Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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3.3.1. Discriminação direta e homofobia Na modalidade direta, cuida-se de evitar discriminação intencional. Três são as suas principais manifestações: a discriminação explícita, a discriminação na aplicação e a discriminação na elaboração da medida ou do tratamento. Na primeira, tem-se a mais clara e manifesta hipótese: trata-se de diferenciação injusta explicitamente adotada. Uma manifestação homofóbica que ilustra a primeira situação são os cartazes espalhados por grupos neonazistas pregando o extermínio de homossexuais. Discriminação explícita também ocorre quando a diferenciação é imediatamente extraída da norma, ainda que esta não a tenha referido literalmente. É o que ocorre, por exemplo, na discriminação perpetrada contra homossexuais no regime legislativo da Previdência Social: neste caso, a redação da legislação de benefícios, ao arrolar os dependentes, almejou excluir companheiros homossexuais, como revelou de modo inconsteste a Administração 8 . A discriminação na aplicação ocorre quando, independentemente das intenções do instituidor da medida, a diferenciação ocorre de modo proposital na execução da medida. Isto acontece quando a Administração Pública emprega, em concurso público, um critério constitucionalmente proibido através de um procedimento, em tese, neutro: o exame psicotécnico. Em litígios judiciais concretos, por exemplo, constatase que a Administração Pública já se valeu, de forma deliberada e intencional, deste expediente para discriminar por orientação sexual na seleção de agentes policiais, em que pese inexistir qualquer determinação administrativa oficial neste sentido. Discriminação na aplicação do direito também ocorre na liberdade de locomoção. Eventual atividade policial, abrangendo vigilância ostensiva, advertências seguidas e averiguações constantes, fundada somente na orientação ou na conduta sexuais juridicamente lícitas, pode configurar tal espécie de discriminação, uma vez que a autoridade policial se vale de prerrogativa genérica e de poder de polícia diante de todos investido de modo especial e mais restritivo a determinado grupo, sem a presença de outra motivação que não a pertinência a um grupo discriminado. Tal foi o examinado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso em Hábeas Corpus nº 7.47 - SP. 9 Naquela oportunidade, o voto condutor assentou que “o controle policial da circulação de gays e travestis situa-se no plano do exercício do poder de polícia. Advertências que se fazem a tais indivíduos, quando circulam na busca da clientela, o fenômeno chamado de trottoir, atendem a ditames da ordem e segurança públicas, não constituindo restrição ilegal ao direito de locomoção”. Registre-se que, em situações 28 Ver, para um histórico do caso e peças processuais mais importantes, LEIVAS (2003). 29 Superior Tribunal de Justiça, DJU 11.12.2000. 74

desta espécie, é preciso atentar cuidadosamente para todas as circunstâncias do caso concreto, a fim de que legítimas preocupações com a segurança pública não sirvam de pretexto para o exercício de preconceito e discriminação. Por exemplo, a pura e simples identificação, por meio de estereótipos, da homossexualidade com a prostituição pode apontar para uma percepção preconceituosa diante da orientação sexual. Outra hipótese examinada pela jurisprudência nacional de aplicação discriminatória do direito envolveu o artigo 0 do Código de Processo Penal, que menciona a avaliação da credibilidade da testemunha entre os fatores relevantes para a capacidade de testemunhar. O Superior Tribunal de Justiça reformou decisão da Justiça do Distrito Federal que excluiu homossexual deste encargo exclusivamente em virtude de sua orientação sexual, revelando preconceito e discriminação ilegítimas. Este foi o precedente lavrado no Recurso Especial nº 4.8 7 – DF, 0 no qual ficou assentada a impropriedade da postura havida no Juízo recorrido ao afastar a testemunha alegando “grave desvio ético e moral”. Por fim, a discriminação pode ocorrer ainda na própria concepção da legislação ou da medida (discrimination by design), ainda que do seu texto não se possa inferir, literal e diretamente, a diferenciação. Isto ocorre quando a medida adota exigências que, aparentemente neutras, foram concebidas de modo intencional para causar prejuízo a certo indivíduo ou grupo. Pode-se citar, exemplificativamente, uma regra instituidora de uma exigência desnecessária de escolaridade superior num dado concurso público com o propósito de excluir pessoas negras, dado que os indicadores escolares variam substancialmente em prejuízo da população negra. Outro exemplo mais cotidiano da realidade brasileira foi a utilização, por largo tempo, da referência “boa aparência” em anúncios de emprego, objetivando, na concepção, a exclusão de negros. É importante ressaltar aqui que, não obstante a neutralidade aparente da regra, ela foi concebida com o propósito de excluir do certame ou do emprego pessoas negras, donde a sua classificação como hipótese de discriminação direta. Como manifestação direta de homofobia no direito brasileiro, pode-se trazer como exemplo o artigo do Código Penal Militar, que define o crime de pederastia ou outro ato de libidinagem. Ao destacar a prática de ato libidinoso homossexual, passivo ou ativo, em lugar sujeito à administração militar, dentre os demais atos libidinosos, fica clara a discriminação na concepção da norma penal. A legislação, é possível inferir, objetivou mais que reprimir condutas libidinosas em estabelecimentos militares. Ela foi concebida especialmente considerando a repressão da homossexualidade. Tal conclusão pode ser reforçada pela análise da jurisprudência castrense. As 30 Superior Tribunal de Justiça, DJU 26.10.1998. 75

