Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
Tendo sido nomeados o homossexual e a homossexualidade, ou seja, o sujeito e a prática desviantes, tornava-se necessário nomear também o sujeito e a prática que lhes haviam servido como referência. Até então, o que era “normal” não tinha um nome. Era evidente por si mesmo, onipresente e, conseqüentemente (por mais paradoxal que pareça), invisível. O que, até então, não precisara ser marcado agora tinha de ser identificado. Estabelecia-se, a partir daí, o par heterossexualidade/homossexualidade (e heterossexual/homossexual), como oposição fundamental, decisiva e definidora de práticas e sujeitos. Entendia-se o primeiro elemento como primordial e o segundo como subordinado, numa oposição que, segundo teóricos contemporâneos, encontra-se onipresente na sociedade, marcando saberes, instituições, práticas, valores. Consolidava-se um marco, uma referência-mestra para a construção dos sujeitos. Numa perspectiva pós-estruturalista, nossa tarefa seria perturbar a aparente solidez desse par binário, entender que esses dois elementos estão mutuamente implicados, dependem um do outro para se afirmar, supõem um ao outro. Ainda que por toda a parte se afirme a primazia da heterossexualidade, observamos que, curiosamente, ela se constituiu como a sexualidade-referência depois da instituição da homossexualidade. A heterossexualidade só ganha sentido na medida em que se inventa a homossexualidade. Então, ela depende da homossexualidade para existir. O mesmo pode ser dito em relação ao sujeito heterossexual: sua definição carrega a negação de seu oposto. Ao dizer: eu sou heterossexual, um homem ou uma mulher acabam invariavelmente por ter de recorrer a algumas características ou marcas atribuídas ao homossexual, na medida em que ele ou ela precisam afirmar também o que não são. Do outro lado do par, o movimento será o mesmo: a homossexualidade precisa da heterossexualidade para dizer de si. Há uma reciprocidade nesse processo. A dicotomia sustenta-se numa única lógica. Mas a manutenção dessas posições hierarquizadas não acontece sem um investimento continuado e repetitivo. Para garantir o privilégio da heterossexualidade – seu status de normalidade e, o que ainda é mais forte, seu caráter de naturalidade – são engendradas múltiplas estratégias nas mais distintas instâncias (na família, na escola, na igreja, na medicina, na mídia, na lei). Através de estratégias e táticas aparentes ou sutis reafirma-se o princípio de que os seres humanos nascem como macho ou fêmea e que seu sexo – definido sem hesitação em uma destas duas categorias – vai indicar um de dois gêneros possíveis – masculino ou feminino – e conduzirá a uma única forma normal de desejo, que é o desejo pelo sujeito de sexo/ gênero oposto ao seu. 89
Esse alinhamento (entre sexo-gênero-sexualidade) dá sustentação ao processo de heteronormatividade, ou seja, à produção e à reiteração compulsória da norma heterossexual. Supõe-se, segundo essa lógica, que todas as pessoas sejam (ou devam ser) heterossexuais – daí que os sistemas de saúde ou de educação, o jurídico ou o midiático sejam construídos à imagem e à semelhança desses sujeitos. São eles que estão plenamente qualificados para usufruir desses sistemas ou de seus serviços e para receber os benefícios do Estado. Os outros, que fogem à norma, poderão na melhor das hipóteses ser reeducados, reformados (se for adotada uma ótica de tolerância e complacência); ou serão relegados a um segundo plano (tendo de se contentar com recursos alternativos, restritivos, inferiores); quando não forem simplesmente excluídos, ignorados ou mesmo punidos. Ainda que se reconheça tudo isso, a atitude mais freqüente é a desatenção ou a conformação. A heteronormatividade só vem a ser reconhecida como um processo social, ou seja, como algo que é fabricado, produzido, reiterado, e somente passa a ser problematizada a partir da ação de intelectuais ligados aos estudos de sexualidade, especialmente aos estudos gays e lésbicos e à teoria queer. Stevi Jackson ( 00 ) diz que a grande utilidade do conceito de heteronormatividade “consiste em poder nos alertar para as formas pelas quais a norma heterossexual é tramada no tecido social de nossas vidas numa série de níveis, do institucional ao cotidiano” e que isso se dá de forma consistente, ainda que, por vezes, seus efeitos sejam contraditórios. Ele sugere também que se pense nas intersecções entre “heterossexualidade” e gênero, afirmando que elas são complexas. O processo de reiteração da heterossexualidade adquire consistência (e também invisibilidade) exatamente porque é empreendido de forma continuada e constante (muitas vezes, sutil) pelas mais diversas instâncias sociais. Os discursos mais autorizados nas sociedades contemporâneas repetem a norma regulatória que supõe um alinhamento entre sexo-gênero-sexualidade. Por certo circulam ainda (e cada vez com mais força) discursos divergentes e práticas subversivas dessa norma, produzidos a partir das posições subordinadas. Movimentos organizados das chamadas “minorias sexuais” têm conseguido nas últimas décadas expressivos avanços no campo midiático ou mesmo jurídico, com alguns efeitos também no campo da educação. Há, contudo, sérios limites nesse processo, os quais pretendo indicar a seguir. Antes, me parece importante enfatizar dois pontos: 90 - Primeiro, que a norma precisa ser reiterada constantemente. Não há nenhuma garantia de que a heterossexualidade aconteça naturalmente (se isso fosse seguro, não seriam feitos tantos esforços para afirmar e reafirmar esta forma de sexualidade).
