Danah Zohar O SER QUÂNTICO

Danah Zohar O SER QUÂNTICO Danah Zohar O SER QUÂNTICO

veterinariosnodiva.com.br
from veterinariosnodiva.com.br More from this publisher
14.04.2013 Views

14 Nós e o Mundo Material: A Estética Quântica Talvez a reunião de nossas visões sobre o mundo que nos cerca com as visões sobre nosso mundo interior seja uma faceta satisfatória da recente evolução da ciência... Ilya Prigogine, Order Out of Chaos Sob muitos aspectos, o exemplo do diálogo criativo entre a criança e seu pote de argila levanta uma enorme questão sobre nosso relacionamento, enquanto seres conscientes, com a matéria, com o mundo material, e o relacionamento destes conosco. Em que medida nosso envolvimento consciente influencia a revelação da realidade material e, por sua vez, em que medida o mundo material que nos cerca deixa suas marcas na revelação de nossa própria realidade? Resumindo, poderíamos nós ser os seres humanos que somos se o mundo material não fosse como ele é? Em que medida nosso diálogo com o mundo material molda tanto a matéria quanto nossa condição de seres humanos? As respostas a tais questões têm implicações importantes para nossa atitude diante do meio ambiente material. No nível simples, clássico, da atividade diária, temos evidentemente um efeito sobre a matéria. Nós a moldamos e fazemos, digerimos, queimamos, resfriamos, quebramos, reconstruímos etc. E, nesse mesmo nível bem simples, a matéria e seus processos evidentemente têm efeito sobre nós. O alimento que ingiro poderá nutrir-me ou envenenar-me, a pedra no caminho pode se chocar com meu pé e quebrar meu dedo, a porta trancada pode impedir-me de entrar no jardim. Num nível ainda mais básico, as substâncias químicas da terra, e o sol que brilha sobre elas, são necessárias à existência e ao funcionamento de meu organismo, como também o oxigênio que respiro e a água que bebo. Meu corpo e todas as suas necessidades físicas são evidências claras de um diálogo fundamental entre mim e o mundo material. Mas o diálogo entre a criança e o pote, embora contendo todos esses elementos clássicos, tem uma outra dimensão, uma dimensão que brota de seus contatos conscientes com o mundo material. Através de nossas criações materiais, nossos potes de argila, nossas ferramentas, nossas roupas e nossas casas, injetamos um significado humano no material, nós o trazemos para nosso mundo de propósitos e objetivos e, assim, o transformamos. Mas, ao fazê-lo, nós nos transformamos. Através da feitura de seu pote de argila, a criança descobre criativamente tanto aquilo que na argila poderia se transformar nesse pote em especial como aquilo que nela mesma (seu senso estético e

sua habilidade) poderia lhe dar existência. Sem a intenção consciente da criança, a argila nunca teria sido transformada num pote, mas, da mesma forma, sem aquele pote, o senso estético da criança jamais teria sido encarnado. Num dos sentidos mais importantes, criança e pote dão origem um ao outro. O mesmo vale, em menor ou maior grau, segundo nosso envolvimento com eles, para todos os artefatos materiais de nosso ambiente. Ao fazê-los, nós nos fazemos. Vivendo com eles, nós nos descobrimos. O aspecto mais imediato do ambiente material com que mantemos um diálogo mutuamente criativo é nosso próprio corpo material. O corpo possui toda uma gama complexa de necessidades e reagindo a essas necessidades, satisfazendo-as ou frustrando-as é que primeiramente descobrimos a nós mesmos e ao mundo, 1 além de satisfazermos ou deixarmos de satisfazer suas exigências imediatas. Quando um bebê suga pela primeira vez o seio da mãe, ele não só satisfaz sua necessidade imediata de alimento como também coloca todo o alicerce inicial de sua consciência, de si e dos outros. Simultaneamente, ele se torna e descobre (descobre criativamente) que é uma pessoa cuja fome básica pode ou não ser satisfeita. Ele descobre, na terminologia de Melanie Klein, que o seio é um "seio bom" ou um "seio mau" e, através dessa descoberta, torna-se um bebê cujo mundo é um mundo mau ou um mundo bom. Quando ele empurra o seio e a superfície cede à pressão de seus dedos, ele descobre e se torna uma pessoa que pode influenciar o mundo. O mesmo acontece quando ele chuta o berço, mas nesse caso percebe que o mundo pode machucar e que seu poder tem limites. O seio e o berço são o mundo que ele recebe. São coisas materiais por meio das quais o bebê se descobre e a seu mundo, e ao fazê-lo descobre criativamente seu significado para ele (seu papel como auxiliar na integração de sua personalidade), mas não são coisas que ele faz. Não são criações suas. Podem ser significativas para ele por satisfazerem ou frustrarem suas necessidades, mas o bebê não evocou sua realidade física objetiva. Isso ele fará quando ficar mais velho e começar a construir os artefatos através dos quais poderá satisfazer as próprias necessidades de forma independente — suas ferramentas, seus meios de transporte, suas roupas, abrigo etc. Cada um dos artefatos que construímos, procurando satisfazer nossas necessidades corporais mais diretas, tem um propósito obviamente funcional, e, nesse nível mais primário, qualquer objeto pode ser julgado bom ou mau pelo fato de preencher ou não sua função. Um pote de argila que não segura a sopa é um pote ruim, uma mesa baixa demais para o nosso conforto ou instável demais para equilibrar a louça é uma mesa ruim, uma casa onde entra chuva é uma casa ruim, e assim por diante. Mas, como somos seres conscientes, com um conjunto igualmente forte de necessidades de integração de nossa experiência, de nos vermos refletidos em nosso mundo, de evoluir em direção a uma coerência ordenada cada vez maior de nossa visão de mundo, os artefatos que produzimos também devem preencher um papel de criação de mundo. O pote de barro deve, de algum modo, com sua forma e textura, reforçar ou desenvolver nosso senso estético, a mesa deve reforçar e desenvolver nosso senso de equilíbrio e proporção e expressar nossos conceitos de hospitalidade e refeição comum, a casa deve expressar e reiterar nosso sentido de lar.

