Danah Zohar O SER QUÂNTICO

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14.04.2013 Views

A necessidade de uma abordagem mecânico-quântica da própria consciência foi elaborada pela primeira vez com algum detalhamento em 1960, por Ninian Marshall, num trabalho sobre telepatia e memória. 5 O argumento de Marshall era o de que as leis deterministas da física clássica não davam lugar ao livre jogo dos processos de pensamento, livre escolha e intenção — todos considerados características comuns da consciência. Nenhum mecanismo cerebral físico que obedeça às leis deterministas da física clássica poderia ser responsável por pensamento e vontade livres, nem por qualquer das ações livres que se seguem a eles. Um argumento muito semelhante foi recentemente elaborado pelo físico russo Yuri Orlov. Ele argumenta que, em qualquer tipo de resolução de problema ou pensamento criativo, a indeterminação quântica e os estados de probabilidades sobrepostas (estados virtuais) devem estar desempenhando um papel na abertura do cérebro a todas as potencialidades latentes na consciência — por exemplo, nossa capacidade de ver várias possibilidades ao mesmo tempo. O mecanismo descrito [a indeterminação quântica] (...) fornece uma chave para a compreensão do pensamento criativo, com o qual uma pessoa descreve ou retrata "aquilo que na realidade não existe". Segundo nossa abordagem, a pessoa "vê" potencialmente várias versões ao mesmo tempo sem perceber nenhuma delas por completo, e então uma das versões "salta" (se materializa) como resultado da livre escolha. 6 O desenrolar simultâneo de muitas possibilidades diferentes — e eventualmente excludentes entre si — nos faz lembrar a libertina quântica que conhecemos antes, quando discutimos os estados virtuais. Assim como seu amor livre teve finalmente que ceder a um compromisso, também nosso livre jogo de pensamento e imaginação deve em algum momento reduzir-se a uma idéia definida. Somente uma, de um dado conjunto de possibilidades quânticas, pode existir no "mundo real", mas, antes de sua materialização, quanto divertimento o mundo quântico nos propicia! Mas, se a base física da consciência é algum tipo de fenômeno mecânicoquântico, com toda a liberdade que isso acarreta — como sugerem pessoas como Penrose, Marshall e Orlov —, então ainda resta muito para explicar. Que tipo de processo quântico seria? Que propriedades do cérebro o poderiam sustentar? Somente ao se procurar responder a tais perguntas básicas é que um modelo da consciência fundado na física quântica poderá ganhar algum significado real. Apoiando-nos na unidade da consciência como o ponto central e mais importante para a explicação da consciência nos termos da física conhecida, poderemos ver que certos aspectos dessa unidade podem oferecer pistas sobre a natureza de algum processo físico subjacente. O pano de fundo de toda a consciência — o "quadro-negro" sobre o qual se escrevem os vários pensamentos e percepções individuais — é o que os físicos chamam de um "estado imutável". É uniforme no espaço e persistente no tempo, qualidades necessárias para que a consciência faça seu trabalho. Assim como não poderíamos escrever uma boa mensagem num quadro-negro cheio de calombos ou pouco durável, também os conteúdos específicos de nossa percepção consciente não seriam discerníveis se o pano de fundo contra o qual estão dispostos não fosse um estado imutável. Como colocou o etologista John Crook: "A ordem da consciência — sua aparente estabilidade no tempo — é o que nos dá esta sensação de que vivemos num mundo em vez de dentro de experiências arquitetadas pelos caprichosos sentidos". 7

No entanto, essa rara qualidade de ordenação da nossa consciência limita consideravelmente a escolha de explicações físicas, como pode ser inferido do fracasso de todas as tentativas de se explicar a consciência em termos clássicos. Nossa consciência tem a característica de unidade contínua. Ela se mantém coesa e permite que nossa experiência também se mantenha coesa. Esse tipo de uniformidade fixa é raro entre os processos dinâmicos da natureza, mas pode ocorrer em materiais que existem em "fase condensada". A física (e a fisiologia) das fases condensadas parece ser, portanto, um candidato digno de maiores investigações para se saber se conseguirá fornecer alguma explicação de como a consciência pode surgir nos cérebros. Uma fase é um "estado" ou a condição de algo, de algum sistema material, assim como uma "fase adolescente" ou uma "fase boêmia" são possíveis estados da psique. Em materiais naturais refere-se à quantidade de ordem existente num dado sistema. A água, por exemplo, tem três fases: gasosa (vapor), líquida (água) e sólida (gelo) e cada uma delas apresenta maior ordem de moléculas que a anterior. A sólida, o cristal de gelo, é um exemplo muito comum de uma fase condensada imprecisamente estruturada, como também os cristais de sal ou de açúcar. Há outros exemplos razoavelmente conhecidos de fases condensadas mais estruturadas na natureza física: os ímãs comuns, os superfluidos, os supercondutores, a luz laser, as correntes elétricas nos metais e a ondas sonoras nos cristais. A propriedade em comum de todas essas coisas é um certo grau de coerência, que faz com que os muitos átomos ou moléculas que compõem a substância subitamente (ou gradualmente) se comportem como um. Imagine, por exemplo, um grande número de bússolas eletromagnéticas sobre uma mesa numa sala blindada. Por causa da blindagem as agulhas não apontam para nenhuma direção em especial e, se a mesa for sacudida, elas balançam aleatoriamente em todas as direções possíveis. Um físico que quisesse descrever o movimento das agulhas teria de escrever muitas equações — uma para cada agulha. Mas, se a energia eletromagnética de todas as bússolas for aumentada, as agulhas começarão a exercer atração umas sobre as outras e lentamente irão se alinhando para formar um padrão uniforme. No ponto em que a corrente eletromagnética se tornar forte o suficiente para sobrepujar o efeito do balanço da mesa (o equivalente ao ruído térmico num sistema real, onde o calor faz com que as moléculas se agitem), produzirá o interessante efeito de fazer com que todas as agulhas apontem na mesma direção (fig. 6.1). O conjunto das bússolas se comportaria então como uma única superbússola, e o físico poderia escrever uma só equação para descrever o movimento do conjunto. Diríamos que as agulhas das bússolas entraram numa fase condensada. Fig. 6. l Sem corrente eletromagnética, as agulhas de bússola sob blindagem apontam aleatoriamente para todos os lados; com a corrente eletromagnética, elas se alinham.

