Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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Além disso, depois dos célebres levantamentos estatísticos de Alfred Kinsey ( 948) e dos estudos que lhe sucederam, sabemos que pode existir forte discrepância entre os discursos que alguém faz acerca da própria sexualidade, o seu comportamento sexual, a sua identidade sexual, a sua orientação sexual e as possibilidades de formação de comunidades sexuais. 8 De resto, diferentes culturas sexuais podem, no interior delas e entre si, objetivar, categorizar e hierarquizar, em modos bastante distintos e até paradoxais, conjuntos de práticas sexuais aparentemente muito semelhantes. 9 Por sua vez, essas culturas são (como todo fenômeno cultural) 0 dinâmicas, abertas, híbridas, permeáveis, internamente contraditórias, em comunicação com outras culturas (também essas em constante transformação) e sempre passíveis de serem postas diante de novas exigências individuais ou coletivas. Por isso, também estão sujeitas a processos de reformulação, no âmbito dos quais a sexualidade e tudo o que a ela esteja direta ou indiretamente associado encontram-se em movimento, em redefinição, em meio a processos de resistência, crítica, convergência e divergência, sendo objeto de constantes disputas entre e por diferentes formas de visão e de classificação. Diversidade e democracia É bastante recorrente o pensamento segundo o qual políticas voltadas para promover a diversidade necessitem eleger quais identidades devem ser beneficiadas e, ao mesmo tempo, adotar princípios mais próximos de uma visão essencialista para definir “criteriosamente” quais indivíduos poderão ser contemplados. Haveria vantagens operacionais nisso. Com base no que afirmo acima, noto que, além das dificuldades morais e políticas implicadas na definição da diversidade a ser promovida ou reconhecida, considero que um multiculturalismo (liberalconservador) que fomente o essencialismo comporte severos limites à democracia com a qual diz procurar contribuir. O risco de se deixar de fora grupos menos mobilizados ou com menores possibilidades de angariar suporte e solidariedade é inegável. Quais as chances das travestis e transexuais nesse cenário? Elas seriam pensadas como população-alvo de iniciativas voltadas à inclusão educacional e à inserção nas demais esferas sociais? Ou, no máxi- 158 COSTA, 1992; BUTLER, 2003; PARKER, 1999: 136-138 e 2002. Para uma reflexão crítica sobre a pesquisa de Kinsey, vide: GAGNON, 2006: 94-95, 170-209. 159 PARKER, 1991 e 2002; PARKER e BARBOSA, 1996; WEEKS, 1995. 160 Vide, por ex.: CANCLINI, 1998; CRESPI, 2003; SIMMEL, 1911[1985]; WUTHNOW et. al., 1991. 161 BOURDIEU, 1999; BUTLER, 2003; FOUCAULT, 1976 [1988]; GIDDENS, 1993; LAQUEUR, 1992; EUGENIO, 2006. 422
mo, ficariam confinadas em atividades “promotoras da diversidade” cujo foco é prevenir DST e Aids entre profissionais do sexo? Gays e lésbicas talvez contem com a uma exígua margem de vantagem. Mas dificilmente algo mais do que isso. Além disso, reconhecer apenas o que se pretende fixo, estável, bem delimitado (e ainda pior: “natural”) comporta excluir ou marginalizar o que é dinâmico, inovador, inédito e assumidamante construído ou fronteiriço. Tende também a beneficiar apenas certos membros do grupo considerado. Estes, por sua vez, erigidos à condição de porta-vozes e interlocutores privilegiados, serão levados a se dissociarem mais e mais das pulsantes experiências do conjunto múltiplo e dinâmico do grupo que antes julgavam representar. Não surpreende, portanto, que no campo da educação (entre outros), tal visão multiculturalista tenha encontrado tantos adeptos. Afinal, a lógica que aí prevalece é a da reprodução e não a da transformação social. Por outro verso, a promoção, na educação, do reconhecimento da diversidade e da pluralidade e fluidez do universo identitário, dos corpos e da sexualidade requer empenho permanente para a reunião de condições sociais, políticas, culturais e econômicas que a tornem possível. Condições essas todas associadas, entre outras coisas, à democratização do Estado (e à sua laicização), à construção de uma esfera pública e à conquista de autonomia do campo escolar em relação a outros espaços sociais, com os quais a escola mantém estreitas relações de conflito e concorrência, dentre eles, a família . Além disso, de acordo com Boaventura de Sousa Santos ( 00 b: 9-8 ), para que essa democratização seja efetiva e completa, deveremos alcançar, de maneira capilar, os interstícios dos espaços sociais, transformar o padrão das relações sociais e o conjunto das práticas sociais, a partir saberes e valores orientados e vinculados com a tessitura de uma emancipação social intransigente. Nessa mesma direção, Renato Janine Ribeiro ( 000b) defende que é preciso desenvolver a idéia de que a democracia não é só um regime político, pois, para ser consolidada, o mundo dos afetos também deve ser democratizado. É preciso democratizar o amor [...]; a amizade; o contato com o desconhecido [...]