14<br />

Nós e o Mundo Material:<br />

A Estética Quântica<br />

Talvez a reunião de nossas visões sobre o mundo que nos cerca com as<br />

visões sobre nosso mundo interior seja uma faceta satisfatória da recente<br />

evolução da ciência...<br />

Ilya Prigogine, Order Out of Chaos<br />

Sob muitos aspectos, o exemplo do diálogo criativo entre a criança e seu pote de<br />

argila levanta uma enorme questão sobre nosso relacionamento, enquanto seres<br />

conscientes, com a matéria, com o mundo material, e o relacionamento destes conosco.<br />

Em que medida nosso envolvimento consciente influencia a revelação da realidade<br />

material e, por sua vez, em que medida o mundo material que nos cerca deixa suas<br />

marcas na revelação de nossa própria realidade?<br />

Resumindo, poderíamos nós ser os seres humanos que somos se o mundo material<br />

não fosse como ele é? Em que medida nosso diálogo com o mundo material molda tanto<br />

a matéria quanto nossa condição de seres humanos? As respostas a tais questões têm<br />

implicações importantes para nossa atitude diante do meio ambiente material.<br />

No nível simples, clássico, da atividade diária, temos evidentemente um efeito<br />

sobre a matéria. Nós a moldamos e fazemos, digerimos, queimamos, resfriamos,<br />

quebramos, reconstruímos etc. E, nesse mesmo nível bem simples, a matéria e seus<br />

processos evidentemente têm efeito sobre nós. O alimento que ingiro poderá nutrir-me<br />

ou envenenar-me, a pedra no caminho pode se chocar com meu pé e quebrar meu dedo,<br />

a porta trancada pode impedir-me de entrar no jardim. Num nível ainda mais básico, as<br />

substâncias químicas da terra, e o sol que brilha sobre elas, são necessárias à existência<br />

e ao funcionamento de meu organismo, como também o oxigênio que respiro e a água<br />

que bebo. Meu corpo e todas as suas necessidades físicas são evidências claras de um<br />

diálogo fundamental entre mim e o mundo material.<br />

Mas o diálogo entre a criança e o pote, embora contendo todos esses elementos<br />

clássicos, tem uma outra dimensão, uma dimensão que brota de seus contatos<br />

conscientes com o mundo material. Através de nossas criações materiais, nossos potes<br />

de argila, nossas ferramentas, nossas roupas e nossas casas, injetamos um significado<br />

humano no material, nós o trazemos para nosso mundo de propósitos e objetivos e,<br />

assim, o transformamos. Mas, ao fazê-lo, nós nos transformamos. Através da feitura de<br />

seu pote de argila, a criança descobre criativamente tanto aquilo que na argila poderia se<br />

transformar nesse pote em especial como aquilo que nela mesma (seu senso estético e

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!