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atração sexual entre homens e mulheres (heterossexual) seria, então, natural, definida biologicamente (seria endocrinológica, inscrita no genoma etc.), com claros (e benéficos) impulsos voltados à reprodução da espécie – impulsos estabelecidos no processo da seleção natural. A heterossexualidade vista como inata e inerente à biologia do ser sexual humano, restava à homossexualidade a condição de uma “tendência adquirida” a ser explicada por “causas”, um “fenômeno” a ser esclarecido na história da espécie e na vida dos indivíduos: causa hormonal, causa genética, causa neurogenética, causa psicossocial... ? As hipóteses são lançadas. Todavia, convém lembrar que a classificação da homossexualidade como uma entidade nosológica e sua medicalização remontam à metade do século XIX, quando a medicina e a psiquiatria tendiam a substituir a religião e o direito na definição social da normalidade. Embora a religião nunca tenha deixado de ser uma força na produção do preconceito no imaginário de nossas sociedades ditas laicas e modernas, é no contexto, pois, do desenvolvimento da ciência moderna com fins normativos que ganha lugar a importância dada à identificação da homossexualidade como fenômeno a serem averiguadas as causas. Ainda que a prática da homossexualidade esteja entre as principais práticas sexuais, ao lado da heterossexualidade e da bissexualidade, na história dos diversos povos, em todas as épocas e em todos os meios sociais, observado já por filósofos como Schopenhauer, e amplamente atestado pelas pesquisas em antropologia e história – e que um meio homossexual masculino tenha se formado nas grandes cidades ocidentais pelo menos desde o século XVI – a representação do homossexual (homem ou mulher) como um tipo clínico, tal como se conhece hoje, somente aparece nas sociedades ocidentais no século XIX. Em 870, um texto do médico alemão Carl Westphal, intitulado “As Sensações Sexuais Contrárias”, definiu a homossexualidade como um desvio sexual, abrindo caminho para teóricos da época e seus herdeiros tratarem de descobrir o que, na anatomia ou na história familiar do “doente”, pôde provocar sua “anomalia”. O termo passa a designar um tipo social particular, com pretendidas características psicológicas ou fisiológicas. Assinale-se, contudo, que o termo homossexual (do alemão Homosexualität) aparece, pela primeira vez, em 8 9, em artigos de jornais do escritor e advogado húngaro Karol Maria Kertbeny que, como muito bem esclarece o antropólogo brasileiro Luiz Mott, fazia uso do termo “homossexual” e “homossexualismo” como uma maneira de 100 [...] lutar contra o parágrafo 7 do Código Penal Alemão, que condenava os praticantes do amor do mesmo sexo à prisão com trabalhos forçados. Para proteger sua pessoa e conferir maior

espeitabilidade à defesa desta minoria discriminada, Kertbeny usou o pseudônimo de Dr. Benkert, embora nunca tivesse sido médico (MOTT, www.dhnet.org.br/direitos/militantes/luizmott/mott .html, s/d, s/p). Transformada numa anormalidade, a homossexualidade foi, durante um século, combatida ao mesmo tempo como doença, vício, crime e pecado. Não foi senão muito recentemente que a homossexualidade cessou de ser considerada como um problema mental, com a decisão, em 97 , da Associação dos psiquiatras americanos de retirá-la da lista das doenças mentais. Até 97 , as sociedades de psicanálise não aceitavam homossexuais como psicanalistas. E foi apenas em 99 que a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da lista das doenças. Convém observar que no Brasil já nos anos 80, por esforço de Luiz Mott, diversas moções de associações científicas (entre estas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Associação Brasileira de Antropologia) foram aprovadas e importantes posições de crítica ao preconceito em torno da homossexualidade foram anunciadas (MOTT, http://br.geocities.com/luizmottbr/artigos08.html, s/d., s/p.). Mas, para a maior parte das religiões, notadamente para os três monoteísmos praticados no mundo, a homossexualidade continua sendo um mal. Em 994, o papa João Paulo II declarava que a homossexualidade era “um comportamento moralmente inaceitável”. Em 00 , o Vaticano publicou seu Lexicon – que se pretende um “dicionário dos termos ambíguos” (sic.): poderíamos chamá-lo de dicionário do preconceito – em que se pode ler a homossexualidade definida como “conflito psíquico não resolvido que a sociedade não pode institucionalizar”. A lista das criações preconceituosas pronunciadas contra a homossexualidade poderia ser aumentada se acrescentássemos diversos outros exemplos da história. Uma passada rápida de olhos na legislação de certos países, ao longo do tempo, pode também oferecer uma idéia do que o preconceito produziu e de como se constituiu em dispositivo de domesticação do imaginário de nossas sociedades, tornando-se a base histórica que faz emergir o pensamento generalizado que se pergunta pela causa específica da homossexualidade. Quantos bem-intencionados não se puseram a teorizar sobre o assunto, mais vítimas do imaginário domesticado de suas épocas do que livres pensadores? Uma prática corrente na Grécia, em Roma e na China antigas, ainda que dentro de suas tradições, a homossexualidade existiu como uma instituição pedagógica entre os povos indo-europeus, base da formação dos povos europeus de hoje, 101

