Danah Zohar O SER QUÂNTICO

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14.04.2013 Views

13 O Ser Criativo: Nós como Co-autores do Mundo Somos as abelhas do invisível. Loucamente juntamos o mel do visível para armazená-lo na grande colméia dourada do invisível. Rilke, Carta a Hulewicz A criatividade essencial dos seres humanos percorre, como um tema, toda nossa história e cultura. Vemo-nos como "homem, o artífice" e, em termos científicos modernos, estabelecemos a origem de nossa espécie remontando ao dia em que o homem fez sua primeira ferramenta. Sentimos que de algum modo nossa criatividade nos distingue das feras, definindo nossa humanidade. Em termos religiosos, nossa criatividade tem sido considerada a razão de nossa humanidade, a raison d'être da existência humana. Esse tema surge, por exemplo, na tradição mística judaica, que afirma que Deus fez o homem porque precisava de um parceiro na criação, 1 e na filosofia de Henri Bergson, que acreditava que todo o propósito do processo evolutivo era o de Deus “empreender a criação de criadores". 2 É também, evidentemente, uma idéia que permeia a poesia de Rilke. "Terra! Invisível", escreve ele em Elegias de Duíno, "qual seu urgente comando senão a transformação?" 3 E é a nós que esse comando é dado, a nós, "abelhas do invisível" que por intermédio de nosso viver a um só tempo realizamos e transformamos o silencioso potencial da terra. Algo em nossa natureza é tal que a criatividade repousa no cerne de nosso significado. Certamente sentimos isso a nosso respeito de modo modesto enquanto cuidamos de nossa vidinha diária e, se refletirmos sobre nosso comportamento, freqüentemente veremos que um "afã criativo" é a motivação de boa parte dele. Coisas singelas como as primeiras pinturas de uma criança ou suas primeiras tentativas de empilhar blocos de madeira; o desejo posterior de construir maquetes, esculpir em sabão, fazer potes de argila, cestas; e a inclinação adulta pelos hobbies do tipo "faça você mesmo", pela decoração de suas casas e de sua própria pessoa são todas expressões básicas da mesma tendência que motiva a escrever poemas ou sinfonias ou articular novas visões religiosas. Ainda mais básico, reconhecemos que há algo criativo em enfrentar um novo desafio, estabelecer um novo relacionamento, abrir um novo caminho. Tais atividades, como suas contrapartidas mais artísticas, nos estimulam e nos fazem crescer — criam

algo dentro de nós. Quando não há uma maneira clara de dar vazão para a vontade que os motiva, sentimo-nos entediados ou estagnados, ou mesmo diminuídos em nossa própria humanidade — daí as referências ao "efeito desumanizador" do trabalho rotineiro da fábrica ou dos sistemas burocráticos que não deixam espaço para a iniciativa. Para aplacar tal tédio, nos damos ao trabalho de inventar desafios em esportes e jogos, ou mesmo provocando policiais e cometendo pequenos crimes. Todos são expressão, mesmo que por vezes uma expressão distorcida, de uma profunda necessidade de ser criativo. No entanto, essa mesma criatividade, que parece definir tanto daquilo que somos, continua sendo, em si, profundamente misteriosa. Sejam quais forem os termos que estejamos acostumados a empregar, é difícil dizer exatamente o que é a criatividade, dizer o que está acontecendo quando uma criança faz um pote de barro ou quando um homem responde livremente a um desafio. Sentimos intuitivamente que ambos são diferentes de uma máquina fabricando dúzias de pratos idênticos, ou de um computador seguindo opções programadas. Sentimos que máquinas e computadores não são criativos — mas por quê? Ironicamente, os primórdios de uma resposta podem estar no ponto em que os seres humanos não são singulares. Importantes avanços científicos das últimas décadas demonstraram que ao menos parte da criatividade que associamos aos seres humanos estende-se, num nível elementar, a toda a vida. Algo na estrutura dos sistemas vivos em si — desde a mais humilde bactéria (microrganismo unicelular) até um complexo ser humano — é tal que sua própria existência cria um tipo especial de ordem intermediária entre a monotonia maçante das coisas simplesmente "largadas por aí" ou seguindo certa rotina ou determinado caminho e, no outro extremo, a perturbadora turbulência do caos. Essa ordem viva consegue de algum modo driblar a segunda lei da termodinâmica, que declara que tudo no Universo está se arruinando, ou caindo em desordem (a lei da entropia). Sua descoberta repousa no cerne da obra de Ilya Prigogine, ganhador do Prêmio Nobel, sobre "sistemas abertos" ou "dissipativos" 4 — dentre os quais os sistemas vivos são uma espécie importante • Isso também está ligado à descoberta de Herbert Fröhlich de que há coerência quântica (ordem quântica) nas células vivas. Um "sistema de Fröhlich" é um sistema quântico vivo. O tipo de ordem criada pelos sistemas vivos não é a ordem de uma operação de arrumação. Donas de casa entediadas têm razão em reclamar de que arrumar brinquedos e louças todos os dias excita muito pouco sua criatividade. A criatividade dos sistemas vivos — ao menos aquela cujas raízes estão em sua coerência quântica — surge de sua habilidade em criar o tipo de ordem que dá origem a "inteirezas relacionais", sistemas que são maiores que a soma de suas partes, e fazê-lo espontaneamente cada vez que um nível crítico de complexidade é alcançado. Prigogine os denomina "sistemas autoorganizadores". Eles são uma lei para si mesmos. A vida de uma ameba é mais que a combinação de alguns átomos de hidrocarboneto misturados a um pouco de água salgada; a do corpo humano é mais que um coração, pulmões, rins etc. É o modo como estes componentes estão reunidos num • Outros são padrões de convexão no ar ou na água ou redemoinhos em correntezas turbulentas. A essência desses sistemas é que eles não são isolados — a energia ou a matéria flui por eles e, ao fazê-lo, organiza-se num padrão particular que tanto é estável (em equilíbrio) como dinâmico.

