Danah Zohar O SER QUÂNTICO

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14.04.2013 Views

gato quântico, está simultaneamente vivo e morto. Isto é, ele tem a responsabilidade conjunta de se tornar um dos dois, mas qual das duas possibilidades se realizará é algo totalmente indeterminado. Não há nenhuma lei clássica arrumadinha que me diga que olhando de um jeito para ele o matarei e olhando de outro jeito o salvarei. Tais resultados são estritamente questão de probabilidade. Muitas pessoas imaginaram que essa indeterminação quântica poderia ser relevante na questão do livre-arbítrio do ser humano, 8 mas, sem um modelo quântico sólido da consciência em si sobre o qual baseá-la, tal compreensão não se desenvolveu. Creio que podemos avançar um pouco mais agora. Na fronteira de nossos processos de pensamento somos todos gatos quânticos, funções de ondas quânticas indeterminadas (padrões no condensado de Bose-Einstein do cérebro), contendo variáveis e múltiplos graus de realidade e irrealidade. Se atentarmos levemente para o conteúdo de nossa mente consciente em qualquer momento, percebemos um vago arranjo de múltiplos pensamentos, de "pensamentos possíveis". Essas áreas-lirnite da consciência, a "penumbra da mente" da qual falam alguns poetas, são mais acessíveis pouco antes de adormecermos, em estados de meditação profunda ou sob a influência de certas drogas, mas estão sempre presentes, ali na fronteira de qualquer ato de concentração. Sua realidade está nublada e seu futuro indeterminado, aguardando algum ato de realização. Sem elas não haveria nenhuma base para a multiplicidade de significados poéticos que distingue a poesia da prosa, nem alimento para a fantasia e a imaginação. Freud falou dessas imagens emaranhadas e múltiplas na fronteira da consciência como o "processo primário" do funcionamento mental, ou o "pensar mágico" que se presta à eliminação da tensão causada pelos anseios conflitantes do instinto através da realização de desejos na imaginação. Mas ele via o processo primário como surgindo de um estágio primário, pré-lógico de nosso desenvolvimento mental, como algo que atrapalha nossa adaptação à realidade e que deve, portanto, ser reprimido ou superado. Em termos quânticos, porém, esta margem obscura e indeterminada de pensamento é a precondição necessária de todo pensamento, pois reflete a origem quântica de nosso pensamento. É a base física de nossa criatividade e de nossa liberdade. Cada ato de concentração é um ato de realização do pensamento. Todos já tiveram a experiência de que o processo de concentração traz o colapso da função de onda de uma sobreposição de conjuntos de pensamentos possíveis, embora poucos tenham expressado a coisa dessa forma antes de serem apresentados ao vocabulário quântico. Ao focalizar qualquer pensamento único, aquele pensamento torna-se uma realidade clássica, e os outros desaparecem como sombras na noite. Assim, cada ato de concentração expressa uma forma diminuta de liberdade. Nada determina qual dos muitos "pensamentos possíveis" irei focalizar, pois o próprio "eu" que focaliza é em si uma função de onda quântica indeterminada; porém, através do ato de focalizar, uma escolha é feita. No ato de observar o gato de Schrödinger eu o mato ou salvo; ao observar minha própria consciência, eu confiro realidade a alguns de meus pensamentos possíveis ou perco alguns deles. Um exemplo banal poderá ajudar a concretizar um pouco mais a noção da natureza indeterminada da escolha. Se eu me sentir desconfortável depois de ficar aqui

em frente à minha escrivaninha escrevendo este livro durante várias horas, talvez me pegue encarando o vazio, a cabeça cheia de imagens sugerindo que estraçalhe meu computador, que saia para um passeio, que dê uns pulinhos, que vá de bicicleta até o campo ou que permaneça aqui até virar uma estátua. Muito rapidamente vejo todas essas imagens de uma vez só, todas elas vivas num só momento, como a libertina quântica que tinha um lar com cada um de seus amantes simultaneamente. Mas meu desconforto físico me levará a me concentrar e, quando fizer isso — pelo próprio ato de me concentrar —, escolherei uma das possíveis fontes de alívio para minha tensão e agirei segundo ela. Uma escolha, nesses termos, é nada mais que um ato de concentração que provoca o colapso da função de onda do ' 'pensamento possível''. Mas ninguém poderá dizer que aquela escolha específica foi determinada por meu desconforto. Qualquer das minhas alternativas o teria aliviado. O desconforto pedia apenas alguma escolha. A escolha em si foi livre. Essa capacidade de auto-reflexão, de pensar sobre si mesmo e assim, por meio da concentração, provocar o colapso de sua própria função de onda, baseia-se na física de alguns condensados de Bose-Einstein (incluindo aqueles que constituem a base física de nossa consciência), nas diferentes propriedades físicas apresentadas por tais sistemas quânticos durante um estado de baixa ou alta energia. Num estado de baixa energia, os condensados de Bose-Einstein apresentam os conhecidos efeitos de sobreposição quântica de múltiplas possibilidades vividos por nós nas imagens toldadas de nossa vida de sonho, o crepúsculo gótico da imaginação. Num estado de alta energia, esses condensados comportam-se quase classicamente, perdendo seus efeitos quânticos de sobreposição. Tal mecanismo alternativo, levando o condensado de propriedades quânticas de baixa energia a propriedades clássicas de alta energia, foi ilustrado pela primeira vez nas "junções Josephson", os circuitos supercondutores que deram ao físico inglês Brian Josephson o Prêmio Nobel de física em 1973. 9 Como conseguiam reunir em uma unidade física macroscópica (de grande escala) as propriedades de ambos, sistemas quântico e clássico, as junções Josephson trouxeram alguma esperança aos que gostariam de criar um computador quântico, 10 um computador que combinasse as vantagens dos efeitos quânticos de sobreposição (principalmente a liberdade de escolher simultaneamente uma ampla gama de possibilidades) com a lógica clássica dos computadores. Mas condensados supercondutores de Bose-Einstein só funcionam em temperaturas extremamente baixas e, portanto, a tecnologia necessária para empregar a descoberta de Josephson em um computador, seja ele quântico ou clássico, continua até agora dispendiosa demais para ser viável. No cérebro humano, porém, onde condensados de Bose-Einstein do tipo Fröhlich funcionam em temperatura corporal, não há tal problema. O cérebro é, portanto, um exemplo bem-sucedido de "computador quântico" que emprega a física das junções Josephson. • Dizer isto, no entanto, tem implicações humanas muitíssimo diferentes do • Um aparte para aqueles que querem conhecer mais a respeito da física desse tema: num circuito supercondutor padrão, a corrente elétrica circulante tem valor definido. Mas na junção Josephson, que é um circuito com ligação fraca, o valor energético do condensado se enfraquece, permitindo a

