Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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Ainda com relação à indicação dos sujeitos discriminados, um dado instigante quanto à homossexualidade é a gênese da identidade homossexual na modernidade. Segundo Michel Foucault ( 99 : 4 ), a identidade homossexual em si mesma é fruto de um processo de controle e assujeitamento dos indivíduos. Nas suas palavras, 66 [...] é necessário não esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica e médica da homossexualidade constituiu-se no dia em que foi caracterizada [...] menos como um tipo de relações sexuais do que como uma certa qualidade da sensibilidade sexual, uma certa maneira de interverter, em si mesmo, o masculino e o feminino. A homossexualidade apareceu como uma das figuras da sexualidade quando foi transferida, da prática da sodomia, para uma espécie de androginia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um reincidente, agora o homossexual é uma espécie. Neste sentido, a identidade homossexual como marcadora das vítimas da homofobia revela uma dinâmica bastante singular em face das demais categorias vitimizadas pelo sexismo, pelo racismo e pelo anti-semitismo. Como salienta Young- Bruehl ( 99 : 4 ), diversamente da condição feminina, da afrodescendência ou da judaicidade, que não foram instituídas originariamente como destinatárias de discriminação, a homossexualidade foi uma invenção dos homófobos. 7 Apontada estas características, nas relações entre a homofobia e as demais formas de discriminação, nunca é demais ressaltar a interseccionalidade do fenômeno discriminatório. Para tanto, trago à cena a combinação discriminatória entre orientação sexual e condição sorológica positiva para o vírus HIV. Como alerta Terto Jr. ( 00 ), a identificação dos homossexuais ora como vilões, ora como vítimas da Aids, produz estigmas e preconceitos decorrentes da associação Aidshomossexualidade; 8 conforme a descrição de José Toro-Alfonso ( 00 ), esta dinâmica de discriminação combinada dá origem a situações de vulnerabilidade e violência experimentadas por homossexuais na América Latina. Nesta linha, Richard Parker e Kenneth R. de Camargo ( 000) arrolam opressões e discriminações 17 Não se ignora a advertência de Judith Butler quanto à possibilidade de subverter-se internamente a binaridade pressuposta e disseminada quanto aos gêneros até o ponto em que ela deixe de fazer sentido (apud NARDI, SILVEIRA e SILVEIRA, 2003); todavia, salienta-se a intensidade desta dinâmica na homofobia. 18 Sobre o impacto desta associação discriminatória na compreensão do sujeito dos direitos sexuais: RIOS (2002a e 2002b).

múltiplas (pobreza, racismo, desigualdade de gênero e homofobia) interagindo de forma sistemática, fazendo com que homossexuais sujeitem-se a situações de acentuada vulnerabilidade ao HIV. Ainda quanto à interação das múltiplas discriminações, não se pode deixar de mencionar as combinações da homofobia com o racismo e com o sexismo. Sobre esta última, é suficiente referir a seção anterior, falando da íntima relação entre o sexismo, o heterossexismo e a homofobia; nesta linha, Parker ( 99 ) demonstra como as estruturas de desigualdade de gênero são replicadas pela estigmatização de homossexuais afeminados e de transexuais. Sobre a interseccionalidade entre homofobia e raça, Osmundo Pinho ( 00 ) descreve as dinâmicas internas e externas vividas pelas comunidades homossexuais, precisamente em face da intersecionalidade de raça, cor, classe e sexualidade; Laura Moutinho ( 00 ), por sua vez, acompanhando a trajetória de jovens negros homossexuais que vivem no Rio de Janeiro, fornece material para a percepção da inter-relação entre homossexualidade e raça/cor. 9 Por fim, resta examinar a homofobia e sua relação com as referidas expressões discriminatórias quanto às estratégias de enfrentamento. De um modo geral, o combate ao preconceito e à discriminação requer a consideração das singularidades de cada dinâmica concreta, suas causas e conseqüências. Feito este diagnóstico, são desenhadas e empregadas estratégias, dirigidas tanto aos indivíduos quanto à coletividade, o que inclui respostas jurídicas (repressão, reparação e prevenção da discriminação). Quando se volta a atenção para o anti-semitismo, o racismo e o sexismo, deparamo-nos com desafios urgentes e candentes. Entretanto, sem subestimar a intensidade e a injustiça de cada uma destas realidades, no combate à homofobia surgem obstáculos peculiares dignos de nota. Dois deles serão destacados. Em primeiro lugar, o fato de que, diversamente das aludidas discriminações, ainda pesa contra a homossexualidade, de modo intenso e muitas vezes aberto, a pecha de condenação moral e inaceitabilidade social e política, circunstância que fomenta a homofobia. Além disso, persistem posturas que atribuem à homossexualidade caráter doentio ou, ao menos, condição de desenvolvimento inferior à heterossexualidade. Em segundo lugar, a afirmação da tolerância étnica e religiosa, do convívio respeitoso entre as raças e da igualdade de gênero, como alternativas ao anti-semitismo, ao racismo e ao sexismo, apresenta-se, de modo geral, compatível ou assimi- 19 A inter-relação entre raça, sexualidade e gênero, particularmente nas suas conseqüências nos processos de saúde e doença, foi objeto de número temático da Revista de Estudos Feministas (v. 14, n. 1, jan./abr. 2006), que retrata o “Seminário Internacional Raça, Sexualidade e Saúde: perspectivas regionais”, promovido pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos. 67