3.3.1. Discrimi<strong>na</strong>ção direta e homofobia<br />

Na modalidade direta, cuida-se de evitar discrimi<strong>na</strong>ção intencio<strong>na</strong>l. Três são<br />

as suas principais manifestações: a discrimi<strong>na</strong>ção explícita, a discrimi<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> aplicação<br />

e a discrimi<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> elaboração da medida ou do tratamento.<br />

Na primeira, tem-se a mais clara e manifesta hipótese: trata-se de diferenciação<br />

injusta explicitamente adotada. Uma manifestação homofóbica que ilustra<br />

a primeira situação são os cartazes espalhados por grupos neo<strong>na</strong>zistas pregando<br />

o extermínio de homossexuais. Discrimi<strong>na</strong>ção explícita também ocorre quando a<br />

diferenciação é imediatamente extraída da norma, ainda que esta não a tenha referido<br />

literalmente. É o que ocorre, por exemplo, <strong>na</strong> discrimi<strong>na</strong>ção perpetrada contra<br />

homossexuais no regime legislativo da Previdência Social: neste caso, a redação da<br />

legislação de benefícios, ao arrolar os dependentes, almejou excluir companheiros<br />

homossexuais, como revelou de modo inconsteste a Administração 8 .<br />

A discrimi<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> aplicação ocorre quando, independentemente das intenções<br />

do instituidor da medida, a diferenciação ocorre de modo proposital <strong>na</strong> execução da<br />

medida. Isto acontece quando a Administração Pública emprega, em concurso público,<br />

um critério constitucio<strong>na</strong>lmente proibido através de um procedimento, em tese,<br />

neutro: o exame psicotécnico. Em litígios judiciais concretos, por exemplo, constatase<br />

que a Administração Pública já se valeu, de forma deliberada e intencio<strong>na</strong>l, deste<br />

expediente para discrimi<strong>na</strong>r por orientação <strong>sexual</strong> <strong>na</strong> seleção de agentes policiais, em<br />

que pese inexistir qualquer determi<strong>na</strong>ção administrativa oficial neste sentido.<br />

Discrimi<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> aplicação do direito também ocorre <strong>na</strong> liberdade de locomoção.<br />

Eventual atividade policial, abrangendo vigilância ostensiva, advertências seguidas<br />

e averiguações constantes, fundada somente <strong>na</strong> orientação ou <strong>na</strong> conduta sexuais juridicamente<br />

lícitas, pode configurar tal espécie de discrimi<strong>na</strong>ção, uma vez que a autoridade<br />

policial se vale de prerrogativa genérica e de poder de polícia diante de todos<br />

investido de modo especial e mais restritivo a determi<strong>na</strong>do grupo, sem a presença de<br />

outra motivação que não a pertinência a um grupo discrimi<strong>na</strong>do. Tal foi o exami<strong>na</strong>do<br />

pelo Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça ao julgar o Recurso em Hábeas Corpus nº 7.47<br />

- SP. 9 Naquela oportunidade, o voto condutor assentou que “o controle policial da<br />

circulação de gays e travestis situa-se no plano do exercício do poder de polícia. Advertências<br />

que se fazem a tais indivíduos, quando circulam <strong>na</strong> busca da clientela, o fenômeno<br />

chamado de trottoir, atendem a ditames da ordem e segurança públicas, não<br />

constituindo restrição ilegal ao direito de locomoção”. Registre-se que, em situações<br />

28 Ver, para um histórico do caso e peças processuais mais importantes, LEIVAS (2003).<br />

29 Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça, DJU 11.12.2000.<br />

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