Danah Zohar O SER QUÂNTICO
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E, no entanto, queremos clamar aos céus, podem a vida e a liberdade ser assim tão terríveis? Assim tão carregadas de temíveis escolhas pelas quais devemos nos responsabilizar, e que, no entanto, surgem de uma esfera do ser que aparentemente não responde perante ninguém? Não há nada que eu possa fazer para controlar minha liberdade, encurtar as rédeas só um pouquinho? Para Sartre, cuja liberdade existencialista radical estava fundada na negação tanto da natureza humana quanto de sua essência, como também de quaisquer forças externas determinantes (regras e valores), a resposta é um decidido "não". "Eu sou minha liberdade", clama Orestes em As Moscas: Repentinamente, saída do nada, a liberdade caiu com um estrondo sobre mim, derrubando-me (...) Eu era como um homem que perdeu sua sombra. E não sobrara nada no céu, nem certo nem errado, nem ninguém que me desse ordens (...) Estranho a mim mesmo — Eu sei. Fora da natureza, contra a natureza, sem desculpas, já sem recurso, salvo pelo que encontrar dentro de mim mesmo (...) Estou sozinho, sozinho. Sozinho até morrer. 14 O próprio Sartre é obrigado a concluir que esta posição significa que "a vida humana começa no extremo do desespero", 15 e deixa-nos sem resposta para a questão de qual o fundamento para a possibilidade de encontrarmos qualquer recurso no ser necessariamente vazio do existencialismo. Dar qualquer valor a uma liberdade assim tão radical seria apenas outra expressão do desejo narcisista de que o ser esteja fundado inteiramente sobre si mesmo, com a conseqüente e inevitável alienação tanto de seu ser como dos outros. Como diz o filósofo canadense Charles Taylor: O sujeito de uma escolha radical é outro avatar da recorrente figura que nossa civilização aspira a realizar, o ego desencarnado, o sujeito que pode objetivar todo o ser, incluindo o seu próprio, e escolher dentro de uma liberdade radical. Mas esse prometido autodomínio total seria na verdade a mais total perda de si. 16 O sonho do narcisista é seu próprio pesadelo. No extremo oposto, o ser quântico não está sozinho nem vazio, tampouco está radicalmente livre no sentido que Sartre dá ao termo. Nem, aliás, o estão os processos quânticos. O colapso de uma função de onda quântica não é aleatório, não é completamente desprovido de "senso de direção" — não é, para usar o vocabulário de Sartre, totalmente contingente. Qualquer colapso é uma questão de probabilidade, e alguns resultados de um colapso são mais prováveis que outros. Para nós, sistemas quânticos humanos, o grau em que podemos pesar essas probabilidades é o grau em que podemos exercer algum controle sobre nossa liberdade. Nos processos quânticos, a probabilidade de que algo aconteça está associada à quantidade de energia exigida para fazê-lo acontecer. Se um elétron pode se transferir para uma camada de energia no átomo com muito pouco dispêndio de energia, e para um outro nível com grande dispêndio de energia, há muito maior probabilidade de que ele faça a transição de baixa energia. Ele é livre para fazer qualquer transição, nada é determinado, mas é muito provável que ele escolha a opção mais fácil. E assim ocorre também conosco, embora por sermos muito mais complexos que os elétrons, os fatores que influenciam as exigências energéticas de nossas várias escolhas também são mais complexos. Como pessoa quântica tenho natureza e essência. Tenho um corpo, tendências
genéticas, experiências e reflexões sobre essas experiências, tenho caráter e sou em grande parte definida pelos relacionamentos que estabeleço com os outros. Todas essas qualidades causam impacto em minha memória quântica, naquele ponto de encontro indeterminado entre o ser que sou e o ser em que estou me tornando — aquele ponto onde são feitas as escolhas. E a natureza desse impacto é que ele influencia as probabilidades de minhas escolhas. Toda a história e constituição de meu ser aumentam a probabilidade de que eu faça certas escolhas e diminuem a probabilidade de fazer outras. Como seres quânticos, nós nos construímos à medida que vamos indo, tecemos a trama de nosso ser por meio do diálogo contínuo com nosso passado, com nossa experiência, com o meio ambiente e com os outros. Uma parte importante desse diálogo são as razões que atribuímos às várias escolhas que poderemos fazer, e como elas se encaixam no contexto total de nossas vidas e daquilo a que damos valor. Portanto, embora as razões em si não determinem as escolhas que fazemos, elas desempenham um papel vital quando se trata de tornar algumas escolhas mais prováveis que outras. As razões especiais que ligamos a qualquer conjunto de escolhas possíveis influenciam a probabilidade de fazermos alguma escolha em especial. A razão ligada à possível escolha de deixar de fumar é a de que isso prolongará minha vida; a razão ligada a não deixar de fumar é a de que isso me dá prazer. Mas, dada a associação destas razões com aquelas escolhas, é mais provável que eu decida parar de fumar. A associação entre razão e escolha torna as escolhas corretas mais fáceis, menos exigentes de energia, ela faz a balança pender, mas não garante o resultado desejado. No processo de viver, pensar e relacionar-se, estamos reforçando