Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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424 isso significa mudar, e muito, o que significa democracia. Cada vez mais ela terá a ver com o respeito ao outro (ibid., s.p.). As liberdades e os direitos civis (individuais e coletivos), a garantia da igualdade, a promoção do reconhecimento, o respeito e a valorização da diversidade e a formação de subjetividades democráticas são fatores que, entre outros, concorrem para definir uma sociedade de homens e mulheres livres. Vale, então, lembrar que, para designar um modo de agir e existir em um mundo mais fluido, flexível, improvisador, “infenso a pontos de vista extremistas, pronunciamentos dogmáticos”, Cornel West serve-se da metáfora do jazz: Ser um guerreiro da liberdade nos moldes do jazz significa procurar galvanizar e ativar pessoas desesperançosas e fartas desse mundo [...]. A interação de individualidade e unidade não se caracteriza pela uniformidade e a unanimidade imposta de cima, e sim por um conflito entre diversos grupamentos que chegam a um consenso dinâmico, sujeito a questionamento e crítica. [...] incentiva-se a individualidade a fim de sustentar e intensificar a tensão criativa com o grupo – uma tensão que produz níveis mais elevados de desempenho, para atingir o objetivo do projeto coletivo (WEST, 994: - 4). Ao lado disso, seria desejável empenharmo-nos para descontruir processos sociais, políticos e epistemológicos pelos quais alguns indivíduos e grupos se tornam normalizados e outros, marginalizados (LOURO, 004b: 7). Ao mesmo tempo, é necessário lembrar que, não raro, os processos disciplinares por meio dos quais indivíduos são normalizados são também responsáveis por impossibilitá-los de se constituírem como sujeitos autônomos (FONSECA, 99 : 0- ). Assim, mais especificamente, ao tratar de diversidade sexual é preciso resistir à comodidade oferecida por concepções naturalizantes que separam sexo da cultura, 4 que oferecem suporte a representações essencialistas, binárias e redutivistas em relação às concepções de corpo, gênero, sexualidade, identidade sexual e orientação sexual. Ao se falar de diversidade sexual é importante atentar para uma enorme gama de possibilidades, descontinuidades, transgressões e subversões que o trinômio sexo-gênero-sexualidade experimenta e produz (LOURO, 004b: 0). 164 “É somente no interior da cultura que as ‘características físicas’ podem ser constituídas como mais ou menos importantes e como mais ou menos pertinentes para a definição de uma identidade de gênero ou sexual. Isso não quer dizer que se esteja negando a materialidade dos corpos, mas sim acentuando que sua materialidade apenas ganha sentido na cultura” (LOURO, 2004b: 206).

Ademais, ao falarmos de diversidade sexual nestes termos, colocamo-nos ao lado de quem procura extrapolar enunciações, discursos e práticas que encerram as discussões e as políticas sobre sexualidade na (de todo modo importante) dimensão dos direitos à saúde sexual e reprodutiva. Tais enunciações, discursos e práticas trazem, no mínimo, forte ranço heteronormativo e, por isso resvalam ou apontam para discussões e posturas em que a sexualidade é pensada e vivida em termos de risco e de ameaça. Não por acaso, a discussão tende a ficar circunscrita à prevenção de Aids, DST e gravidez “não planejada”, e nem sequer cogita tangenciar a promoção da saúde. Falar em diversidade sexual requer, na perspectiva aqui adotada, situar questões relativas a gênero e à sexualidade no terreno da ética democrática e dos direitos humanos, apelando para a necessidade de se reconhecerem como legítimas as múltiplas e dinâmicas formas de expressão das identidades, dos corpos e das práticas sexuais. Exige a promoção de políticas e pedagogias atentas à complexidade, produtoras de posturas flexíveis voltadas para garantir a igualdade de direitos, as oportunidades e a interlocução. Conclama indivíduos e grupos a, em um esforço dialógico, não descartarem a priori as vivências, as experiências ou os saberes do “outro” e aceitarem construir novas e inéditas formas de intersubjetividade e de interação social. Pede atenção contínua em relação às convergências entre representações e mecanismos heteronormativos, sexistas, heterossexistas, misóginos, homofóbicos e racistas. Comporta ter presente que “a sexualidade tem muito a ver com a capacidade para a liberdade e com os direitos civis e que o direito a uma informação adequada é parte daquilo que vincula a sexualidade tanto com o domínio imaginário quanto com o domínio público” (BRITZMAN, 999: 09, grifos meus). Construir as possibilidades para este reconhecimento da diversidade sexual na educação implica uma visão de conjunto e um quadro de referências alimentado pelo diálogo, por princípios de justiça e eqüidade, por valores democráticos e pela compreensão do papel da diversidade e do pluralismo no processo educacional. Nesse sentido, acredito oportuno não apenas evitar, mas desestabilizar posturas balizadas por pressupostos assimilacionistas, essencializantes ou medicalizados, bem como posicionamentos embalados por disposições diferencialistas, particularistas, regressivas ou separatistas. Tampouco se pode esquecer que, tão deletérios 165 A idéia de gravidez “indesejada” é indissociável das representações sobre a sexualidade do “outro” (“irregular”, “desregrada”), apresenta nexos com o padrão das relações étnico-raciais, de classe, geracionais e com diferentes visões, percepções e expectativas que indivíduos e grupos têm de si, da sociedade e do futuro. 166 Sobre a distinção entre “prevenção” e “promoção da saúde”, vide: SANTOS e OLIVEIRA, 2006. 425

