Danah Zohar O SER QUÂNTICO

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14.04.2013 Views

diferença entre técnica ou simulação programadas e uma verdadeira espontaneidade e empatia. 2 Pensar de outro modo seria uma forma de insanidade, embora muito freqüentemente em nossa cultura mecanizada a insanidade passe por normalidade. Se aceitarmos a equivalência entre o ser e o fazer dos funcionalistas não há modo claro de argumentar que algo que se comporta conscientemente não seja consciente. Toda nossa forma de ver a consciência vem sendo tão tolhida pelo modelo mecânico que lhe foi imposto que perdemos de vista os fatos que ligam o desenvolvimento cerebral à consciência e ficamos cegos às características verdadeiras de nossa percepção consciente. Tornamo-nos insensíveis a nossa própria experiência e, no processo, a distorcemos. O perigo é o de que, se continuarmos a nos ver como máquinas, talvez nos tornemos máquinas — isto é, talvez venhamos a reduzir toda a riqueza de nossa vida consciente ao espectro muito mais estreito dos pensamentos e comportamentos que podem ser transpostos para programas. Este é um perigo que outros reconheceram e sobre o qual escreveram, 3 mas se quisermos vencê-lo devemos encontrar uma forma radicalmente diferente de pensar sobre a ligação mente-cérebro, e através disso uma forma mais humana de nos percebermos. No fim, isso só pode ser feito através de uma melhor compreensão de ambos: da fisiologia do cérebro e do fundamento físico da consciência. De fato, o cérebro humano é uma complexa matriz de sistemas sobrepostos e interligados, correspondentes às várias etapas da evolução, e o ser que dele brota é parecido com uma cidade construída ao longo das eras. Sua arqueologia inclui uma camada pré-histórica, uma camada medieval, uma camada renascentista ou elizabetana, uma camada vitoriana e alguns prédios modernos. Ela certamente não é apenas uma "cidade nova" ou uma "cidade de fronteira" construída toda de uma vez em vinte anos, como sugere o modelo do computador. Cada um de nós traz em seu próprio sistema nervoso toda a história da vida biológica no planeta, ou ao menos aquela pertencente ao reino animal. Na camada pré-histórica encontramos os animais unicelulares como ameba ou paramécio, que não possuem sistema nervoso. Toda sua coordenação sensorial e reflexos motores se dão numa única célula. Nossas células do sangue, os glóbulos brancos, ao recolher o lixo e consumir as bactérias, comportam-se no sangue de uma forma muito parecida com as amebas nos lagos. Animais pluricelulares simples, como a água-viva, não possuem sistema nervoso central, mas têm uma rede de fibras nervosas que permite a comunicação entre células para possibilitar ao animal reagir de forma coordenada. Em nosso corpo, as células nervosas do intestino formam uma rede que coordena o peristaltismo, as contrações musculares que empurram a comida. Com o passar do tempo, acrescenta-se camada sobre camada nessa "cidade" em evolução. A partir dos insetos, começa-se a encontrar uma ou mais massas de tecido nervoso que se encarregam de uma computação mais extensiva, e estas massas organizam-se cada vez mais próximas da extremidade da cabeça. Nosso reflexo de contração, que nos faz levar a mão para longe de uma panela quente, envolve apenas o cordão espinhal e assemelha-se, tanto anatomicamente quanto no comportamento, ao encontrado nas minhocas. Com o advento dos mamíferos, desenvolve-se um telencéfalo — primeiro o telencéfalo primitivo dos mamíferos inferiores governado basicamente por instintos e emoção, e depois os hemisférios cerebrais com toda sua sofisticada capacidade de

computação, aquelas "células cinzentas" que a maioria de nós identifica com a mente humana. No entanto, o estado de embriaguez, o uso de drogas como barbitúricos e outros tranqüilizantes ou mesmo uma lesão do telencéfalo superior resultam numa regressão a tipos de comportamento mais primitivos, mais espontâneos, menos calculistas, como os observados nos mamíferos inferiores. Quase a totalidade da psiquiatria humana, o lado verdadeiramente médico do tratamento dos problemas que afetam a consciência, preocupa-se em regular o hipotálamo e o telencéfalo primitivo. Assim, apesar da crescente centralização e complexidade que aparecem à medida que o sistema nervoso evolui, as redes nervosas mais primitivas perduram, tanto no interior do cérebro em expansão como em todo o corpo. As fases mais recentes de nossa evolução suplantaram as fases anteriores, mas não as substituíram completamente. As experiências da ameba e da água-viva, da minhoca e da formiga estão todas plantadas em nossos tecidos nervosos, e como cada uma dessas criaturas partilhamos a capacidade de ser consciente. Conforme observou Whitehead, "a mente humana é consciente de sua herança corporal". 4 Portanto, o que quer que seja a consciência, não poderá ser idêntica às funções cerebrais superiores possibilitadas pelas conexões nervosas no córtex cerebral. Evidentemente a forma que a nossa consciência assume, o conteúdo de nossas percepções e pensamentos são influenciados por essas conexões, mas a capacidade de ser consciente em si, a consciência não estruturada, crua, deve ser mais elementar. Alguns animais, embora conscientes, não têm córtex,'outros somente um córtex muito primitivo. Alguns humanos que tiveram grandes regiões de seu córtex cerebral danificadas ou removidas cirurgicamente podem apresentar perda de uma capacidade específica, como a fala, a visão ou o movimento, mas permanecem conscientes, da mesma forma como bebês recém-nascidos também são conscientes. A consciência em si, que inclui a capacidade geral de percepção e atividade propositada, deve surgir de algum mecanismo físico muito mais primitivo que o cérebro humano desenvolvido, de um mecanismo acessível a uma reles ameba. Assim, compreender de que forma isso pode acontecer — encontrar uma base para a consciência que explique a consciência de todas as criaturas vivas (e possivelmente das não vivas) — é de fundamental importância para a compreensão tanto do lugar quanto da razão de ser de uma consciência humana no esquema geral das coisas. Essas são as considerações com as quais, de um ponto de vista geral, se argumenta contra o modelo de cérebro calcado no computador, mas há também argumentos fenomenológicos. Se examinarmos atentamente certas características básicas da consciência — ao menos na forma em que são experimentadas pelos seres humanos — fica evidente que uma capacidade com essas características não poderia, em princípio, advir de tal modelo. Todos os modelos calcados no computador partilham de uma suposição subjacente de que o cérebro em si funciona segundo as mesmas leis e princípios de uma vasta máquina de computação — isto é, que suas diferentes partes (seus neurônios) cooperam de modo ordenado, mecânico, obedecendo a todas as leis determinadas da física clássica. Num modelo assim, um estado cerebral deriva necessariamente do outro. Temos somente um grupo de neurônios estáticos e previsíveis "olhando para" outros grupos e reagindo a eles, sem nenhum lugar no cérebro onde todos esses grupos separados se integram. Não há um "comitê central" de neurônios que supervisiona o

