pdf do livro - Colégio Emilie de Villeneuve

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Brilho intenso<br />

sobre azul profun<strong>do</strong><br />

por<br />

Patrizia Bergamaschi<br />

Congregação das Irmãs <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />

da Imaculada Conceição <strong>de</strong> Castres<br />

2009<br />

Ano da Beatificação <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>


2<br />

2009 © por Patrizia Romana <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong> Bergamaschi<br />

Título original: Brilho intenso sobre azul profun<strong>do</strong><br />

Traduzi<strong>do</strong> para o Francês por Gerard Duchene<br />

Traduzi<strong>do</strong> para o Espanho por María Marta Ramayo<br />

Congregação das Irmãs <strong>de</strong> Nossa Senhora da Imaculada Conceição <strong>de</strong> Castres<br />

SEDE GERAL<br />

Via Vincenzo Viara <strong>de</strong> Ricci, 24<br />

00168 – ROMA<br />

T. (39) 06 30 51863 / F. (39) 06 30 106 39<br />

CASA MÃE<br />

11, Avenue <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong><br />

B.P. 319 – 81105 – CASTRES<br />

T. (33) 05 63 62 76 12 / F. (33) 05 63 62 58 08<br />

Site Mundial: www.cic-castres.org<br />

Criação e Produção Gráfica: I<strong>de</strong>ntità Comunicação – Adriana Bergamaschi<br />

Capa/Ilustração: <strong>Emilie</strong>, por Hilda Souto<br />

Fotografias: Arquivos da Congregação<br />

Pré-Impressão: Sant’Ana Birô<br />

Reserva<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os direitos. Nenhuma parte <strong>de</strong>sta obra po<strong>de</strong>rá ser reproduzida<br />

por fotocópia, microfilme, processo fotomecânico ou eletrônico sem permissão<br />

expressa <strong>do</strong> autor e da Congregação.<br />

Impresso no Brasil / Novembro 2009<br />

Martino et Anna Dea Bergamaschi<br />

Ad carissimam memoriam


Primeira Parte<br />

Ser 4<br />

Introdução 5<br />

A França 6<br />

A vida no tempo 8<br />

As mulheres 9<br />

Uma mulher 13<br />

Breve cronologia da vida <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> 15<br />

<strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong> 17<br />

A funda<strong>do</strong>ra 21<br />

Jesus Salva<strong>do</strong>r 23<br />

Soeur Marie 26<br />

Segunda Parte<br />

Servir 40<br />

Obras abertas por <strong>Emilie</strong> no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua vida 44<br />

Coração mar afora 50<br />

Terceira Parte<br />

Testemunhar 64<br />

Quarta Parte<br />

Santificar 90<br />

Últimas Linhas 96<br />

Índice<br />

3


S empre foi <strong>de</strong> gosto geral saber da vida <strong>de</strong> pessoas que,<br />

<strong>de</strong> alguma forma, marcaram a história <strong>de</strong> seu tempo.<br />

A difícil e arriscada tarefa nem sempre recupera a verda<strong>de</strong>,<br />

mas apenas transita entre especulações e suposições.<br />

Além disso, alguns biógrafos conduzem uma espécie <strong>de</strong><br />

julgamento da história nas páginas que escrevem, esquecen<strong>do</strong>-se<br />

<strong>de</strong> que ela não é um tribunal, mas o tempo e o<br />

espaço em que homens e mulheres constroem suas vidas,<br />

com seus limites e progressos, com um conhecimento e<br />

saber próprios que evoluem subordina<strong>do</strong>s a i<strong>de</strong>ologias e<br />

tantas outras contingências que só aquele momento consegue<br />

bem justificar.<br />

Sua história entrelaça-se à <strong>de</strong> tantas<br />

outras mulheres, mas se distingue, porque ela<br />

<strong>de</strong>cidiu escrevê-la na sequência das páginas <strong>do</strong><br />

Evangelho e entregar sua vida para amar e servir.<br />

Uma mulher<br />

“<strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>”,<br />

<strong>de</strong>talhe <strong>do</strong> retrato<br />

que se encontra na<br />

Casa Mãe<br />

13


14<br />

Há, por parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> contemporâneo, uma tendência<br />

a <strong>de</strong>sconfiar <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, como se tivéssemos chega<strong>do</strong><br />

ao auge da civilização. Uma rápida olhada ao nosso<br />

re<strong>do</strong>r já revela as múltiplas contradições que se suce<strong>de</strong>m<br />

em to<strong>do</strong>s os campos: falamos <strong>de</strong> direitos humanos e <strong>de</strong>mocracia,<br />

mas as injustiças, as guerras, o terrorismo não<br />

se cansam <strong>de</strong> inventar novas formas <strong>de</strong> me<strong>do</strong> e tirania; a<br />

ciência amplia a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e, simultaneamente, a<br />

ameaça; queixamo-nos <strong>de</strong> vazio espiritual e filosófico, mas<br />

multiplicam-se as peregrinações em busca <strong>de</strong> alternativas<br />

religiosas, <strong>de</strong> novos caminhos para uma efetiva ética<br />

planetária. Vivemos, como sempre, tempos <strong>de</strong> procura<br />

<strong>de</strong> senti<strong>do</strong> e <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>, por isso, é preciso ver o passa<strong>do</strong><br />

sem travas nos olhos, mas como parte <strong>de</strong> um trilhar<br />

incansável e sem fim.<br />

<strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong> foi uma mulher <strong>de</strong> seu tempo,<br />

com as marcas daqueles dias da França pós-revolucionária,<br />

com os costumes <strong>de</strong> uma nobreza rural que tentava se<br />

reerguer em sua dignida<strong>de</strong>, habituada à vida num castelo,<br />

educada para ser uma dama...<br />

Sua história entrelaça-se à <strong>de</strong> tantas outras mulheres,<br />

mas se distingue, porque ela <strong>de</strong>cidiu escrevê-la na seqüência<br />

das páginas <strong>do</strong> Evangelho e entregar sua vida para<br />

amar e servir.