Ainda com relação à indicação dos sujeitos discrimi<strong>na</strong>dos, um dado instigante<br />

quanto à homos<strong>sexual</strong>idade é a gênese da identidade homos<strong>sexual</strong> <strong>na</strong> modernidade.<br />

Segundo Michel Foucault ( 99 : 4 ), a identidade homos<strong>sexual</strong> em<br />

si mesma é fruto de um processo de controle e assujeitamento dos indivíduos.<br />

Nas suas palavras,<br />

66<br />

[...] é necessário não esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica<br />

e médica da homos<strong>sexual</strong>idade constituiu-se no dia<br />

em que foi caracterizada [...] menos como um tipo de relações<br />

sexuais do que como uma certa qualidade da sensibilidade <strong>sexual</strong>,<br />

uma certa maneira de interverter, em si mesmo, o masculino<br />

e o feminino. A homos<strong>sexual</strong>idade apareceu como uma<br />

das figuras da <strong>sexual</strong>idade quando foi transferida, da prática da<br />

sodomia, para uma espécie de androginia interior, um hermafroditismo<br />

da alma. O sodomita era um reincidente, agora o<br />

homos<strong>sexual</strong> é uma espécie.<br />

Neste sentido, a identidade homos<strong>sexual</strong> como marcadora das vítimas da homofobia<br />

revela uma dinâmica bastante singular em face das demais categorias vitimizadas<br />

pelo sexismo, pelo racismo e pelo anti-semitismo. Como salienta Young-<br />

Bruehl ( 99 : 4 ), diversamente da condição femini<strong>na</strong>, da afrodescendência ou<br />

da judaicidade, que não foram instituídas origi<strong>na</strong>riamente como desti<strong>na</strong>tárias de<br />

discrimi<strong>na</strong>ção, a homos<strong>sexual</strong>idade foi uma invenção dos homófobos. 7<br />

Apontada estas características, <strong>na</strong>s relações entre a homofobia e as demais<br />

formas de discrimi<strong>na</strong>ção, nunca é demais ressaltar a interseccio<strong>na</strong>lidade do fenômeno<br />

discrimi<strong>na</strong>tório. Para tanto, trago à ce<strong>na</strong> a combi<strong>na</strong>ção discrimi<strong>na</strong>tória entre<br />

orientação <strong>sexual</strong> e condição sorológica positiva para o vírus HIV. Como alerta<br />

Terto Jr. ( 00 ), a identificação dos homossexuais ora como vilões, ora como vítimas<br />

da Aids, produz estigmas e preconceitos decorrentes da associação Aidshomos<strong>sexual</strong>idade;<br />

8 conforme a descrição de José Toro-Alfonso ( 00 ), esta dinâmica<br />

de discrimi<strong>na</strong>ção combi<strong>na</strong>da dá origem a situações de vulnerabilidade e<br />

violência experimentadas por homossexuais <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>. Nesta linha, Richard<br />

Parker e Kenneth R. de Camargo ( 000) arrolam opressões e discrimi<strong>na</strong>ções<br />

17 Não se ignora a advertência de Judith Butler quanto à possibilidade de subverter-se inter<strong>na</strong>mente a bi<strong>na</strong>ridade<br />

pressuposta e dissemi<strong>na</strong>da quanto aos gêneros até o ponto em que ela deixe de fazer sentido (apud<br />

NARDI, SILVEIRA e SILVEIRA, 2003); todavia, salienta-se a intensidade desta dinâmica <strong>na</strong> homofobia.<br />

18 Sobre o impacto desta associação discrimi<strong>na</strong>tória <strong>na</strong> compreensão do sujeito dos direitos sexuais: RIOS<br />

(2002a e 2002b).

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