. A democracia só vai se consolidar [...] quando passar das instituições eleitorais para a vida cotidiana. É claro que 162 Sobre a exclusão educacional de travestis e transexuais, vide artigo de Wiliam Siqueira Peres, neste volume. 163 No caso da opressão de cunho homobófico (mas não apenas aí) é realmente importante cuidar para que a escola não reproduza ou amplie situações de desamparo e hostilidade a que muitos/as jovens homossexuais estão submetidos/as em seus ambientes familiares. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que, pode se também verificar o contrário: muitos/as jovens homossexuais, bissexuais, travestis ou transexuais encontram solidariedade familiar, mas não no ambiente escolar. Para uma reflexão sobre a relação entre famílias homoparentais e escola, vide artigo de Miriam Grossi, Anna Paula Uziel e Luiz Mello, neste volume. 423
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mo, ficariam confi<strong>na</strong>das em atividades “promotoras da diversidade” cujo foco é prevenir<br />
DST e Aids entre profissio<strong>na</strong>is do sexo? Gays e lésbicas talvez contem com a uma<br />
exígua margem de vantagem. Mas dificilmente algo mais do que isso.<br />
Além disso, reconhecer ape<strong>na</strong>s o que se pretende fixo, estável, bem delimitado<br />
(e ainda pior: “<strong>na</strong>tural”) comporta excluir ou margi<strong>na</strong>lizar o que é dinâmico,<br />
inovador, inédito e assumidamante construído ou fronteiriço. Tende também a beneficiar<br />
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à condição de porta-vozes e interlocutores privilegiados, serão levados a se dissociarem<br />
mais e mais das pulsantes experiências do conjunto múltiplo e dinâmico do<br />
grupo que antes julgavam representar. Não surpreende, portanto, que no campo da<br />
<strong>educação</strong> (entre outros), tal visão multiculturalista tenha encontrado tantos adeptos.<br />
Afi<strong>na</strong>l, a lógica que aí prevalece é a da reprodução e não a da transformação social.<br />
Por outro verso, a promoção, <strong>na</strong> <strong>educação</strong>, do reconhecimento da diversidade<br />
e da pluralidade e fluidez do universo identitário, dos corpos e da <strong>sexual</strong>idade requer<br />
empenho permanente para a reunião de condições sociais, políticas, culturais<br />
e econômicas que a tornem possível. Condições essas todas associadas, entre outras<br />
coisas, à democratização do Estado (e à sua laicização), à construção de uma esfera<br />
pública e à conquista de autonomia do campo escolar em relação a outros espaços<br />
sociais, com os quais a escola mantém estreitas relações de conflito e concorrência,<br />
dentre eles, a família . Além disso, de acordo com Boaventura de Sousa Santos<br />
( 00 b: 9-8 ), para que essa democratização seja efetiva e completa, deveremos<br />
alcançar, de maneira capilar, os interstícios dos espaços sociais, transformar o padrão<br />
das relações sociais e o conjunto das práticas sociais, a partir saberes e valores orientados<br />
e vinculados com a tessitura de uma emancipação social intransigente.<br />
Nessa mesma direção, Re<strong>na</strong>to Janine Ribeiro ( 000b) defende que é preciso<br />
desenvolver a idéia de que a democracia não é só um regime político, pois, para ser<br />
consolidada, o mundo dos afetos também deve ser democratizado.<br />
É preciso democratizar o amor [...]; a amizade; o contato com o<br />
desconhecido [...]. A democracia só vai se consolidar [...] quando<br />
passar das instituições eleitorais para a vida cotidia<strong>na</strong>. É claro que<br />
162 Sobre a exclusão educacio<strong>na</strong>l de travestis e transexuais, vide artigo de Wiliam Siqueira Peres,<br />
neste volume.<br />
163 No caso da opressão de cunho homobófico (mas não ape<strong>na</strong>s aí) é realmente importante cuidar para<br />
que a escola não reproduza ou amplie situações de desamparo e hostilidade a que muitos/as jovens<br />
homossexuais estão submetidos/as em seus ambientes familiares. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar<br />
que, pode se também verificar o contrário: muitos/as jovens homossexuais, bissexuais, travestis ou<br />
transexuais encontram solidariedade familiar, mas não no ambiente escolar. Para uma reflexão sobre a<br />
relação entre famílias homoparentais e escola, vide artigo de Miriam Grossi, An<strong>na</strong> Paula Uziel e Luiz<br />
Mello, neste volume.<br />
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