1811 – nasce no dia 9 <strong>de</strong> março, em Toulouse,<br />

sul da França<br />

1812 – volta para casa após passar um ano com<br />

a ama <strong>de</strong> leite<br />

1814 – o pai assume a capitania <strong>de</strong> uma fragata<br />

1815 – nascimento <strong>do</strong> irmão e início da <strong>do</strong>ença<br />

da mãe<br />

1825 – morte da mãe<br />

1826 – o pai assume a prefeitura <strong>de</strong> Castres e filhos<br />

a cargo da avó<br />

1828 – morte da irmã Octavie<br />

1829 – o pai cria o merca<strong>do</strong> central, <strong>Emilie</strong> assume<br />

a direção <strong>do</strong> castelo e passa a ser a referência<br />

da família<br />

1830 – <strong>Emilie</strong> quer ser filha da carida<strong>de</strong><br />

1832 – o pai é eleito conselheiro municipal<br />

e monta pequenas indústrias<br />

1836 – fundação da Congregação<br />

1837 – abertura <strong>de</strong> oficinas <strong>de</strong> costura para moças<br />

1838 – obra na prisão<br />

1841 – 4º voto: trabalhar pela salvação das almas<br />

1846 – abertura <strong>do</strong> Refúgio<br />

1847 – partida das primeiras missionárias<br />

para a África<br />

1853 – pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong> superiora<br />

1854 – morre no dia 2 <strong>de</strong> outubro, única vítima<br />

<strong>de</strong> cólera na cida<strong>de</strong>.<br />

Breve cronologia da vida <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong><br />

15


16<br />

Hauterive<br />

Entrada <strong>do</strong> castelo<br />

<strong>de</strong> Hauterive, residência<br />

oficial da família <strong>Villeneuve</strong>


Avida <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong> não é extraordinária.<br />

Extraordinário será o rumo que ela dará à sua vida,<br />

pautan<strong>do</strong>-a no diapasão <strong>de</strong> Deus, construin<strong>do</strong> um caminho<br />

diferente <strong>do</strong> que lhe seria reserva<strong>do</strong> por sua condição<br />

<strong>de</strong> nobre e <strong>de</strong> mulher, abrin<strong>do</strong>-se generosamente ao Espírito<br />

que, naquele momento e naquele lugar, a impulsionava<br />

a agir concretamente, mas a olhar sempre mais longe.<br />

<strong>Emilie</strong> era a terceira filha <strong>de</strong> Louis <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong> e<br />

Rose d’Avessens e nasceu em Toulouse, no sul da França,<br />

no dia 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1811. Os pais haviam escapa<strong>do</strong> da<br />

Revolução <strong>de</strong> 1889 e construíram sua família sobre valores<br />

morais e cristãos, sem ostentações, mas com disciplina<br />

e respeito. A vida transcorria no campo, em Hauterive,<br />

longe <strong>do</strong>s apelos brilhantes da capital, mas com cultura e<br />

até certa rigi<strong>de</strong>z.<br />

Um fato que viria muito a marcar a vida da pequena<br />

<strong>Emilie</strong> foi a progressiva <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> sua mãe, logo após o<br />

nascimento <strong>de</strong> seu irmão. A duas filhas mais velhas,<br />

Léontine e Octavie, eram educadas diretamente pela mãe<br />

e a primeira ficou praticamente encarregada <strong>de</strong> educar<br />

<strong>Emilie</strong>, como uma porta-voz <strong>do</strong>s ensinamentos da mãe.<br />

<strong>Emilie</strong>, por sua vez, ocupava-se, na medida <strong>do</strong> possível,<br />

da educação <strong>do</strong> caçula Lu<strong>do</strong>vic. Esse distanciamento não<br />

era fácil, mas foi forjan<strong>do</strong> um caráter forte, discreto, <strong>de</strong><br />

emoções sinceras, mas pouco da<strong>do</strong> a gran<strong>de</strong>s manifestações<br />

sentimentais.<br />

Quan<strong>do</strong> Rose d’Avessens morreu, <strong>Emilie</strong> tinha apenas<br />

quatorze anos. As meninas foram confiadas à avó paterna<br />

que morava em Toulouse e o irmão matricula<strong>do</strong> num co-<br />

<strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong><br />

17


18<br />

légio. E a vida mu<strong>do</strong>u completamente seu traça<strong>do</strong> cotidiano<br />

feito <strong>de</strong> caminhadas pelo campo, <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras<br />

pela gran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> poucas mas sinceras amiza<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong> estu<strong>do</strong> regular. Foi o momento <strong>de</strong> conhecer o outro<br />

la<strong>do</strong>, mundano, festivo, embriagante <strong>de</strong> beleza e <strong>de</strong><br />

poesia, sedutor. Desse tempo, <strong>Emilie</strong> guardaria a lembrança<br />

<strong>do</strong> vazio, <strong>do</strong> afastamento das coisas <strong>de</strong> Deus.<br />

Outro triste episódio feriu profundamente sua a<strong>do</strong>lescência:<br />

a morte <strong>de</strong> Octavie. As duas mortes prematuras na<br />

família, certamente, amadureceram-na pela <strong>do</strong>r, adiantan<strong>do</strong>-lhe<br />

os embates da vida adulta que <strong>de</strong>veriam ser enfrenta<strong>do</strong>s<br />

com coragem.<br />

Dividida entre a casa da avó, que já estava cega, em<br />

Toulouse, e a vida em Hauterive, <strong>Emilie</strong> pô<strong>de</strong>, então mais<br />

consciente e responsável, <strong>de</strong>sfrutar também <strong>do</strong> convívio<br />