algo dentro de nós. Quando não há uma maneira clara de dar vazão para a vontade que<br />

os motiva, sentimo-nos entediados ou estagnados, ou mesmo diminuídos em nossa<br />

própria humanidade — daí as referências ao "efeito desumanizador" do trabalho<br />

rotineiro da fábrica ou dos sistemas burocráticos que não deixam espaço para a<br />

iniciativa. Para aplacar tal tédio, nos damos ao trabalho de inventar desafios em esportes<br />

e jogos, ou mesmo provocando policiais e cometendo pequenos crimes. Todos são<br />

expressão, mesmo que por vezes uma expressão distorcida, de uma profunda<br />

necessidade de ser criativo.<br />

No entanto, essa mesma criatividade, que parece definir tanto daquilo que somos,<br />

continua sendo, em si, profundamente misteriosa. Sejam quais forem os termos que<br />

estejamos acostumados a empregar, é difícil dizer exatamente o que é a criatividade,<br />

dizer o que está acontecendo quando uma criança faz um pote de barro ou quando um<br />

homem responde livremente a um desafio. Sentimos intuitivamente que ambos são<br />

diferentes de uma máquina fabricando dúzias de pratos idênticos, ou de um computador<br />

seguindo opções programadas. Sentimos que máquinas e computadores não são<br />

criativos — mas por quê? Ironicamente, os primórdios de uma resposta podem estar no<br />

ponto em que os seres humanos não são singulares.<br />

Importantes avanços científicos das últimas décadas demonstraram que ao menos<br />

parte da criatividade que associamos aos seres humanos estende-se, num nível<br />

elementar, a toda a vida. Algo na estrutura dos sistemas vivos em si — desde a mais<br />

humilde bactéria (microrganismo unicelular) até um complexo ser humano — é tal que<br />

sua própria existência cria um tipo especial de ordem intermediária entre a monotonia<br />

maçante das coisas simplesmente "largadas por aí" ou seguindo certa rotina ou<br />

determinado caminho e, no outro extremo, a perturbadora turbulência do caos.<br />

Essa ordem viva consegue de algum modo driblar a segunda lei da<br />

termodinâmica, que declara que tudo no Universo está se arruinando, ou caindo em<br />

desordem (a lei da entropia). Sua descoberta repousa no cerne da obra de Ilya Prigogine,<br />

ganhador do Prêmio Nobel, sobre "sistemas abertos" ou "dissipativos" 4 — dentre os<br />

quais os sistemas vivos são uma espécie importante • Isso também está ligado à<br />

descoberta de Herbert Fröhlich de que há coerência quântica (ordem quântica) nas<br />

células vivas. Um "sistema de Fröhlich" é um sistema quântico vivo.<br />

O tipo de ordem criada pelos sistemas vivos não é a ordem de uma operação de<br />

arrumação. Donas de casa entediadas têm razão em reclamar de que arrumar brinquedos<br />

e louças todos os dias excita muito pouco sua criatividade. A criatividade dos sistemas<br />

vivos — ao menos aquela cujas raízes estão em sua coerência quântica — surge de sua<br />

habilidade em criar o tipo de ordem que dá origem a "inteirezas relacionais", sistemas<br />

que são maiores que a soma de suas partes, e fazê-lo espontaneamente cada vez que um<br />

nível crítico de complexidade é alcançado. Prigogine os denomina "sistemas autoorganizadores".<br />

Eles são uma lei para si mesmos.<br />

A vida de uma ameba é mais que a combinação de alguns átomos de<br />

hidrocarboneto misturados a um pouco de água salgada; a do corpo humano é mais que<br />

um coração, pulmões, rins etc. É o modo como estes componentes estão reunidos num<br />

• Outros são padrões de convexão no ar ou na água ou redemoinhos em correntezas turbulentas. A<br />

essência desses sistemas é que eles não são isolados — a energia ou a matéria flui por eles e, ao fazê-lo,<br />

organiza-se num padrão particular que tanto é estável (em equilíbrio) como dinâmico.

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