Danah Zohar O SER QUÂNTICO
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grau. Nossa criatividade brota de um sistema vivo infinitamente mais complexo com capacidade de análise racional e auto-reflexão (autoconsciência). A análise racional vem das capacidades de processamento de dados extraordinariamente complexas do sistema de computação do cérebro (todos aqueles neurônios e suas ligações); a capacidade de integração-de-mundo e auto-reflexão vem do condensado de Bose-Einstein impressionantemente grande do sistema quântico do cérebro e da dinâmica da memória quântica que depende dele. Sem o condensado de Bose-Einstein e sua capacidade de manter a unidade de consciência e a construção de inteirezas relacionais, não passaríamos de computadores ambulantes. Sem o sistema de computação para gerar excitações (padrões) nesse condensado, não seríamos mais que raios laser. 11 Mas ambos reunidos, a capacidade de estruturação lógica e a capacidade de integração e auto-reflexão criativa em diálogo com o ambiente, nos dão a criatividade elaborada que é responsável pelo mundo humano. De muitas maneiras simples essa criatividade ocorre em cada um de nós durante o curso normal de nossas vidas diárias. Como isso acontece, e como o viver criativo de cada um de nós reforça a criatividade em escala mais ampla de nossa cultura, é algo que pode ser ilustrado observando-se a física de como uma pessoa responde a um desafio moral, e de como, por essa resposta, ela cria a si mesma e cria o mundo moral. O próprio conceito de "desafio moral" (moralidade) já é uma inteireza relacionai ordenada criada em resposta à nossa necessidade de um quadro integrado de comportamento social adequado. É uma tentativa de trazer ordem ao caos potencial que pode surgir da gama muito ampla de comportamentos possíveis, resultantes da ação de seres humanos complexos e essencialmente livres. No esforço de produzir essa ordem, damos origem a nós mesmos e a nossa moralidade, a uma nova dimensão de consciência que expressa e transcende decisões comportamentais de membros individuais de uma sociedade ou de um grupo. Cada um de nós ajuda a escrever o código moral sob o qual viveremos. Isso acontece especialmente em tempos de crise moral ou de desafio moral. Imagine, por exemplo, que meu casamento tornou-se maçante e fiquei tentada a ter um caso com outro homem. Essa tentação me remete de volta à minha liberdade e me obriga a escolher entre meu marido e um amante, ou pelo menos entre a fidelidade a meu marido e um caso com meu amante. Mas a necessidade dessa escolha coloca todo o meu mundo em questão — toda a "gestalt" daquilo que sou e do que eu valho. Ela me confronta com um desafio moral significativo. Por causa da natureza quântica da escolha — o fato de ser uma escolha livre dentre numerosas possibilidades sobrepostas (neste caso, a possibilidade do caso e a possibilidade da fidelidade) que existem simultaneamente — a tentação em si influencia a mim e a meu mundo. A tentação abriu a possibilidade da infidelidade, e, enquanto esta possibilidade for real, seus efeitos podem ser sentidos. Nesse caso, é provável que eu me torne impaciente ou pouco amorosa com meu marido. Em meu relacionamento com ele estarei me comportando sem entusiasmo, "nem lá nem cá". "Nem lá nem cá" é um equivalente psicológico apropriado para a sobreposição quântica. Esta é a realidade do aviso de São Paulo no sentido de que o pecado está no pensamento. A física dele se fundamenta na física das transições virtuais — aqueles "períodos de experiência" quântica discutidos no capítulo 2 e ilustrados pelo exemplo
dos vários casos amorosos simultâneos da libertina quântica. No caso dela, o resultado de uma transição virtual poderia ter sido um filho de alguma de suas uniões virtuais. No meu caso é provável que seja uma briga com meu marido que terá um efeito duradouro sobre nosso relacionamento, qualquer que seja minha escolha real, no fim. O mesmo se aplica a cumular a mente com qualquer tipo de sugestões — slogans de propaganda ou imagens grosseiras de vídeos pornográficos, ou outras. Mesmo que não adotemos uma ação suscitada pelas tentações, as próprias tentações afetam a saúde geral de nossa consciência individual ou grupai. Lembremos a observação de David Bohm no sentido de que "uma grande quantidade de processos físicos são resultado das assim chamadas transições virtuais". 12 Ao decidir, finalmente, entre minhas duas opções, estou decidindo entre dois seres que poderei me tornar e entre os diferentes mundos que eles poderão ocupar. A escolha é livre, nada a determina. Embora o caráter que construí e o tipo de vida que vivi até então pesem sobre as probabilidades de escolher um ou outro, eu posso — e muitas vezes o faço — agir "por uma questão de caráter". Igualmente, os meus argumentos acerca da sabedoria de uma escolha em vez da outra na verdade não determinam a escolha em si. Não digo a mim mesma que dou valor a meu casamento e aos compromissos dele decorrentes e, portanto, escolho contiuar sendo fiel a meu marido, nem digo a mim mesma que dou valor ao romance e à espontaneidade e, portanto, escolho o caso com meu amante. Estas são explicações casuais que simplesmente não se harmonizam com minha liberdade. (Não é minha lógica que cria minhas escolhas, mas minhas escolhas que criam minha lógica.) Ou melhor, é ao tomar a decisão que descubro quais são os meus valores, quais são as coisas realmente importantes para mim e que tipo de pessoa eu sou. Mas essa é uma descoberta criativa — justamente por intermédio da articulação das razões para minha escolha é que me torno o tipo de pessoa que faria aquela escolha. Como coloca Charles Taylor em sua discussão sobre a reavaliação radical que acompanha a ação moral livre: Articulações não são simplesmente descrições (...) Ao contrário, articulações são tentativas de formular o que estava inicialmente incompleto, confuso ou malformulado. Mas esse tipo de formulação ou reformulação não deixa seu objeto inalterado. Conferir certa articulação é moldar nossa consciência daquilo que desejamos ou que, de certo modo, consideramos importantes. 13 É modelar a nós mesmos. Essa criação do ser por meio de uma articulação dos valores que acompanharam determinada escolha nos faz lembrar a "causalidade retroativa" ilustrada pelo "experimento de escolha retardada" de John Archibald Wheeler (cap. 3), e provavelmente se apóia na mesma física básica. Naquele experimento, um fóton deve "escolher " • entre realizar-se como onda ou partícula, entre passar por uma só abertura do aparato de duas aberturas ou passar pelas duas. Se ele escolhe ser partícula irá passar • Duvido muito que os fótons realmente façam escolhas. Minha linguagem antropomórfica serve aqui simplesmente para evocar as sugestivas analogias entre as transições dos fótons da possibilidade para a realidade e as nossas próprias transições.