Vista aérea <strong>do</strong> castelo <strong>de</strong> Hauterive Pátio interior <strong>do</strong> castelo


<strong>de</strong> alguns sacer<strong>do</strong>tes que lhe foram orientan<strong>do</strong> e nutrin<strong>do</strong><br />

a jovem alma, <strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> algo mais eleva<strong>do</strong>, mais profun<strong>do</strong>,<br />

que lhe justificasse toda a existência.<br />

O casamento da irmã mais velha e a morte da avó trouxeram-na<br />

<strong>de</strong>finitivamente a Hauterive, on<strong>de</strong> o pai lhe entregou,<br />

aos vinte anos, o coman<strong>do</strong> da casa.<br />

Começava a etapa <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong> sua vida: a opção por<br />

cuidar <strong>do</strong>s pobres e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser totalmente <strong>de</strong> Deus.<br />

Isso era o que lhe ia no coração, enquanto a realida<strong>de</strong> era<br />

a administração da proprieda<strong>de</strong>, a oposição da família, a<br />

carida<strong>de</strong> generosa, o aprendiza<strong>do</strong> com o espírito empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> pai, uma compreensão mais complexa da vida<br />

<strong>do</strong>s pobres.<br />

A família lhe pediu quatro anos ainda, para que pensasse<br />

bem naquela história <strong>de</strong> ser filha da carida<strong>de</strong>, isto é,<br />

Capela <strong>do</strong> castelo Ruas <strong>de</strong> Toulouse<br />

19


20<br />

“Logo será preciso<br />

<strong>de</strong>ixar tu<strong>do</strong> isso;<br />

quan<strong>do</strong> a natureza<br />

pensa nisso, ela<br />

se inquieta porque<br />

estes lugares me<br />

são queri<strong>do</strong>s.”<br />

<strong>Emilie</strong> a<br />

Coraly <strong>de</strong> Gaïx<br />

“Meu pai, é por Deus que vos <strong>de</strong>ixo”<br />

<strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong><br />

religiosa na Congregação <strong>de</strong> São Vicente, bem conhecida<br />

por seu carisma <strong>de</strong> trabalhar com os pobres. Nesse<br />

tempo, forjou-se uma outra realida<strong>de</strong>: fundar uma família<br />

religiosa. Não era intenção <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> tornar-se funda<strong>do</strong>ra,<br />

exatamente porque seu maior <strong>de</strong>sejo era ser uma<br />

humil<strong>de</strong> serva, <strong>de</strong>sconhecida, totalmente nas mãos <strong>de</strong> seu<br />

Senhor, mas, pouco a pouco, foi perceben<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>ria<br />

servir, talvez mais perfeita e concretamente e, sim,<br />

fazer a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, seu único e maior objetivo.


Retrato <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>,<br />

Casa Mãe – Castres<br />

A funda<strong>do</strong>ra<br />

21


“Só Deus é tu<strong>do</strong> e o resto, nada” <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong><br />

22<br />

Aos olhos <strong>de</strong>sse início <strong>de</strong> século XXI po<strong>de</strong> ser difícil<br />

enten<strong>de</strong>r que uma jovem mulher, instruída e rica,<br />

queira apostar sua vida em “fazer a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus”.<br />

O que isso realmente significa?<br />

Não se po<strong>de</strong>, todavia, compreen<strong>de</strong>r a vida das gran<strong>de</strong>s<br />

almas se não for na perspectiva <strong>de</strong> uma profunda fé e <strong>de</strong><br />

um imenso amor, vivi<strong>do</strong>s com intensida<strong>de</strong>, na peregrinação<br />

<strong>do</strong>s dias nem sempre claros <strong>de</strong> certeza, mas na escuta<br />

fiel, paciente, humil<strong>de</strong> e amorosa que as caracteriza. <strong>Emilie</strong><br />

já era uma jovem gran<strong>de</strong> alma, que se preparava para ser<br />

ainda mais. E querer fazer a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus não significa<br />

<strong>de</strong>ixar as coisas acontecerem, per<strong>de</strong>r o senso crítico e o<br />

<strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> si, mas, pelo contrário, significa viver o dinamismo<br />

da graça divina, na ação, da <strong>do</strong>ação.<br />

Foi, pois, <strong>de</strong> um olhar para os céus e <strong>de</strong> outro para a<br />

realida<strong>de</strong> que nasceria a família religiosa que brotou no<br />

coração <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong> como uma açucena entre<br />

os espinhos, iluminada por uma estrela <strong>de</strong> brilho<br />

inigualável, que em Deus só <strong>de</strong>positaria to<strong>do</strong> seu significa<strong>do</strong><br />

e <strong>de</strong>stino. Assim, em 1836, após um curto novicia<strong>do</strong><br />

junto às irmãs da Visitação <strong>de</strong> Toulouse, com o apoio integral<br />

<strong>do</strong> bispo <strong>de</strong> Albi e diante da população que acompanhava<br />

admirada a cerimônia <strong>de</strong> vestição e o compromisso<br />

<strong>do</strong>s votos, <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>, com mais duas companheiras,<br />

fun<strong>do</strong>u a Congregação das Irmãs <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />

da Imaculada Conceição. Era o dia 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro:<br />

Maria, a mais bela estrela <strong>do</strong> firmamento lhes abriria caminhos<br />

pelo mun<strong>do</strong>, guardan<strong>do</strong>-as na luz.