ou modificando as probabilidades de que nossas escolhas tenham este ou aquele resultado em particular. Estamos viciando os dados quânticos e canalizando a direção de nossa liberdade. Cada escolha que faço tem influência sobre a próxima que farei, pois aumenta ou diminui a probabilidade desta escolha. Nenhuma das minhas escolhas, não importando quão diminuta ela seja, está despida de significado para o resto de minha vida. Obviamente, tal canalização tem mais eficácia à medida que nosso caráter e nossa capacidade de discernimento amadurecem, e estamos corretos em não responsabilizar as crianças e os deficientes mentais por suas ações como fazemos com os adultos normais. A liberdade daqueles é tão real quanto a do adulto maduro, mas seu resultado será provavelmente muito mais aleatório, ou muito mais carregado de tendências genéticas ou desequilíbrios químicos do cérebro. O efeito de nosso estilo de vida e das escolhas do passado sobre o peso das probabilidades de nossas escolhas futuras também empresta certa verdade limitada às alegações sociológicas e psicológicas de que nosso histórico, nosso ambiente ou nossos contatos influenciam nossas escolhas. Mas isso é muito diferente de dizer que eles determinam tais escolhas. Somos sempre livres para decidir contra o peso das probabilidades, fazer escolhas que despendem mais energia, e esta liberdade nos torna responsáveis. As histórias de pessoas que superaram seus históricos e suas circunstâncias para fazer coisas surpreendentes ou grandiosas nos inspiram justamente por lembrar-nos de que também nós poderíamos agir contra as probabilidades, de que a responsabilidade
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grande parte definida pelos relacionamentos que estabeleço com os outros. Todas essas<br />
qualidades causam impacto em minha memória quântica, naquele ponto de encontro<br />
indeterminado entre o ser que sou e o ser em que estou me tornando — aquele ponto<br />
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probabilidades de minhas escolhas. Toda a história e constituição de meu ser aumentam<br />
a probabilidade de que eu faça certas escolhas e diminuem a probabilidade de fazer<br />
outras.<br />
Como seres quânticos, nós nos construímos à medida que vamos indo, tecemos a<br />
trama de nosso ser por meio do diálogo contínuo com nosso passado, com nossa<br />
experiência, com o meio ambiente e com os outros. Uma parte importante desse diálogo<br />
são as razões que atribuímos às várias escolhas que poderemos fazer, e como elas se<br />
encaixam no contexto total de nossas vidas e daquilo a que damos valor. Portanto,<br />
embora as razões em si não determinem as escolhas que fazemos, elas desempenham<br />
um papel vital quando se trata de tornar algumas escolhas mais prováveis que outras. As<br />
razões especiais que ligamos a qualquer conjunto de escolhas possíveis influenciam a<br />
probabilidade de fazermos alguma escolha em especial.<br />
A razão ligada à possível escolha de deixar de fumar é a de que isso prolongará<br />
minha vida; a razão ligada a não deixar de fumar é a de que isso me dá prazer. Mas,<br />
dada a associação destas razões com aquelas escolhas, é mais provável que eu decida<br />
parar de fumar. A associação entre razão e escolha torna as escolhas corretas mais<br />
fáceis, menos exigentes de energia, ela faz a balança pender, mas não garante o<br />
resultado desejado.<br />
No processo de viver, pensar e relacionar-se, estamos reforçando ou modificando<br />
as probabilidades de que nossas escolhas tenham este ou aquele resultado em particular.<br />
Estamos viciando os dados quânticos e canalizando a direção de nossa liberdade. Cada<br />
escolha que faço tem influência sobre a próxima que farei, pois aumenta ou diminui a<br />
probabilidade desta escolha. Nenhuma das minhas escolhas, não importando quão<br />
diminuta ela seja, está despida de significado para o resto de minha vida.<br />
Obviamente, tal canalização tem mais eficácia à medida que nosso caráter e nossa<br />
capacidade de discernimento amadurecem, e estamos corretos em não responsabilizar as<br />
crianças e os deficientes mentais por suas ações como fazemos com os adultos normais.<br />
A liberdade daqueles é tão real quanto a do adulto maduro, mas seu resultado será<br />
provavelmente muito mais aleatório, ou muito mais carregado de tendências genéticas<br />
ou desequilíbrios químicos do cérebro.<br />
O efeito de nosso estilo de vida e das escolhas do passado sobre o peso das<br />
probabilidades de nossas escolhas futuras também empresta certa verdade limitada às<br />
alegações sociológicas e psicológicas de que nosso histórico, nosso ambiente ou nossos<br />
contatos influenciam nossas escolhas. Mas isso é muito diferente de dizer que eles<br />
determinam tais escolhas. Somos sempre livres para decidir contra o peso das<br />
probabilidades, fazer escolhas que despendem mais energia, e esta liberdade nos torna<br />
responsáveis.<br />
As histórias de pessoas que superaram seus históricos e suas circunstâncias para<br />
fazer coisas surpreendentes ou grandiosas nos inspiram justamente por lembrar-nos de<br />
que também nós poderíamos agir contra as probabilidades, de que a responsabilidade