Danah Zohar O SER QUÂNTICO
Danah Zohar O SER QUÂNTICO
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Os animais, argumentou ele, incluindo os seres humanos, têm seu comportamento<br />
movido pelos inseparáveis instintos do sexo e da agressão. Nos humanos, estes instintos<br />
controlam as forças escuras e hidráulicas do id e são a causa subjacente, inconsciente de<br />
tudo o que fazemos. Elas nos prendem à natureza e nos aprisionam ali, feras entre feras.<br />
Para o próprio Freud não há como firmarmos um compromisso com a natureza,<br />
com a fera interior. A tarefa da consciência — o ego — é suprimir e transcender esses<br />
escuros instintos por meio do poder da racionalidade. Daí seu famoso aforismo: "Onde<br />
foi o id será o ego". E, no entanto, essa mesma renúncia, sobre a qual repousa nossa<br />
civilização, nos envolve num conflito trágico e impossível.<br />
Os valores espirituais — amor, verdade, beleza, questionamento etc. —, que<br />
solidificam nossa vida e nos elevam acima das feras, surgem, na opinião de Freud, da<br />
sublimação (transformação) de nossos instintos naturais mais primitivos. O ímpeto em<br />
direção a essa sublimação surge dos ditames do superego — a interiorização<br />
inconsciente dos valores sociais e padrões de comportamento aprendidos através de<br />
nossos pais. Esses ditames não nos são próprios, não são parte de nossa natureza básica.<br />
São, antes, impostos de fora exatamente para dobrar essa natureza. Fazem com que nos<br />
sintamos culpados e nos colocam em guerra contra nós mesmos.<br />
"Se", diz Freud, "a civilização impõe tão grandes sacrifícios não só à sexualidade<br />
do ser humano como também a sua agressividade, podemos compreender por que é tão<br />
difícil para ele se sentir feliz nessa civilização. Na verdade, o homem primitivo estava<br />
bem melhor desconhecendo restrições ao instinto. Em contrapartida, suas perspectivas<br />
de desfrutar dessa felicidade por um tempo apreciável eram bem menores. O homem<br />
civilizado trocou muitas de suas oportunidades de felicidade por uma parcela de<br />
segurança." 12<br />
Portanto, nossos valores espirituais são um compromisso prudente e conveniente.<br />
Não há como nos comprometermos com eles. Eles não são o material de que somos<br />
feitos, mas, antes, o vestuário (bastante desconfortável) com o qual cobrimos nossa<br />
verdadeira natureza. Sua retirada solta a fera dentro de nós e destrói nossa civilização;<br />
seu uso nos sufoca e distorce.<br />
A ênfase existencialista no compromisso, a que muitos psicanalistas atribuem a<br />
ampliação do escopo de seu trabalho e sua mudança de ênfase, padece de defeitos muito<br />
semelhantes, embora expressos de forma diferente.<br />
Tanto para Sartre como para Heidegger em sua fase inicial (O Ser e o Tempo), a<br />
distância intransponível entre o ser e os outros dá ao compromisso interpessoal uma<br />
qualidade arbitrária e egocêntrica. Comprometo-me porque eu decidi assim, não porque<br />
o outro, que é apenas um espelho que reflete narcisisticamente minha existência, possa<br />
estar de qualquer modo solicitando tal compromisso. Sou eu, minha escolha, o que<br />
empresta significado e valor ao compromisso, e eu que me beneficio por estar assim<br />
exercitando minha liberdade.<br />
A natureza do "eu" dos existencialistas empresta ainda uma qualidade caprichosa<br />
e arbitrária à sua visão de compromisso, ou escolha, especialmente quando diz respeito<br />
a compromisso com valores espirituais ou com a natureza.<br />
Para Sartre, como para Freud, não há como se pensar num compromisso com o