Uma família não se sustenta se não tiver uma base<br />

sólida para constituí-la. O alicerce sobre o qual<br />

<strong>Emilie</strong> constrói a Congregação é Jesus Salva<strong>do</strong>r.<br />

Mas o que intuía <strong>Emilie</strong> quan<strong>do</strong> se apoiava em Jesus<br />

Salva<strong>do</strong>r? Quan<strong>do</strong> Jesus nasceu, os anjos que o anunciam<br />

aos pastores da noite dizem: “Hoje nasceu-vos um Salva<strong>do</strong>r”.<br />

O próprio Cristo, quan<strong>do</strong> começou sua vida pública,<br />

na sinagoga <strong>de</strong> Nazaré, leu o que profeta Isaías escrevera<br />

a respeito <strong>do</strong> Messias Salva<strong>do</strong>r: “O Espírito <strong>do</strong> Senhor<br />

está sobre mim, porque me ungiu para levar a boa nova<br />

aos pobres, anunciar aos cativos a libertação e aos cegos a<br />

restauração da vista, dar liberda<strong>de</strong> aos<br />

oprimi<strong>do</strong>s, proclamar o ano <strong>de</strong> graça <strong>do</strong><br />

Senhor” (Lc 4, 18-19). Era esse o programa<br />

<strong>de</strong> Jesus.<br />

O Salva<strong>do</strong>r vem mudar a história, vem<br />

resgatar a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana,<br />

vem transformar a sua vida, vem libertála<br />

das amarras que a socieda<strong>de</strong> criou e<br />

que escravizam, aprisionam e marginalizam.<br />

O Salva<strong>do</strong>r coloca-se <strong>de</strong> joelhos, lava<br />

os pés <strong>do</strong>s discípulos e ensina a servir, a<br />

ser o menor. O Salva<strong>do</strong>r esten<strong>de</strong> a mão<br />

para a menina que to<strong>do</strong>s julgavam morta<br />

e a chama à vida. O Salva<strong>do</strong>r não permite<br />

que apedrejem a peca<strong>do</strong>ra, mas a<br />

trata com respeito. O Salva<strong>do</strong>r não <strong>de</strong>ixa<br />

que afastem <strong>de</strong>le as crianças, mas as abençoa e as abraça.<br />

O Salva<strong>do</strong>r não tem uma casa e está, sempre e incansavel-<br />

Jesus Salva<strong>do</strong>r<br />

Jesus Salva<strong>do</strong>r, por<br />

Cláudio Pastro,<br />

São Paulo – Brasil<br />

23


24<br />

mente, trabalhan<strong>do</strong>. O Salva<strong>do</strong>r aproxima-se estrangeiro,<br />

<strong>do</strong> leproso, <strong>do</strong> cego, <strong>do</strong> sur<strong>do</strong> e os cura. O Salva<strong>do</strong>r dános<br />

o Pai.<br />

Não é para fazer carida<strong>de</strong> que <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong>ixa sua vida<br />

no castelo e todas as comodida<strong>de</strong>s e privilégios <strong>de</strong> que<br />

dispunha. Ela se consagra a Deus para po<strong>de</strong>r, livre e plenamente,<br />

imitar – o mais perfeitamente que sua fragilida<strong>de</strong><br />

humana lhe permitir, e o mais intensamente que a<br />

graça atuar nela – Jesus Salva<strong>do</strong>r.<br />

Se assim não fosse, ela po<strong>de</strong>ria ter fica<strong>do</strong> com a idéia <strong>do</strong><br />

pai <strong>de</strong> criar algo para os pobres e continuar fazen<strong>do</strong> a carida<strong>de</strong>.<br />

<strong>Emilie</strong> enten<strong>de</strong>u perfeitamente que a missão a que<br />

propunha não se sustentaria apenas com as obras <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>,<br />

mas pedia toda sua vida, assim como Jesus entregou-se<br />

para nos revelar o Pai.<br />

É para tentar imitar Jesus Salva<strong>do</strong>r, servo obediente,<br />

para aprofundar em sua intimida<strong>de</strong>, que ela se faz pobre<br />

com os pobres. Para ser sinal visível <strong>de</strong> que, diante <strong>de</strong><br />

todas as circunstâncias que apelam contra a vida, que<br />

valorizam o prazer e as aparências, Deus só tem uma resposta<br />

e um projeto <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. E nisso valia a pena<br />

apostar até o último tijolo <strong>do</strong> castelo, até a última gota<br />

<strong>de</strong> seu próprio sangue.<br />

Por isso, no primeiro Regulamento da Congregação,<br />

<strong>Emilie</strong> explicitava vivamente:<br />

“A obra <strong>de</strong> misericórdia consistirá em distribuir o<br />

pão to<strong>do</strong>s os dias, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a lista feita com a<br />

ajuda <strong>do</strong>s párocos, a fim <strong>de</strong> saber quem são os pobres;


cuidaremos <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes que nos apresentarem. Todas as<br />

manhãs, se estiverem pior, iremos vê-los em suas casas;<br />

para os que são pobres, chamaremos o médico; teremos<br />

também uma oficina <strong>de</strong> costura e ensinaremos às jovens<br />

to<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> trabalho. Se tivermos fun<strong>do</strong>s, educaremos<br />

em casa as jovens órfãs, pobres e expostas aos maus<br />

exemplos <strong>de</strong> suas famílias; vamos nos encarregar da comida<br />

<strong>do</strong>s presos e <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas roupas. Eis aqui,<br />

mais ou menos, as principais obras. Se, com o tempo,<br />

outras obras se apresentarem e as pu<strong>de</strong>rmos assumir,<br />

nós iremos aceitá-las, por exemplo: uma sala para aquecer<br />

os pobres”.<br />

(Manuscrito preparatório – 1936 – art.1)<br />

É nesse espírito que quer formar as irmãs, ao mesmo<br />

tempo que ela mesmo se empenha com todas as<br />

suas forças:<br />

“As irmãs contraíram uma obrigação <strong>de</strong> viver da<br />

vida <strong>de</strong>sse Deus Salva<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> seguir seus divinos exemplos<br />

e <strong>de</strong> entrar, pela prática, no verda<strong>de</strong>iro espírito <strong>do</strong><br />

