Danah Zohar O SER QUÂNTICO
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Essas necessidades reconhecidamente "humanas" — o que se poderia chamar de necessidade de um "estilo de vida" — decorrem diretamente da física da consciência, do fato de que o sistema quântico do cérebro, mantendo sua coerência ordenada dinâmica, naturalmente procura trazer tudo o que passa por ele para seu próprio sistema integrado. Nossos artefatos, nossas reflexões sobre esses artefatos e os hábitos que se desenvolvem por intermédio de seu uso, tudo isso se enreda na inteireza relacionai que é nosso mundo, assim como as vitaminas e sais minerais que ingerimos e o ar que respiramos são tomados pela dinâmica da inteireza relacionai que é nosso corpo vivo. E, exatamente da mesma forma que o corpo precisa mudar e crescer em resposta a seu ambiente (a tendência evolutiva), também a consciência precisa expandir-se pela formação de inteirezas relacionais cada vez maiores a partir dos dados de seu mundo. A física da consciência e a física da vida são as mesmas. Ambas, são sistemas Prigogine do tipo Fröhlich. Quando julgamos o mérito de um artefato, quando dizemos que uma tigela é boa ou ruim, uma mesa é boa ou ruim, uma casa é boa ou ruim, na verdade estamos nos perguntando se ele atende a ambos os tipos de necessidade que levaram originalmente a sua manufatura. Essas necessidades incluem a funcional (se aquilo funciona) e a mais "humana" (se aquilo reflete nossa natureza e realça nosso mundo). O tipo mais humano de necessidade pode, com propriedade, ser chamado estética. Ele se relaciona com a "sensação" do objeto, com os sentimentos que ele evoca e com valores, como a beleza, ou até com a espiritualidade. Há critérios fáceis, bastante mecânicos e obviamente objetivos para se julgar a funcionalidade de um artefato. É difícil encontrar alguém que não considere de pouca utilidade uma tigela que não segura a sopa. Ao mesmo tempo, toda a experiência do design modernista na arquitetura, no urbanismo e na produção em massa de artigos que vão de tigelas a casas, passando por mesas, roupas e carros, vem revelando a inadequação da mera funcionalidade. Há algo feio e brutal no meramente funcional, nas mesas que são simplesmente superfícies planas com pernas, feitas de plástico, nas ubíquas torres de concreto que rasgam tantas de nossas cidades do interior — o que o arquiteto modernista Lê Corbusier chamou de suas "máquinas de morar". Seu design intencionalmente mecânico exclui qualquer consideração do fator humano em seu uso e reforça o senso de alienação cujas raízes estão em toda tendência mecanicista de nossa cultura newtoniana. Artefatos que não contêm nada do fator humano (nada da consciência humana) não refletem nada de volta quando lidamos com eles. Não estão em diálogo conosco e não conseguem satisfazer nossa necessidade de autodescoberta criativa. Mas o critério para julgar se uma tigela ou mesa ou casa vão ao encontro de nossas necessidades estéticas parece, à primeira vista, mais enganoso. Se foram feitos espontaneamente por nós, pela própria natureza do diálogo criativo entre nós e a matéria no ato de modelar algo, irão naturalmente nos expressar (e criar) assim como ao mundo. Mas, se foram feitos a partir de um projeto ou por encomenda, talvez não. Nesse caso, poderão ser "insensíveis" às nossas necessidades ou mesmo sufocá-las. Como julgar? Houve muitas filosofias da estética através dos tempos que buscaram resolver essa questão. Platão acreditava que uma coisa era bela se refletisse seu original do mundo das formas, seu equivalente ao projeto cósmico de todas as coisas existentes neste
mundo. Aristóteles tinha o belo como sendo aquilo que tendia para uma "proporção áurea" — seu princípio do nenhum excesso, que se aplicava à arte e à moralidade e que se ligava à sua visão geral de que havia uma direção e um propósito (uma teologia) no desdobramento natural das coisas. Para os romanos, o belo era aquilo que refletisse o princípio subjacente à sua lei. Essa lei tinha por objetivo atingir a maior coerência interna possível da sociedade, e todos os seus princípios de eficiência decorriam desse objetivo em vez da mera funcionalidade. 2 Analogamente, a grande arquitetura cristã, as catedrais e os arcos góticos e agulhas das torres tinham como visão inspiradora o amor à Virgem ou a idéia do Senhor Altíssimo, cujo amor e sabedoria dirigiam todas as coisas. 3 Na Inglaterra, as grandes construções vitorianas expressavam o poder e a extensão do império. Não temos tais visões nos dias de hoje. As leis da natureza como vistas da perspectiva newtoniana não procuram nada. Elas simplesmente são; frias, mecânicas e determinadas. A cosmologia da Igreja que nos deu o Senhor Altíssimo foi desacreditada por Galileu e Copérnico, e o mundo das formas de Platão descartado como misticismo grego. E mesmo a visão mais modesta do lugar do homem como criatura da natureza foi minada pelo movimento em direção à vida urbana e à produção em massa. Poucos temos contato com as origens do alimento que consumimos ou da roupa que vestimos, e muitas vezes desconhecemos os processos naturais que os produziram (nesses casos cada vez mais raros em que são produtos naturais). Conseqüentemente, muitas pessoas na era moderna argumentam que não há critérios objetivos para se julgar o mérito estético, nenhum modo claro para se estabelecer que uma tigela seja mais bonita que a outra ou uma casa mais gostosa de se viver do que outra. Tais coisas são tidas como questão