Ademais, ao falarmos de diversidade <strong>sexual</strong> nestes termos, colocamo-nos<br />

ao lado de quem procura extrapolar enunciações, discursos e práticas que encerram<br />

as discussões e as políticas sobre <strong>sexual</strong>idade <strong>na</strong> (de todo modo importante)<br />

dimensão dos direitos à saúde <strong>sexual</strong> e reprodutiva. Tais enunciações, discursos e<br />

práticas trazem, no mínimo, forte ranço heteronormativo e, por isso resvalam ou<br />

apontam para discussões e posturas em que a <strong>sexual</strong>idade é pensada e vivida em<br />

termos de risco e de ameaça. Não por acaso, a discussão tende a ficar circunscrita<br />

à prevenção de Aids, DST e gravidez “não planejada”, e nem sequer cogita<br />

tangenciar a promoção da saúde.<br />

Falar em diversidade <strong>sexual</strong> requer, <strong>na</strong> perspectiva aqui adotada, situar questões<br />

relativas a gênero e à <strong>sexual</strong>idade no terreno da ética democrática e dos direitos<br />

humanos, apelando para a necessidade de se reconhecerem como legítimas as múltiplas<br />

e dinâmicas formas de expressão das identidades, dos corpos e das práticas<br />

sexuais. Exige a promoção de políticas e pedagogias atentas à complexidade, produtoras<br />

de posturas flexíveis voltadas para garantir a igualdade de direitos, as oportunidades<br />

e a interlocução. Conclama indivíduos e grupos a, em um esforço dialógico,<br />

não descartarem a priori as vivências, as experiências ou os saberes do “outro” e<br />

aceitarem construir novas e inéditas formas de intersubjetividade e de interação<br />

social. Pede atenção contínua em relação às convergências entre representações e<br />

mecanismos heteronormativos, sexistas, heterossexistas, misóginos, homofóbicos e<br />

racistas. Comporta ter presente que “a <strong>sexual</strong>idade tem muito a ver com a capacidade<br />

para a liberdade e com os direitos civis e que o direito a uma informação adequada é parte<br />

daquilo que vincula a <strong>sexual</strong>idade tanto com o domínio imaginário quanto com o domínio<br />

público” (BRITZMAN, 999: 09, grifos meus).<br />

Construir as possibilidades para este reconhecimento da diversidade <strong>sexual</strong><br />

<strong>na</strong> <strong>educação</strong> implica uma visão de conjunto e um quadro de referências alimentado<br />

pelo diálogo, por princípios de justiça e eqüidade, por valores democráticos e pela<br />

compreensão do papel da diversidade e do pluralismo no processo educacio<strong>na</strong>l.<br />

Nesse sentido, acredito oportuno não ape<strong>na</strong>s evitar, mas desestabilizar posturas<br />

balizadas por pressupostos assimilacionistas, essencializantes ou medicalizados,<br />

bem como posicio<strong>na</strong>mentos embalados por disposições diferencialistas, particularistas,<br />

regressivas ou separatistas. Tampouco se pode esquecer que, tão deletérios<br />

165 A idéia de gravidez “indesejada” é indissociável das representações sobre a <strong>sexual</strong>idade do “outro”<br />

(“irregular”, “desregrada”), apresenta nexos com o padrão das relações étnico-raciais, de classe, geracio<strong>na</strong>is<br />

e com diferentes visões, percepções e expectativas que indivíduos e grupos têm de si, da<br />

sociedade e do futuro.<br />

166 Sobre a distinção entre “prevenção” e “promoção da saúde”, vide: SANTOS e OLIVEIRA, 2006.<br />

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