Evangelho. Elas se impregnarão <strong>do</strong> espírito <strong>de</strong>sse bom<br />

Salva<strong>do</strong>r e se esforçarão para fazer tu<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> esse<br />

espírito <strong>de</strong> mansidão, <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>do</strong>m <strong>de</strong> si para<br />

a glória <strong>de</strong> Deus”.<br />

(Const.1840 nº 128)<br />

“Felizes vocês que<br />

se comprometem<br />

por voto a salvar<br />

as almas <strong>de</strong> seus<br />

irmãos, a formar para<br />

Deus corações que,<br />

por sua vez,<br />

o tornarão conheci<strong>do</strong><br />

e ama<strong>do</strong>”.<br />

(Const. 1840 nº 125)<br />

25


Soeur Marie<br />

26<br />

Len<strong>do</strong> sua biografia, seus escritos, tu<strong>do</strong> o que disseram<br />

a respeito <strong>de</strong>la, encontramos, em primeiro lugar,<br />

uma mulher completamente senhora <strong>de</strong> si, alguém <strong>de</strong><br />

seu tempo, que tinha um i<strong>de</strong>al gran<strong>de</strong>, maior <strong>do</strong> que ela,<br />

sem dúvida alguma, mas que não fingia ser o que não era.<br />

Entre a nobre <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>, filha <strong>de</strong> um homem<br />

empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r, prefeito, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> distinção, moça<br />

culta e educada que seria um bom parti<strong>do</strong> para a alta socieda<strong>de</strong>,<br />

e a boníssima soeur Marie que <strong>de</strong>scascava batatas na<br />

hora <strong>do</strong> recreio, que trabalhava sem parar, que se tornou<br />

mãe e <strong>de</strong>fensora <strong>do</strong>s pobres, das marginalizadas, das crianças,<br />

<strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes, há uma coerência convincente que a torna<br />

uma autorida<strong>de</strong>.<br />

Optan<strong>do</strong> pelos pobres, ela aban<strong>do</strong>nou<br />

sua riqueza e começou uma verda<strong>de</strong>ira<br />

luta para dar dignida<strong>de</strong> ao<br />

pobre: ao mesmo tempo, pois, que os<br />

ajudava, que os curava, que os acolhia,<br />

ela também os promovia, os educava,<br />

os capacitava ao trabalho.<br />

O que lemos no Primeiro Regulamento<br />

dá uma idéia da dimensão <strong>de</strong><br />

sua preferência por eles. Acima da organização,<br />

fundamental para o bom<br />

funcionamento <strong>de</strong> qualquer instituto,<br />

está a lei <strong>do</strong> amor e <strong>do</strong> serviço:<br />

<strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>: sœur Maria


“Receberemos em casa as pessoas que vêm ver<br />

as irmãs, somente da uma às duas da tar<strong>de</strong>, porém, os que<br />

não vivem na cida<strong>de</strong>, os receberemos a qualquer hora (...).<br />

Os pobres serão recebi<strong>do</strong>s a qualquer hora.<br />

Durante o resto <strong>do</strong> dia, sem permissão, não se receberá<br />

ninguém, exceto os pobres”.<br />

(Primeiro Regulamento 1937 – nº<br />

Sua bonda<strong>de</strong> não era assistencialista; era cari<strong>do</strong>sa, humana,<br />

mas combativa, ativa e... discreta. A filha <strong>do</strong> marquês<br />

que <strong>de</strong>ixou seu castelo não per<strong>de</strong>u a nobreza <strong>de</strong> seus<br />

gestos, a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, a discrição elegante e silenciosa.<br />

O que fez foi por amor, não para falarem <strong>de</strong>la, não para<br />

se <strong>de</strong>stacar. O que fez não foi sempre extraordinário, mas<br />

foi o que era preciso ser feito naquela ocasião.<br />

Ela viveu a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> das pequenas coisas e, sem dúvida,<br />

essa é a mais difícil, porque os gran<strong>de</strong>s feitos quase<br />

que se sustentam moralmente por si mesmos, mas o cotidiano<br />

é anônimo, rotineiro, comum, sem público e sem<br />

nenhum brilho.<br />

“A Boa Madre dava pouco trabalho para as noviças;<br />

até então, elas e as professas passavam o recreio limpan<strong>do</strong><br />

as verduras, <strong>de</strong>scascan<strong>do</strong> as batatas que eram<br />

preparadas para os presos e a comunida<strong>de</strong>. Imaginem<br />

nossa querida funda<strong>do</strong>ra fazen<strong>do</strong> esse serviço com suas<br />

primeiras filhas. Todas tinham um cesto sobre os joelhos,<br />

<strong>de</strong>scascan<strong>do</strong> batatas, ou algumas favas, ou ervi-<br />