diferença entre técnica ou simulação programadas e uma verdadeira espontaneidade e<br />

empatia. 2 Pensar de outro modo seria uma forma de insanidade, embora muito<br />

freqüentemente em nossa cultura mecanizada a insanidade passe por normalidade.<br />

Se aceitarmos a equivalência entre o ser e o fazer dos funcionalistas não há modo<br />

claro de argumentar que algo que se comporta conscientemente não seja consciente.<br />

Toda nossa forma de ver a consciência vem sendo tão tolhida pelo modelo mecânico<br />

que lhe foi imposto que perdemos de vista os fatos que ligam o desenvolvimento<br />

cerebral à consciência e ficamos cegos às características verdadeiras de nossa percepção<br />

consciente. Tornamo-nos insensíveis a nossa própria experiência e, no processo, a<br />

distorcemos. O perigo é o de que, se continuarmos a nos ver como máquinas, talvez nos<br />

tornemos máquinas — isto é, talvez venhamos a reduzir toda a riqueza de nossa vida<br />

consciente ao espectro muito mais estreito dos pensamentos e comportamentos que<br />

podem ser transpostos para programas. Este é um perigo que outros reconheceram e<br />

sobre o qual escreveram, 3 mas se quisermos vencê-lo devemos encontrar uma forma<br />

radicalmente diferente de pensar sobre a ligação mente-cérebro, e através disso uma<br />

forma mais humana de nos percebermos. No fim, isso só pode ser feito através de uma<br />

melhor compreensão de ambos: da fisiologia do cérebro e do fundamento físico da<br />

consciência.<br />

De fato, o cérebro humano é uma complexa matriz de sistemas sobrepostos e<br />

interligados, correspondentes às várias etapas da evolução, e o ser que dele brota é<br />

parecido com uma cidade construída ao longo das eras. Sua arqueologia inclui uma<br />

camada pré-histórica, uma camada medieval, uma camada renascentista ou elizabetana,<br />

uma camada vitoriana e alguns prédios modernos. Ela certamente não é apenas uma<br />

"cidade nova" ou uma "cidade de fronteira" construída toda de uma vez em vinte anos,<br />

como sugere o modelo do computador. Cada um de nós traz em seu próprio sistema<br />

nervoso toda a história da vida biológica no planeta, ou ao menos aquela pertencente ao<br />

reino animal.<br />

Na camada pré-histórica encontramos os animais unicelulares como ameba ou<br />

paramécio, que não possuem sistema nervoso. Toda sua coordenação sensorial e<br />

reflexos motores se dão numa única célula. Nossas células do sangue, os glóbulos<br />

brancos, ao recolher o lixo e consumir as bactérias, comportam-se no sangue de uma<br />

forma muito parecida com as amebas nos lagos. Animais pluricelulares simples, como a<br />

água-viva, não possuem sistema nervoso central, mas têm uma rede de fibras nervosas<br />

que permite a comunicação entre células para possibilitar ao animal reagir de forma<br />

coordenada. Em nosso corpo, as células nervosas do intestino formam uma rede que<br />

coordena o peristaltismo, as contrações musculares que empurram a comida.<br />

Com o passar do tempo, acrescenta-se camada sobre camada nessa "cidade" em<br />

evolução. A partir dos insetos, começa-se a encontrar uma ou mais massas de tecido<br />

nervoso que se encarregam de uma computação mais extensiva, e estas massas<br />

organizam-se cada vez mais próximas da extremidade da cabeça. Nosso reflexo de<br />

contração, que nos faz levar a mão para longe de uma panela quente, envolve apenas o<br />

cordão espinhal e assemelha-se, tanto anatomicamente quanto no comportamento, ao<br />

encontrado nas minhocas.<br />

Com o advento dos mamíferos, desenvolve-se um telencéfalo — primeiro o<br />

telencéfalo primitivo dos mamíferos inferiores governado basicamente por instintos e<br />

emoção, e depois os hemisférios cerebrais com toda sua sofisticada capacidade de

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