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dos vários casos amorosos simultâneos da libertina quântica. No caso dela, o resultado<br />
de uma transição virtual poderia ter sido um filho de alguma de suas uniões virtuais. No<br />
meu caso é provável que seja uma briga com meu marido que terá um efeito duradouro<br />
sobre nosso relacionamento, qualquer que seja minha escolha real, no fim.<br />
O mesmo se aplica a cumular a mente com qualquer tipo de sugestões — slogans<br />
de propaganda ou imagens grosseiras de vídeos pornográficos, ou outras. Mesmo que<br />
não adotemos uma ação suscitada pelas tentações, as próprias tentações afetam a saúde<br />
geral de nossa consciência individual ou grupai. Lembremos a observação de David<br />
Bohm no sentido de que "uma grande quantidade de processos físicos são resultado das<br />
assim chamadas transições virtuais". 12<br />
Ao decidir, finalmente, entre minhas duas opções, estou decidindo entre dois seres<br />
que poderei me tornar e entre os diferentes mundos que eles poderão ocupar. A escolha<br />
é livre, nada a determina. Embora o caráter que construí e o tipo de vida que vivi até<br />
então pesem sobre as probabilidades de escolher um ou outro, eu posso — e muitas<br />
vezes o faço — agir "por uma questão de caráter".<br />
Igualmente, os meus argumentos acerca da sabedoria de uma escolha em vez da<br />
outra na verdade não determinam a escolha em si. Não digo a mim mesma que dou<br />
valor a meu casamento e aos compromissos dele decorrentes e, portanto, escolho<br />
contiuar sendo fiel a meu marido, nem digo a mim mesma que dou valor ao romance e à<br />
espontaneidade e, portanto, escolho o caso com meu amante. Estas são explicações<br />
casuais que simplesmente não se harmonizam com minha liberdade. (Não é minha<br />
lógica que cria minhas escolhas, mas minhas escolhas que criam minha lógica.)<br />
Ou melhor, é ao tomar a decisão que descubro quais são os meus valores, quais<br />
são as coisas realmente importantes para mim e que tipo de pessoa eu sou. Mas essa é<br />
uma descoberta criativa — justamente por intermédio da articulação das razões para<br />
minha escolha é que me torno o tipo de pessoa que faria aquela escolha. Como coloca<br />
Charles Taylor em sua discussão sobre a reavaliação radical que acompanha a ação<br />
moral livre:<br />
Articulações não são simplesmente descrições (...) Ao contrário, articulações são<br />
tentativas de formular o que estava inicialmente incompleto, confuso ou malformulado.<br />
Mas esse tipo de formulação ou reformulação não deixa seu objeto inalterado. Conferir<br />
certa articulação é moldar nossa consciência daquilo que desejamos ou que, de certo<br />
modo, consideramos importantes. 13<br />
É modelar a nós mesmos.<br />
Essa criação do ser por meio de uma articulação dos valores que acompanharam<br />
determinada escolha nos faz lembrar a "causalidade retroativa" ilustrada pelo<br />
"experimento de escolha retardada" de John Archibald Wheeler (cap. 3), e<br />
provavelmente se apóia na mesma física básica. Naquele experimento, um fóton deve<br />
"escolher " • entre realizar-se como onda ou partícula, entre passar por uma só abertura<br />
do aparato de duas aberturas ou passar pelas duas. Se ele escolhe ser partícula irá passar<br />
• Duvido muito que os fótons realmente façam escolhas. Minha linguagem antropomórfica serve aqui<br />
simplesmente para evocar as sugestivas analogias entre as transições dos fótons da possibilidade para a<br />
realidade e as nossas próprias transições.