27


28<br />

“O que Deus<br />

vos pe<strong>de</strong> não é<br />

o sucesso,<br />

mas a vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> fazer bem”.<br />

(Diretório nº<br />

Sainte Flavienne,<br />

vista externa<br />

lhas ou vagens, conforme a estação. A Boa Madre <strong>de</strong>dicava-se<br />

a esses trabalhos e os aperfeiçoava como uma<br />

coisa importante; é bem verda<strong>de</strong> que os santos fazem<br />

bem aquilo que fazem. Trabalhan<strong>do</strong> assim, ela alegrava<br />

as irmãs”.<br />

(Memórias da Congregação – nº177)<br />

<strong>Emilie</strong> recebeu também um <strong>do</strong>m: o <strong>de</strong> saber olhar para<br />

o outro e amá-lo em sua fragilida<strong>de</strong>, apenas por aquilo<br />

que ele é. Esse <strong>do</strong>m fez ainda que, ao olhar para o outro,<br />

em sua realida<strong>de</strong>, ela o tornasse próximo, não o trazen<strong>do</strong><br />

para junto <strong>de</strong>la, mas in<strong>do</strong> aon<strong>de</strong> ele estava.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> acolhida, <strong>de</strong> respeito<br />

e <strong>de</strong> (re)construção <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> vida.<br />

Fundamenta-se essa meto<strong>do</strong>logia no que po<strong>de</strong>ríamos


chamar <strong>de</strong> “espiritualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> caminho e da partilha”,<br />

em que Deus é a fonte <strong>de</strong> toda verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o bem,<br />

mas seus traços estão fortemente impressos nos rostos<br />

carentes, sujos, perdi<strong>do</strong>s, aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, famintos que ela<br />

encontrava.<br />

“No mês <strong>de</strong> maio seguinte, uma jovem, balconista,<br />

assistin<strong>do</strong>, numa tar<strong>de</strong>, por curiosida<strong>de</strong>, ao mês <strong>de</strong><br />

Maria, na igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> La Platé, foi<br />

tocada pela graça. No dia seguinte, ela procurou o<br />

vigário da paróquia e se confessou. Este a acolheu com<br />

a mansidão e a carida<strong>de</strong> que o distinguiam em todas<br />

as circunstâncias relacionadas à glória <strong>de</strong> Deus e a<br />

salvação das almas e, após tê-la encoraja<strong>do</strong> bastante,<br />

enviou-a a nossa Boa Madre, a fim <strong>de</strong> que ela a instruísse<br />

nos mistérios <strong>de</strong> nossa santa religião. Ele a enca-<br />

Sainte Flavienne,<br />

Casa <strong>de</strong> Acolhida –<br />

As meninas <strong>do</strong> Refúgio<br />

em seu pátio <strong>de</strong><br />

recreação<br />

29


30<br />

Castres ontem<br />

minhou também a uma senhora para apren<strong>de</strong>r a costurar,<br />

aconselhou-a a se apresentar mais simplesmente<br />

e a aju<strong>do</strong>u no sustento.<br />

Infelizmente, Léontine não perseverou por muito<br />

tempo em suas boas resoluções. Durante vários dias,<br />

ela não ousou sair para pedir os conselhos <strong>de</strong> nossa<br />

Boa Madre e os <strong>de</strong> seu confessor, porque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

aparecia nas ruas, as crianças, pagas para isso, gritavam<br />

e jogavam-lhe terra e pedras.<br />

Eu a vi, num <strong>do</strong>mingo<br />

à tar<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> voltávamos<br />

<strong>de</strong> um passeio; ela estava<br />

num hotel. Através <strong>do</strong>s vidros<br />

da janela, ela olhava<br />

passar nossas internas. Um<br />

rubor cobriu seu rosto. Com<br />

um olhar envergonha<strong>do</strong>, ela<br />

procurava ver nossa Boa<br />

Madre. Ela voltou, ainda<br />

uma vez, para vê-la. A Boa<br />

Madre disse-nos muitas vezes quanto lamentava esta<br />

pessoa e que nada lhe teria custa<strong>do</strong> para reconduzila<br />

a Deus”.<br />

(Memórias da Congregação – nº 19)<br />

E a dimensão espiritual da vida comunitária que ela<br />

criou, ao fundar a Congregação, exprime-se na disponibilida<strong>de</strong>,<br />

na humilda<strong>de</strong>, na transparência, na confiabilida<strong>de</strong>


e, sobretu<strong>do</strong>, na partilha <strong>do</strong>s bens, <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns e na observância<br />

da pobreza.<br />

Com insistência, ela recomenda às irmãs:<br />

“Elas aceitarão, felizes, as missões que lhes forem confiadas<br />

junto aos pobres. Elas se regozijarão <strong>de</strong> ir aon<strong>de</strong><br />

o Senhor as chamar. Seus corações estarão cheios <strong>de</strong> entusiasmo,<br />

cada vez que essas missões lhes forem confiadas,<br />

segun<strong>do</strong> a Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus”.<br />

(Const.1840 nº 568)<br />

“Rezem muito pelas pessoas<br />

com quem estão em relação.<br />

Testemunhem mansidão,<br />

generosida<strong>de</strong>, abnegação<br />

para com to<strong>do</strong>s; tenham,<br />

no entanto, uma santa<br />

predileção pelos pobres, pequenos,<br />

fracos e aflitos, e reprovem-se<br />

como uma negligência<br />

a menor falta em lhes proporcionar ajuda e<br />

consolação”.<br />

(Diretório 1852 nº 103)<br />

Descobrin<strong>do</strong> em sua espiritualida<strong>de</strong> um estilo <strong>de</strong> vida<br />

concreto, uma vida vivida, uma vida interior unificada ao<br />

re<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma missão, encontramos, hoje, também para<br />

nós, um impulso, uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partilhar, viven-<br />

