Danah Zohar O SER QUÂNTICO

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14.04.2013 Views

planta, caminho pelas montanhas —, torno-me mais unida a ela e, portanto, mais "natural" dentro de mim mesma. Na medida em que ouço criativamente músicas bonitas, absorvo a essência dessa beleza (os relacionamentos que ela revela) e, ao mesmo tempo, dou ao valor "beleza" mais um ancoradouro neste mundo. Tudo isso tem enormes implicações na educação das crianças e oferece uma razão de ser física para alguns dos princípios educacionais descritos por Platão na República. 18 Como a base do compromisso pessoal é o sentido de que o outro de alguma forma faz parte de mim mesmo, um compromisso com pessoas estranhas fica mais difícil, mas não impossível. Afinal, realmente partilhamos de uma mesma natureza básica ao nível da consciência, de uma história filogenética e de um destino planetário com todos os outros seres humanos, assim como uma tênue correlação quântica subjacente. No entanto, tais compromissos requerem mais trabalho e, no mínimo, uma apresentação elementar ao estranho. Não faz muito sentido falar de um compromisso pessoal com alguém que reside em outro país e cuja existência desconheço, mas certamente poderei sentir um compromisso com as vítimas da fome no deserto do Sudão ou da enchente em Bangladesh após ver as imagens inquietantes de sofrimento pela televisão. Tais compromissos, porém, são mais transpessoais que interpessoais. Tem mais afinidade com valores espirituais como amor, verdade e beleza — por seu sofrimento — do que com meus relacionamentos imediatos, pessoais, com outras pessoas. O poder transformador de tais compromissos não está no fato de que a existência do distante estranho esteja em si entrelaçada à minha, mas no fato de minha tristeza por seu sofrimento renovar e reforçar meu "vínculo" com os valores transpessoais. Estes, por sua vez, trabalham para a integração de meu ser individual com o mundo exterior. Cultivando-os, eu me coloco num relacionamento com pessoas e coisas além do alcance de relacionamentos mais íntimos, privados ou familiares. Uma psicologia da pessoa baseada na natureza quântica do ser enfatiza todos esses relacionamentos e assenta o indivíduo, em virtude de sua própria natureza, no mundo do ser. Para tal indivíduo, cujo compromisso com os outros, com a natureza ou com valores espirituais está na essência de sua existência, não poderá haver uma base para distúrbios narcisistas de solidão, vazio, alienação ou envolvimento consigo mesmo. Nas palavras do poeta John Dorme, "nenhum homem é uma ilha, inteiramente para si; todo homem é um pedaço de continente, uma parte do principal". 19 Estar envolvida comigo mesma é, pela própria natureza do ser, estar envolvida com os outros. Ser já é, de início, ser em algo em que toda a realidade encontra expressão. Como disse Arthur Miller acerca da arte de Ibsen, Tchecov e dos gregos: O atraente é que eram formas de arte que permitiam, ou mesmo exigiam, que a psicologia individual e a sociedade se movessem juntas numa ligação sem emendas, como acontece na vida, embora estejamos apenas semiconscientes disso. A água está no peixe e o peixe na água. Não há como separá-los. 20 O mesmo se aplica à psicologia individual e à natureza, ou à psicologia individual e aos valores espirituais. Não podemos separar o significado do indivíduo de seu envolvimento com essas coisas. Igualmente, uma psicologia baseada na natureza quântica da pessoa traz certas

implicações morais básicas, implicações decorrentes internamente da própria natureza do ser — uma natureza que ele partilha, em seu nível mais elementar, com toda a realidade — e que lançam os alicerces para um novo tipo de ética da "lei natural". • Nisso também ela difere radicalmente dos modelos existencialista e freudiano. Para Sartre, que via a ética como algo imposto a nós por um Deus transcendente, a morte desse Deus significava a não compulsoriedade da ética Dele. "De fato, tudo é permissível se Deus não existe (...)" 21 Devo ser o criador de meus próprios valores, o guardião de minha própria consciência. Para Freud, a ética nos é imposta pelo superego cultural, e suas exigências impossíveis são uma imensa fonte de neuroses. Ele presume que o ego do homem será psicologicamente capaz de qualquer coisa que lhe for exigida, que seu ego tem domínio ilimitado sobre seu id. Isso é um erro (...) Se for exigido demais de um homem, uma revolta ou uma neurose se produzirá nele, ou ele se tornará infeliz. O mandamento "ama a teu próximo como a ti mesmo" é impossível de ser cumprido; tal inflação de amor só poderá diminuir seu valor. 22 Em conseqüência disso, Freud e todos seus seguidores aconselhavam neutralidade moral como técnica fundamental no tratamento dos pacientes. Psicanálise e psicoterapia deveriam ser despidas de valores para que o paciente pudesse explorar seus sentimentos sem culpa nem inibição. Qualquer esboço de referência a ética provocava acusações de "moralizador" contra o terapeuta. Embora poucos analistas ou psicoterapeutas tenham intentado tal procedimento, essa técnica terapêutica livre de valores vazou para a mente popular como uma desculpa generalizada para a visão de que quase toda forma de comportamento é aceitável, ou ao menos desculpável, quando se é "honesto" ou quando suas raízes estão nos desejos básicos ou históricos da psique. Isso ajudou a reforçar um perigoso relativismo moral e uma timidez servil em face do certo e do errado elementares. Mas, numa visão quântica da pessoa, é impossível não amar meu próximo como a mim mesma, pois meu próximo sou eu mesma, sem sombra de dúvida, no caso de termos algum tipo de intimidade. Meu relacionamento com o próximo é parte de minha autodefinição, parte desse ser que eu amo, se é que amo a mim mesma. Numa psicologia quântica, não há pessoas isoladas. Existem indivíduos, que possuem identidade, significado e propósito, mas, como as partículas, cada um é uma breve manifestação de uma particularidade. Essa particularidade está em correlação não-local com todas as outras particularidades e, em certo grau, entrelaçada a elas. Tudo o que cada um de nós faz afeta todos os demais, direta e fisicamente. Sou guardiã de meu irmão porque meu irmão é parte de mim, assim como minha mão é parte de meu corpo. Se machuco minha mão, meu corpo inteiro sente a dor. Ao ferir minha consciência — ocupando-a com pensamentos maliciosos, egoístas ou maldosos — estou ferindo todo o "campo" não-localmente conectado da consciência. Cada um de nós, em virtude de nosso relacionamento integral com os outros, com a natureza e com o mundo dos valores, tem a capacidade de beatificar ou manchar as águas da eternidade. • A plena justificativa para esta afirmação se tornará mais clara nos capítulos subseqüentes.