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Esse alinhamento (entre sexo-gênero-<strong>sexual</strong>idade) dá sustentação ao processo<br />
de heteronormatividade, ou seja, à produção e à reiteração compulsória da norma<br />
heteros<strong>sexual</strong>. Supõe-se, segundo essa lógica, que todas as pessoas sejam (ou devam<br />
ser) heterossexuais – daí que os sistemas de saúde ou de <strong>educação</strong>, o jurídico ou<br />
o midiático sejam construídos à imagem e à semelhança desses sujeitos. São eles<br />
que estão ple<strong>na</strong>mente qualificados para usufruir desses sistemas ou de seus serviços<br />
e para receber os benefícios do Estado. Os outros, que fogem à norma, poderão<br />
<strong>na</strong> melhor das hipóteses ser reeducados, reformados (se for adotada uma ótica de<br />
tolerância e complacência); ou serão relegados a um segundo plano (tendo de se<br />
contentar com recursos alter<strong>na</strong>tivos, restritivos, inferiores); quando não forem simplesmente<br />
excluídos, ignorados ou mesmo punidos. Ainda que se reconheça tudo<br />
isso, a atitude mais freqüente é a desatenção ou a conformação. A heteronormatividade<br />
só vem a ser reconhecida como um processo social, ou seja, como algo que é<br />
fabricado, produzido, reiterado, e somente passa a ser problematizada a partir da ação<br />
de intelectuais ligados aos estudos de <strong>sexual</strong>idade, especialmente aos estudos gays e<br />
lésbicos e à teoria queer.<br />
Stevi Jackson ( 00 ) diz que a grande utilidade do conceito de heteronormatividade<br />
“consiste em poder nos alertar para as formas pelas quais a norma heteros<strong>sexual</strong><br />
é tramada no tecido social de nossas vidas numa série de níveis, do institucio<strong>na</strong>l<br />
ao cotidiano” e que isso se dá de forma consistente, ainda que, por vezes, seus<br />
efeitos sejam contraditórios. Ele sugere também que se pense <strong>na</strong>s intersecções entre<br />
“heteros<strong>sexual</strong>idade” e gênero, afirmando que elas são complexas.<br />
O processo de reiteração da heteros<strong>sexual</strong>idade adquire consistência (e também<br />
invisibilidade) exatamente porque é empreendido de forma continuada e constante<br />
(muitas vezes, sutil) pelas mais diversas instâncias sociais. Os discursos mais<br />
autorizados <strong>na</strong>s sociedades contemporâneas repetem a norma regulatória que supõe<br />
um alinhamento entre sexo-gênero-<strong>sexual</strong>idade. Por certo circulam ainda (e cada<br />
vez com mais força) discursos divergentes e práticas subversivas dessa norma, produzidos<br />
a partir das posições subordi<strong>na</strong>das. Movimentos organizados das chamadas<br />
“minorias sexuais” têm conseguido <strong>na</strong>s últimas décadas expressivos avanços no campo<br />
midiático ou mesmo jurídico, com alguns efeitos também no campo da <strong>educação</strong>.<br />
Há, contudo, sérios limites nesse processo, os quais pretendo indicar a seguir.<br />
Antes, me parece importante enfatizar dois pontos:<br />
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- Primeiro, que a norma precisa ser reiterada constantemente. Não há nenhuma<br />
garantia de que a heteros<strong>sexual</strong>idade aconteça <strong>na</strong>turalmente (se isso<br />
fosse seguro, não seriam feitos tantos esforços para afirmar e reafirmar esta<br />
forma de <strong>sexual</strong>idade).