Castres hoje<br />

31


32<br />

Emblema<br />

da Congregação<br />

ciar esse carisma que po<strong>de</strong> ser aplica<strong>do</strong>, resignifica<strong>do</strong>, imita<strong>do</strong>,<br />

na contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos dias.<br />

A espiritualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> é uma verda<strong>de</strong>ira escola e,<br />

apesar <strong>do</strong>s longos anos que nos separam <strong>de</strong> sua existência,<br />

ela ainda tem muito a nos ensinar, começan<strong>do</strong> por uma<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada, mas não impulsiva, <strong>de</strong>sorganizada,<br />

sonha<strong>do</strong>ra. <strong>Emilie</strong> sonha e sonha longe, mas não <strong>de</strong>vaneia<br />

em quimeras.<br />

Ela é exigente, sobretu<strong>do</strong> em relação a si mesma,<br />

por isso po<strong>de</strong> ser em relação aos outros e ser<br />

correspondida. Ela é capaz <strong>de</strong> confiar no outro,<br />

avalian<strong>do</strong> suas reais possibilida<strong>de</strong>s e condições,<br />

para evitar seu fracasso e o <strong>de</strong>sânimo.<br />

“Nossa digna funda<strong>do</strong>ra era tão atenta a<br />

tu<strong>do</strong> que, uma vez, num passeio, nossas irmãs<br />

aceitaram algumas ameixas <strong>de</strong> uma mulher,<br />

parente <strong>de</strong> uma das alunas. No recreio, elas<br />

contaram o fato como brinca<strong>de</strong>ira. A Boa<br />

Madre não o julgou assim; disse às irmãs que haviam<br />

feito isso que tinham falta<strong>do</strong> à regra. (...) Num outro<br />

passeio, em que a Boa Madre estava, recusou alguns<br />

<strong>do</strong>ces que um senhor que a estimava muito, lhe ofereceu,<br />

mas permitiu às postulantes e às alunas comerem.<br />

Ela ia algumas vezes levar as internas na vinha<br />

<strong>de</strong> seus pais: mas nunca colheu um cacho sequer para<br />

si mesma.


Duas vezes por ano, ela levava as irmãs e as alunas<br />

a Hauterive para passar o dia. Chegan<strong>do</strong> lá, era para a<br />

Boa Madre um prazer levar as irmãs à usina, ao moinho,<br />

a passear sobre a água, e mandava preparar, para<br />

o almoço, aquilo <strong>de</strong> que mais gostávamos (...). À tar<strong>de</strong>,<br />

ela pedia para seu pai que nos mandasse levar <strong>de</strong> carro.<br />

No começo, um gran<strong>de</strong> carro bastava; quan<strong>do</strong> o número<br />

aumentou, ela fazia entrar no carro as que estavam<br />

mais cansadas e as mais fracas”.<br />

(Memórias nº 180)<br />

“Sim, minhas irmãs, eu as incentivo, renovemo-nos<br />

no Senhor. Amemo-nos todas em Deus e por Deus,<br />

tenhamos um só coração e uma só alma para cumprir,<br />

em tu<strong>do</strong> e em toda parte, sua santa vonta<strong>de</strong>.<br />

Como seremos felizes quan<strong>do</strong> Deus Só reinar em nossos<br />

corações, em nosso espírito, em nossa vonta<strong>de</strong>”.<br />

(Correspondência – nº<br />

33


34<br />

Ela não espera que as coisas caiam <strong>do</strong> céu: ela “cava a<br />

terra”, trabalha, planeja, discute, pe<strong>de</strong> opinião, não me<strong>de</strong><br />

esforços, mantém os pés no chão e o coração no alto. Ela<br />

ama a verda<strong>de</strong>, a transparência da ação, a retidão da intenção,<br />

sabe reconhecer um esforço, não hesita em per<strong>do</strong>ar,<br />

<strong>de</strong>sculpar, justificar.<br />

Ela é capaz <strong>de</strong> pensar no coletivo, no grupo, sem<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar o pessoal, o que é próprio <strong>de</strong> cada um. Tu<strong>do</strong><br />

o que ela faz tem uma marca <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, parece que nunca<br />

faz algo por obrigação, por <strong>de</strong>ver, mas por amor, um<br />

amor que ela não <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong> forma sentimental, exagerada,<br />

mas numa medida certa que revela confiabilida<strong>de</strong>,<br />

sincerida<strong>de</strong>, real interesse, preocupação e amiza<strong>de</strong>.<br />

“As irmãs <strong>de</strong> Oulias vieram várias vezes, passar alguns<br />

dias conosco; notaram a simplicida<strong>de</strong> e a bonda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> nossa digna funda<strong>do</strong>ra e diziam ao partir: “É bom<br />

morar com vossa Madre; sente-se à vonta<strong>de</strong> em sua companhia!”<br />

Ven<strong>do</strong> como se servia no refeitório: “Não compreen<strong>do</strong><br />

como essa senhora, que é <strong>de</strong> boa família, possa<br />

viver tão frugalmente! Como conseguiu habituar-se a<br />

isso?” Admiravam sua vida simples, gentil e afável”.<br />

(Memórias nº 247)<br />

“Conhecer e fazer conhecer Deus,<br />

amá-lo e faz com que seja ama<strong>do</strong>”<br />

<strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>


“Que as irmãs saibam, claramente, que por esse voto<br />

que fazem <strong>de</strong> trabalhar pela salvação das almas,<br />

contraem uma obrigação semelhante à obediência,<br />

à pobreza e à castida<strong>de</strong> religiosa”.<br />

(Costumeiro D nº<br />

Carta <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong><br />

às Irmãs<br />

35


(Carta ao padre<br />

Schwin<strong>de</strong>nhammer<br />

nº 594)<br />

36<br />

Sua espiritualida<strong>de</strong> não se constitui apenas das muitas<br />

experiências que faz <strong>de</strong> Deus ao longo <strong>de</strong> sua vida,<br />