espeitabilidade à defesa desta minoria discrimi<strong>na</strong>da, Kertbeny<br />

usou o pseudônimo de Dr. Benkert, embora nunca tivesse sido<br />

médico (MOTT, www.dhnet.org.br/direitos/militantes/luizmott/mott<br />

.html, s/d, s/p).<br />

Transformada numa anormalidade, a homos<strong>sexual</strong>idade foi, durante um século,<br />

combatida ao mesmo tempo como doença, vício, crime e pecado. Não foi<br />

senão muito recentemente que a homos<strong>sexual</strong>idade cessou de ser considerada como<br />

um problema mental, com a decisão, em 97 , da Associação dos psiquiatras americanos<br />

de retirá-la da lista das doenças mentais. Até 97 , as sociedades de psicanálise<br />

não aceitavam homossexuais como psica<strong>na</strong>listas. E foi ape<strong>na</strong>s em 99 que<br />

a Organização Mundial da Saúde retirou a homos<strong>sexual</strong>idade da lista das doenças.<br />

Convém observar que no Brasil já nos anos 80, por esforço de Luiz Mott, diversas<br />

moções de associações científicas (entre estas a Sociedade Brasileira para o<br />

Progresso da Ciência e a Associação Brasileira de Antropologia) foram aprovadas<br />

e importantes posições de crítica ao preconceito em torno da homos<strong>sexual</strong>idade<br />

foram anunciadas (MOTT, http://br.geocities.com/luizmottbr/artigos08.html, s/d.,<br />

s/p.). Mas, para a maior parte das religiões, notadamente para os três monoteísmos<br />

praticados no mundo, a homos<strong>sexual</strong>idade continua sendo um mal. Em 994, o<br />

papa João Paulo II declarava que a homos<strong>sexual</strong>idade era “um comportamento moralmente<br />

i<strong>na</strong>ceitável”. Em 00 , o Vaticano publicou seu Lexicon – que se pretende<br />

um “dicionário dos termos ambíguos” (sic.): poderíamos chamá-lo de dicionário<br />

do preconceito – em que se pode ler a homos<strong>sexual</strong>idade definida como “conflito<br />

psíquico não resolvido que a sociedade não pode institucio<strong>na</strong>lizar”.<br />

A lista das criações preconceituosas pronunciadas contra a homos<strong>sexual</strong>idade<br />

poderia ser aumentada se acrescentássemos diversos outros exemplos da história.<br />

Uma passada rápida de olhos <strong>na</strong> legislação de certos países, ao longo do tempo, pode<br />

também oferecer uma idéia do que o preconceito produziu e de como se constituiu<br />

em dispositivo de domesticação do imaginário de nossas sociedades, tor<strong>na</strong>ndo-se<br />

a base histórica que faz emergir o pensamento generalizado que se pergunta pela<br />

causa específica da homos<strong>sexual</strong>idade. Quantos bem-intencio<strong>na</strong>dos não se puseram<br />

a teorizar sobre o assunto, mais vítimas do imaginário domesticado de suas épocas<br />

do que livres pensadores?<br />

Uma prática corrente <strong>na</strong> Grécia, em Roma e <strong>na</strong> Chi<strong>na</strong> antigas, ainda que<br />

dentro de suas tradições, a homos<strong>sexual</strong>idade existiu como uma instituição pedagógica<br />

entre os povos indo-europeus, base da formação dos povos europeus de hoje,<br />

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