em frente à minha escrivaninha escrevendo este livro durante várias horas, talvez me<br />

pegue encarando o vazio, a cabeça cheia de imagens sugerindo que estraçalhe meu<br />

computador, que saia para um passeio, que dê uns pulinhos, que vá de bicicleta até o<br />

campo ou que permaneça aqui até virar uma estátua.<br />

Muito rapidamente vejo todas essas imagens de uma vez só, todas elas vivas num<br />

só momento, como a libertina quântica que tinha um lar com cada um de seus amantes<br />

simultaneamente. Mas meu desconforto físico me levará a me concentrar e, quando fizer<br />

isso — pelo próprio ato de me concentrar —, escolherei uma das possíveis fontes de<br />

alívio para minha tensão e agirei segundo ela. Uma escolha, nesses termos, é nada mais<br />

que um ato de concentração que provoca o colapso da função de onda do ' 'pensamento<br />

possível''.<br />

Mas ninguém poderá dizer que aquela escolha específica foi determinada por meu<br />

desconforto. Qualquer das minhas alternativas o teria aliviado. O desconforto pedia<br />

apenas alguma escolha. A escolha em si foi livre.<br />

Essa capacidade de auto-reflexão, de pensar sobre si mesmo e assim, por meio da<br />

concentração, provocar o colapso de sua própria função de onda, baseia-se na física de<br />

alguns condensados de Bose-Einstein (incluindo aqueles que constituem a base física de<br />

nossa consciência), nas diferentes propriedades físicas apresentadas por tais sistemas<br />

quânticos durante um estado de baixa ou alta energia.<br />

Num estado de baixa energia, os condensados de Bose-Einstein apresentam os<br />

conhecidos efeitos de sobreposição quântica de múltiplas possibilidades vividos por nós<br />

nas imagens toldadas de nossa vida de sonho, o crepúsculo gótico da imaginação. Num<br />

estado de alta energia, esses condensados comportam-se quase classicamente, perdendo<br />

seus efeitos quânticos de sobreposição.<br />

Tal mecanismo alternativo, levando o condensado de propriedades quânticas de<br />

baixa energia a propriedades clássicas de alta energia, foi ilustrado pela primeira vez nas<br />

"junções Josephson", os circuitos supercondutores que deram ao físico inglês Brian<br />

Josephson o Prêmio Nobel de física em 1973. 9 Como conseguiam reunir em uma<br />

unidade física macroscópica (de grande escala) as propriedades de ambos, sistemas<br />

quântico e clássico, as junções Josephson trouxeram alguma esperança aos que<br />

gostariam de criar um computador quântico, 10 um computador que combinasse as<br />

vantagens dos efeitos quânticos de sobreposição (principalmente a liberdade de escolher<br />

simultaneamente uma ampla gama de possibilidades) com a lógica clássica dos<br />

computadores. Mas condensados supercondutores de Bose-Einstein só funcionam em<br />

temperaturas extremamente baixas e, portanto, a tecnologia necessária para empregar a<br />

descoberta de Josephson em um computador, seja ele quântico ou clássico, continua até<br />

agora dispendiosa demais para ser viável.<br />

No cérebro humano, porém, onde condensados de Bose-Einstein do tipo Fröhlich<br />

funcionam em temperatura corporal, não há tal problema. O cérebro é, portanto, um<br />

exemplo bem-sucedido de "computador quântico" que emprega a física das junções<br />

Josephson. • Dizer isto, no entanto, tem implicações humanas muitíssimo diferentes do<br />

• Um aparte para aqueles que querem conhecer mais a respeito da física desse tema: num circuito<br />

supercondutor padrão, a corrente elétrica circulante tem valor definido. Mas na junção Josephson, que é<br />

um circuito com ligação fraca, o valor energético do condensado se enfraquece, permitindo a

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