mas <strong>de</strong> uma experiência essencial que a marca integralmente<br />

e que acaba por cativar e seduzir quem <strong>de</strong>la se<br />

aproxima.<br />

Em vista disso, para sua Congregação, pe<strong>de</strong> ainda o<br />

direito <strong>de</strong> fazer um quarto voto: trabalhar pela salvação<br />

das almas e que po<strong>de</strong>mos entendê-lo na primeira interpretação<br />

própria <strong>de</strong> sua época, isto é, <strong>de</strong> conversão, mas<br />

também no senti<strong>do</strong> amplo, que se explica na dimensão<br />

mesma da compreensão <strong>do</strong> mistério <strong>de</strong> Jesus Salva<strong>do</strong>r.<br />

E a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua entrega, po<strong>de</strong> ser entrevista<br />

numa reflexão íntima que ela escreveu após um retiro,<br />

em 1852. A vida <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> não era mais sua, era oferta:<br />

“Sentin<strong>do</strong>-me, mais <strong>do</strong> que nunca, ó meu Deus, penetrada<br />

<strong>de</strong> reconhecimento à vista <strong>de</strong> seus benefícios e<br />

<strong>de</strong> confusão <strong>de</strong> ter aproveita<strong>do</strong> tão pouco <strong>de</strong>les, venho<br />

novamente te prometer amor e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>. Sim, eu sinto,<br />

ó meu Jesus, que queres meu coração sem partilha,<br />

<strong>de</strong>vo viver por ti. Tu me fazes sentir tão vivamente que<br />

és tu<strong>do</strong> e que o resto é nada, que me parece que, quan<strong>do</strong><br />

falas tão fortemente ao meu coração, será agora impossível<br />

me afastar <strong>de</strong> teu amor.<br />

Nesses momentos em que esclareces minha inteligência<br />

e tocas meu coração, eu me sinto disposta a to<strong>do</strong>s os<br />

sacrifícios e, entretanto, mais <strong>de</strong> uma vez, eu te ofen<strong>do</strong><br />

e falto com a generosida<strong>de</strong>.


Sinto-me como que atraída por força para Deus,<br />

sobretu<strong>do</strong> em certos momentos em que a impressão é<br />

tão forte que tenho dificulda<strong>de</strong> em não <strong>de</strong>ixar<br />

transparecer... Eu não saberia dizer o que penso, o que<br />

me toca.<br />

É não somente quase novo para mim, ao menos tão<br />

sensivelmente que não posso explicar. É uma mistura<br />

<strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> reconhecimento, <strong>de</strong> confusão<br />

à vista <strong>de</strong> minhas misérias, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> pertencer a<br />

Deus, <strong>de</strong> morrer a mim mesma. Eu gozo e sofro ao<br />

mesmo tempo, ainda mais que muitos pensamentos <strong>de</strong><br />

perturbação e inquietação vêm se misturar a tu<strong>do</strong> isso,<br />

não sen<strong>do</strong> fiel a todas essas graças e luzes”.<br />

(Notas pessoais – nº108)<br />

Neste pequeno <strong>livro</strong>, vamos conhecer um pouco da obra<br />

<strong>de</strong> <strong>Emilie</strong> <strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>, em seu tempo e na seqüência <strong>do</strong>s<br />

anos até hoje.<br />

A autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vida não nos <strong>de</strong>ixa indiferentes<br />

porque só se po<strong>de</strong> viver como ela viveu e fazer o que ela<br />

fez, se mover um gran<strong>de</strong> amor.<br />

<strong>Emilie</strong> morreu vítima <strong>de</strong> peste. Morreu silenciosa e discretamente,<br />

assim como viveu, como uma chama que se<br />

extingue, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> iluminar até o último instante <strong>de</strong> suas<br />

forças. Ela foi a única vítima fatal. Sem dúvida, viveu plenamente<br />

seu seguimento <strong>de</strong> Jesus Salva<strong>do</strong>r.<br />

37


Túmulo <strong>de</strong> <strong>Emilie</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Villeneuve</strong>,<br />

antes da reforma atual<br />

38<br />

Viveu na virtu<strong>de</strong><br />

Vive na lembrança<br />

Viverá na glória<br />

Não foram suas últimas palavras, porque morreu inconsciente,<br />

mas certamente era seu <strong>de</strong>sejo para os tempos<br />

se viriam e para aquelas que seguiriam seu caminho:<br />

“Tenho confiança <strong>de</strong> que Maria lançará<br />

sobre a mãe e as filhas, um olhar <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>.<br />

E ´<br />

no seu coração que as <strong>de</strong>ixo, para que as<br />

conduza ao <strong>do</strong> seu Filho”<br />

(24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1848 – Cartas a várias pessoas – nº 50)


A santida<strong>de</strong> é bela porque é<br />

o espaço plenifica<strong>do</strong> da luz.<br />

Não há nada escondi<strong>do</strong>: tu<strong>do</strong><br />

se faz verda<strong>de</strong> e movimento<br />

<strong>de</strong> abertura, <strong>de</strong> entrega, <strong>de</strong><br />

gratuida<strong>de</strong>. A santida<strong>de</strong> é<br />

bela porque é o espaço profun<strong>do</strong><br />

e sem limites da liberda<strong>de</strong>.<br />

Não há nada preso:<br />

tu<strong>do</strong> se faz vida e movimento<br />

<strong>de</strong> diálogo, <strong>de</strong> expansão<br />

e intimida<strong>de</strong>.<br />

39

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