implicações morais básicas, implicações decorrentes internamente da própria natureza<br />

do ser — uma natureza que ele partilha, em seu nível mais elementar, com toda a<br />

realidade — e que lançam os alicerces para um novo tipo de ética da "lei natural". •<br />

Nisso também ela difere radicalmente dos modelos existencialista e freudiano.<br />

Para Sartre, que via a ética como algo imposto a nós por um Deus transcendente, a<br />

morte desse Deus significava a não compulsoriedade da ética Dele. "De fato, tudo é<br />

permissível se Deus não existe (...)" 21 Devo ser o criador de meus próprios valores, o<br />

guardião de minha própria consciência.<br />

Para Freud, a ética nos é imposta pelo superego cultural, e suas exigências<br />

impossíveis são uma imensa fonte de neuroses.<br />

Ele presume que o ego do homem será psicologicamente capaz de qualquer coisa que lhe<br />

for exigida, que seu ego tem domínio ilimitado sobre seu id. Isso é um erro (...) Se for<br />

exigido demais de um homem, uma revolta ou uma neurose se produzirá nele, ou ele se<br />

tornará infeliz. O mandamento "ama a teu próximo como a ti mesmo" é impossível de ser<br />

cumprido; tal inflação de amor só poderá diminuir seu valor. 22<br />

Em conseqüência disso, Freud e todos seus seguidores aconselhavam neutralidade<br />

moral como técnica fundamental no tratamento dos pacientes. Psicanálise e psicoterapia<br />

deveriam ser despidas de valores para que o paciente pudesse explorar seus sentimentos<br />

sem culpa nem inibição. Qualquer esboço de referência a ética provocava acusações de<br />

"moralizador" contra o terapeuta.<br />

Embora poucos analistas ou psicoterapeutas tenham intentado tal procedimento,<br />

essa técnica terapêutica livre de valores vazou para a mente popular como uma desculpa<br />

generalizada para a visão de que quase toda forma de comportamento é aceitável, ou ao<br />

menos desculpável, quando se é "honesto" ou quando suas raízes estão nos desejos<br />

básicos ou históricos da psique. Isso ajudou a reforçar um perigoso relativismo moral e<br />

uma timidez servil em face do certo e do errado elementares.<br />

Mas, numa visão quântica da pessoa, é impossível não amar meu próximo como a<br />

mim mesma, pois meu próximo sou eu mesma, sem sombra de dúvida, no caso de<br />

termos algum tipo de intimidade. Meu relacionamento com o próximo é parte de minha<br />

autodefinição, parte desse ser que eu amo, se é que amo a mim mesma.<br />

Numa psicologia quântica, não há pessoas isoladas. Existem indivíduos, que<br />

possuem identidade, significado e propósito, mas, como as partículas, cada um é uma<br />

breve manifestação de uma particularidade. Essa particularidade está em correlação<br />

não-local com todas as outras particularidades e, em certo grau, entrelaçada a elas.<br />

Tudo o que cada um de nós faz afeta todos os demais, direta e fisicamente. Sou<br />

guardiã de meu irmão porque meu irmão é parte de mim, assim como minha mão é<br />

parte de meu corpo. Se machuco minha mão, meu corpo inteiro sente a dor. Ao ferir<br />

minha consciência — ocupando-a com pensamentos maliciosos, egoístas ou maldosos<br />

— estou ferindo todo o "campo" não-localmente conectado da consciência. Cada um de<br />

nós, em virtude de nosso relacionamento integral com os outros, com a natureza e com<br />

o mundo dos valores, tem a capacidade de beatificar ou manchar as águas da eternidade.<br />

• A plena justificativa para esta afirmação se tornará mais clara nos capítulos subseqüentes.

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