão da arte e seu significado, considere o quadro de Van Gogh retratando um par de sapatos de camponês. O substrato material do quadro é a tela e as massas de tinta espalhadas sobre ela, mas a obra de arte que nos encanta novamente a cada vez que a contemplamos não pode ser reduzida a tais coisas, nem às intenções e propósitos de Van Gogh e tampouco à sua história de vida. O quadro é uma coisa em si mesma, um todo que revela algo sobre o mundo e que não fora revelado antes, e o faz pela reunião (relação) dos sapatos ao camponês que os usava, a seu trabalho e ao solo sobre o qual esse trabalho era feito, e a todas as coisas que o solo e a terra significam para nós. Em seu ensaio sobre estética, o filósofo alemão Martin Heidegger associa tal inteireza com a revelação da verdade e do Ser: A verdade acontece na pintura de Van Gogh. Isso não significa que algo foi corretamente retratado, mas, antes, que, na revelação do ser instrumental dos sapatos, aquilo que é como um todo chega a um estado de não ocultamente... 11 e mais: A essência do não ocultamente daquilo que é pertence (...) ao próprio Ser. 12 O holismo relacional, que é a essência da consciência (sua unidade), é também a essência da arte e da verdade. E a ponte entre esse tipo de inteireza e o mundo físico — portanto a ponte entre mente, verdade e beleza e o mundo material — pode enfim ser compreendida ao traçarmos a origem dessa ponte até as origens de um e outro na dualidade onda—partícula. Nesse nível mais primário, nem ondas nem partículas podem ser reduzidas umas às outras. Sua existência conjunta é uma unidade inseparável. Como expressou o filósofo romano Lucrécio: Pois os dois estão entrelaçados por raízes comuns e não podem ser separados sem resultar em desastre manifesto. Seria mais fácil arrancar o perfume de dentro dos pedaços de incenso sem destruir sua natureza do que abstrair a mente e o espírito de todo o corpo sem dissolução total. Assim, desde sua origem mais primeva os dois estão onerados por uma vida comunitária pelo emaranhado de átomos que os compõem (...) pelos movimentos de interação dos dois combinados é que a chama da consciência se acende em nossa carne. 13 Lucrécio acreditava que o espírito consistia em "átomos de espírito", e, por isso, é classificado como um materialista segundo os termos tradicionais. Mas se seus átomos de espíritos fossem traduzidos para "ondas de espírito" (relacionamento), como bem poderia acontecer caso ele conhecesse a física quântica e a dualidade onda—partícula, sua apaixonada crença na unidade sutil da mente com o corpo seria muito parecida com a que ora estamos desenvolvendo. Talvez os materialistas de hoje sofram uma conversão similar caso venham a se inteirar dos desenvolvimentos da moderna física. Também se conclui da visão de que a consciência é uma espécie de relacionamento quântico que ela não pode, em nenhum sentido, ser uma "propriedade" da matéria, como argumentam muitos pampsiquistas. Ela não pode remontar ao ser de uma única partícula elementar de matéria porque é essencialmente um relacionamento entre duas ou mais partículas. A consciência é, em essência, relacionai, e só pode surgir

de madeira entalhada. O jogo é um padrão mutável de regras e relacionamentos entre as<br />

peças e entre os jogadores que as movem, entre os cálculos dos jogadores e suas<br />

psicologias, e são essas coisas que dão sentido à verdadeira mecânica do jogo.<br />

Ou, melhor ainda, porque assim levantamos a questão da arte e seu significado,<br />

considere o quadro de Van Gogh retratando um par de sapatos de camponês. O<br />

substrato material do quadro é a tela e as massas de tinta espalhadas sobre ela, mas a<br />

obra de arte que nos encanta novamente a cada vez que a contemplamos não pode ser<br />

reduzida a tais coisas, nem às intenções e propósitos de Van Gogh e tampouco à sua<br />

história de vida. O quadro é uma coisa em si mesma, um todo que revela algo sobre o<br />

mundo e que não fora revelado antes, e o faz pela reunião (relação) dos sapatos ao<br />

camponês que os usava, a seu trabalho e ao solo sobre o qual esse trabalho era feito, e a<br />

todas as coisas que o solo e a terra significam para nós. Em seu ensaio sobre estética, o<br />

filósofo alemão Martin Heidegger associa tal inteireza com a revelação da verdade e do<br />

Ser:<br />

A verdade acontece na pintura de Van Gogh. Isso não significa que algo foi corretamente<br />

retratado, mas, antes, que, na revelação do ser instrumental dos sapatos, aquilo que é<br />

como um todo chega a um estado de não ocultamente... 11<br />

e mais:<br />

A essência do não ocultamente daquilo que é pertence (...) ao próprio Ser. 12<br />

O holismo relacional, que é a essência da consciência (sua unidade), é também a<br />

essência da arte e da verdade. E a ponte entre esse tipo de inteireza e o mundo físico —<br />

portanto a ponte entre mente, verdade e beleza e o mundo material — pode enfim ser<br />

compreendida ao traçarmos a origem dessa ponte até as origens de um e outro na<br />

dualidade onda—partícula. Nesse nível mais primário, nem ondas nem partículas podem<br />

ser reduzidas umas às outras. Sua existência conjunta é uma unidade inseparável. Como<br />

expressou o filósofo romano Lucrécio:<br />

Pois os dois estão entrelaçados por raízes comuns e não podem ser separados sem resultar<br />

em desastre manifesto. Seria mais fácil arrancar o perfume de dentro dos pedaços de<br />

incenso sem destruir sua natureza do que abstrair a mente e o espírito de todo o corpo sem<br />

dissolução total. Assim, desde sua origem mais primeva os dois estão onerados por uma<br />

vida comunitária pelo emaranhado de átomos que os compõem (...) pelos movimentos de<br />

interação dos dois combinados é que a chama da consciência se acende em nossa carne. 13<br />

Lucrécio acreditava que o espírito consistia em "átomos de espírito", e, por isso, é<br />

classificado como um materialista segundo os termos tradicionais. Mas se seus átomos<br />

de espíritos fossem traduzidos para "ondas de espírito" (relacionamento), como bem<br />

poderia acontecer caso ele conhecesse a física quântica e a dualidade onda—partícula,<br />

sua apaixonada crença na unidade sutil da mente com o corpo seria muito parecida com<br />

a que ora estamos desenvolvendo. Talvez os materialistas de hoje sofram uma<br />

conversão similar caso venham a se inteirar dos desenvolvimentos da moderna física.<br />

Também se conclui da visão de que a consciência é uma espécie de<br />

relacionamento quântico que ela não pode, em nenhum sentido, ser uma "propriedade"<br />

da matéria, como argumentam muitos pampsiquistas. Ela não pode remontar ao ser de<br />

uma única partícula elementar de matéria porque é essencialmente um relacionamento<br />

entre duas ou mais partículas. A consciência é, em essência, relacionai, e só pode surgir

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