A necessidade de uma abordagem mecânico-quântica da própria consciência foi<br />

elaborada pela primeira vez com algum detalhamento em 1960, por Ninian Marshall,<br />

num trabalho sobre telepatia e memória. 5 O argumento de Marshall era o de que as leis<br />

deterministas da física clássica não davam lugar ao livre jogo dos processos de<br />

pensamento, livre escolha e intenção — todos considerados características comuns da<br />

consciência. Nenhum mecanismo cerebral físico que obedeça às leis deterministas da<br />

física clássica poderia ser responsável por pensamento e vontade livres, nem por<br />

qualquer das ações livres que se seguem a eles.<br />

Um argumento muito semelhante foi recentemente elaborado pelo físico russo<br />

Yuri Orlov. Ele argumenta que, em qualquer tipo de resolução de problema ou<br />

pensamento criativo, a indeterminação quântica e os estados de probabilidades<br />

sobrepostas (estados virtuais) devem estar desempenhando um papel na abertura do<br />

cérebro a todas as potencialidades latentes na consciência — por exemplo, nossa<br />

capacidade de ver várias possibilidades ao mesmo tempo.<br />

O mecanismo descrito [a indeterminação quântica] (...) fornece uma chave para a<br />

compreensão do pensamento criativo, com o qual uma pessoa descreve ou retrata "aquilo<br />

que na realidade não existe". Segundo nossa abordagem, a pessoa "vê" potencialmente<br />

várias versões ao mesmo tempo sem perceber nenhuma delas por completo, e então uma<br />

das versões "salta" (se materializa) como resultado da livre escolha. 6<br />

O desenrolar simultâneo de muitas possibilidades diferentes — e eventualmente<br />

excludentes entre si — nos faz lembrar a libertina quântica que conhecemos antes,<br />

quando discutimos os estados virtuais. Assim como seu amor livre teve finalmente que<br />

ceder a um compromisso, também nosso livre jogo de pensamento e imaginação deve<br />

em algum momento reduzir-se a uma idéia definida. Somente uma, de um dado<br />

conjunto de possibilidades quânticas, pode existir no "mundo real", mas, antes de sua<br />

materialização, quanto divertimento o mundo quântico nos propicia!<br />

Mas, se a base física da consciência é algum tipo de fenômeno mecânicoquântico,<br />

com toda a liberdade que isso acarreta — como sugerem pessoas como<br />

Penrose, Marshall e Orlov —, então ainda resta muito para explicar. Que tipo de<br />

processo quântico seria? Que propriedades do cérebro o poderiam sustentar? Somente<br />

ao se procurar responder a tais perguntas básicas é que um modelo da consciência<br />

fundado na física quântica poderá ganhar algum significado real.<br />

Apoiando-nos na unidade da consciência como o ponto central e mais importante<br />

para a explicação da consciência nos termos da física conhecida, poderemos ver que<br />

certos aspectos dessa unidade podem oferecer pistas sobre a natureza de algum processo<br />

físico subjacente. O pano de fundo de toda a consciência — o "quadro-negro" sobre o<br />

qual se escrevem os vários pensamentos e percepções individuais — é o que os físicos<br />

chamam de um "estado imutável". É uniforme no espaço e persistente no tempo,<br />

qualidades necessárias para que a consciência faça seu trabalho. Assim como não<br />

poderíamos escrever uma boa mensagem num quadro-negro cheio de calombos ou<br />

pouco durável, também os conteúdos específicos de nossa percepção consciente não<br />

seriam discerníveis se o pano de fundo contra o qual estão dispostos não fosse um<br />

estado imutável. Como colocou o etologista John Crook: "A ordem da consciência —<br />

sua aparente estabilidade no tempo — é o que nos dá esta sensação de que vivemos num<br />

mundo em vez de dentro de experiências arquitetadas pelos caprichosos sentidos". 7

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