de gosto e "gosto não se discute". Em vez disso, deveríamos nos concentrar no mecânico e no funcional, em que há critérios nítidos. No entanto, como seres conscientes, cada um de nós traz o natural em si, sejam quais forem nosso estilo de vida ou circunstâncias. Trazemos o natural na física de nossa consciência, que é a mesma física da própria vida. Se relacionarmos a dimensão estética dos objetos que utilizamos em nosso cotidiano às necessidades estéticas dessa consciência, poderemos então redescobrir nessa física certos critérios naturais para um valor do tipo "beleza", assim como descobrimos a existência de um critério natural para o "bom" na esfera da ética. Contudo, é importante termos em mente que pode haver muitas expressões bastante diversas de beleza que atendem a esses critérios, assim como havia muitas formas de comportamento que atendiam ao critério de "bom" comportamento. Uma "estética quântica" abriria, necessariamente, a possibilidade de muitos estilos estéticos igualmente válidos, embora venhamos a descobrir a existência de uma "limitação natural" que alicerça nossas necessidades estéticas e que nos dá um fundamento objetivo para julgar se um determinado estilo atende a essas necessidades. Se eles expressam e cultivam o natural em nós — a natureza de nossa consciência — são um sucesso, senão, um fracasso. Podemos procurar os critérios relevantes para julgá-los, relembrando as características básicas dos sistemas Prigogine do tipo Fröhlich, do sistema quântico ordenado, coerente, que é a base física da consciência. A mais importante característica dinâmica de qualquer "sistema aberto" de
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Essas necessidades reconhecidamente "humanas" — o que se poderia chamar de<br />
necessidade de um "estilo de vida" — decorrem diretamente da física da consciência, do<br />
fato de que o sistema quântico do cérebro, mantendo sua coerência ordenada dinâmica,<br />
naturalmente procura trazer tudo o que passa por ele para seu próprio sistema integrado.<br />
Nossos artefatos, nossas reflexões sobre esses artefatos e os hábitos que se<br />
desenvolvem por intermédio de seu uso, tudo isso se enreda na inteireza relacionai que é<br />
nosso mundo, assim como as vitaminas e sais minerais que ingerimos e o ar que<br />
respiramos são tomados pela dinâmica da inteireza relacionai que é nosso corpo vivo. E,<br />
exatamente da mesma forma que o corpo precisa mudar e crescer em resposta a seu<br />
ambiente (a tendência evolutiva), também a consciência precisa expandir-se pela<br />
formação de inteirezas relacionais cada vez maiores a partir dos dados de seu mundo. A<br />
física da consciência e a física da vida são as mesmas. Ambas, são sistemas Prigogine<br />
do tipo Fröhlich.<br />
Quando julgamos o mérito de um artefato, quando dizemos que uma tigela é boa<br />
ou ruim, uma mesa é boa ou ruim, uma casa é boa ou ruim, na verdade estamos nos<br />
perguntando se ele atende a ambos os tipos de necessidade que levaram originalmente a<br />
sua manufatura. Essas necessidades incluem a funcional (se aquilo funciona) e a mais<br />
"humana" (se aquilo reflete nossa natureza e realça nosso mundo). O tipo mais humano<br />
de necessidade pode, com propriedade, ser chamado estética. Ele se relaciona com a<br />
"sensação" do objeto, com os sentimentos que ele evoca e com valores, como a beleza,<br />
ou até com a espiritualidade.<br />
Há critérios fáceis, bastante mecânicos e obviamente objetivos para se julgar a<br />
funcionalidade de um artefato. É difícil encontrar alguém que não considere de pouca<br />
utilidade uma tigela que não segura a sopa. Ao mesmo tempo, toda a experiência do<br />
design modernista na arquitetura, no urbanismo e na produção em massa de artigos que<br />
vão de tigelas a casas, passando por mesas, roupas e carros, vem revelando a<br />
inadequação da mera funcionalidade.<br />
Há algo feio e brutal no meramente funcional, nas mesas que são simplesmente<br />
superfícies planas com pernas, feitas de plástico, nas ubíquas torres de concreto que<br />
rasgam tantas de nossas cidades do interior — o que o arquiteto modernista Lê<br />
Corbusier chamou de suas "máquinas de morar". Seu design intencionalmente mecânico<br />
exclui qualquer consideração do fator humano em seu uso e reforça o senso de alienação<br />
cujas raízes estão em toda tendência mecanicista de nossa cultura newtoniana. Artefatos<br />
que não contêm nada do fator humano (nada da consciência humana) não refletem nada<br />
de volta quando lidamos com eles. Não estão em diálogo conosco e não conseguem<br />
satisfazer nossa necessidade de autodescoberta criativa.<br />
Mas o critério para julgar se uma tigela ou mesa ou casa vão ao encontro de<br />
nossas necessidades estéticas parece, à primeira vista, mais enganoso. Se foram feitos<br />
espontaneamente por nós, pela própria natureza do diálogo criativo entre nós e a matéria<br />
no ato de modelar algo, irão naturalmente nos expressar (e criar) assim como ao mundo.<br />
Mas, se foram feitos a partir de um projeto ou por encomenda, talvez não. Nesse caso,<br />
poderão ser "insensíveis" às nossas necessidades ou mesmo sufocá-las. Como julgar?<br />
Houve muitas filosofias da estética através dos tempos que buscaram resolver essa<br />
questão. Platão acreditava que uma coisa era bela se refletisse seu original do mundo<br />
das formas, seu equivalente ao projeto cósmico de todas as coisas existentes neste