Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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Assim, “educar na (que precisa ser também para e pela) diversidade” requer que esse processo seja construído coletivamente, envolvendo, na escola e na condição de sujeitos, toda a diversidade humana que compõe dinâmica e contraditoriamente a sociedade. Não se trata, portanto, de propor a criação de nichos onde o assim dito “outro” (o “diferente”) possa exercer uma “cidadania mutilada” à margem dos demais e, dessa forma, em um relativamente baixo nível de tensão, ser meramente “tolerado”, numa espécie de manifestação consentida porque contida, domesticada, periférica, segregada, subserviente ou previsível. 4 Nem muito menos de acatar propostas que, em nome da defesa do direito à diferença, culminem na “rígida ocupação de identidades excludentes” (BUTLER, 00 : 74) ou se revelem auto-segregacionistas. Trata-se de construir, a partir do terreno dinâmico e plural da ética democrática e dos direitos humanos, uma “unidade na diversidade” que – para além do que geralmente sugere o slogan – não se pautaria pela busca de uma síntese harmoniosa, insidiosa, colonizadora, redutora e paralisante. Pelo contrário, investiria no pluralismo, no reconhecimento da multiplicidade e na pluralidade de identidades multifariamente imbricadas. A inclusão seria construída de maneira criativa, dinâmica, solidária e dialógica. Ao longo desse processo, a valorização da diversidade, a promoção da eqüidade e a participação de todos indivíduos e grupos se dariam também no sentido de se assegurarem as mesmas oportunidades (inclusive de interlocução), o acesso e o pertencimento aos espaços sociais. A unidade na diversidade, então, seria buscada por meio de um empenho político-pedagógico que implicaria o diálogo e o mútuo reconhecimento. Ao mesmo tempo, procuraria insistentemente ensejar processos de “identificação”, por meio dos quais esses indivíduos de grupos distintos pudessem considerar os seus entrecruzamentos identitários e se perceber como sujeitos históricos pertencentes a um universo ético e moral comum, envolvidos em processos de emancipação semelhantes ou correlatos. Tais processos de reconhecimento deveriam ser sustentados por práticas e políticas de redistribuição material e simbólica. Nas escolas, precisariam ser acompanhados de uma permanente des pedagógicas oferecidas pela própria diversidade. Agir a partir de qualquer um desses eixos sem levar em consideração os demais comporta incorrer em uma inócua fabulação. 133 A noção de “cidadania mutilada” é de Milton Santos (1987: 19-32). 134 Norbert Elias (1990 [2001: 136]) sobre as tensões entre grupos “estabelecidos” e grupos “outsiders” observa: “Tolera-se um grupo outsider desprezado, estigmatizado e relativamente impotente enquanto seus membros se contentam com o nível inferior [...] e [...] se comportam [...] como seres subordinados e submissos [...] e claramente identificáveis como membros do gueto [...].” 135 Reivindicações por irrestrita liberdade de ação, direitos independentes do ordenamento jurídico geral e direitos de definirem sozinhos conteúdos e beneficiários diretos da educação tendem, de acordo com Wieviorka (2003: 90-91), a inviabilizar a dialética do múltiplo e do uno, bem como a da diversidade e da democracia. 136 Santos (2006: 110 e segs) fala em “ecologia do reconhecimento”. 412

discussão dos conteúdos curriculares e das formas de ensinar, aprender e conviver. Não menos importantes seriam os esforços para garantir maior autonomia ao espaço escolar em relação a outros campos privados de formação e para construir uma escola mais democrática. “Educar na diversidade”, neste sentido, pressupõe o empenho para desestabilizar qualquer pretensão, ressentimento, intolerância ou ódio alimentados pelo “narcisismo das pequenas diferenças” 7 . Requer, portanto, o desenvolvimento de uma postura de abertura em relação ao “outro”: de acolhimento, de reconhecimento da legitimidade da diferença 8 e de rediscussão acerca dos processos de produção de diferenças e dos mecanismos de distinção e hierarquização entre todos os sujeitos envolvidos, tendo em vista que o reconhecimento da diferença é “um ponto de partida de um longo e talvez tortuoso processo político, mas no limite benéfico” (BAUMAN, 00 b: ). Assim sendo, o “educar na diversidade” desdobra-se segundo uma perspectiva de transformação e emancipação que deve ser, ao mesmo tempo, cultural, social, psicológica, política, individual e coletiva. Ao assim educarmos (e nos educarmos), ensejaríamos maior conscientização acerca de nossas possíveis convergências, novas possibilidades de diálogo, conhecimento e reconhecimento, bem como formas alternativas de convivência, permanentemente críticas em relação ao existente. Ora, como não existem discursos adâmicos, aqueles inspirados na ideologia multiculturalista liberal também são interpelados por formulações de outros repertórios. É o caso quando tais liberais dizem que somos todos iguais em direitos e oportunidades, enquanto “seres humanos”. Pareceria razoável se não ficasse ancorada em um sistemático esquecimento de se criticarem as relações de forças e as lógicas opressivas que impedem que essa igualdade se traduza em algo mais, fazendo com que a ação tenda a ficar presa ao atoleiro das boas intenções – tão apaziguadoras e bem ao gosto dos bem-pensantes. Ao lado disso, um refrão costuma acompanhar o 137 Freud (1930 [1987b: 81-171]) desenvolveu a noção de “narcisismo das pequenas diferenças” ao perceber que é sempre possível unir um número considerável de pessoas “no amor”, desde que restem outras para receber as manifestações de sua agressividade. Com essa noção, ele procurou explicar a hostilidade e o ódio existentes entre grupos muito próximos, diferenciados apenas por pequenas diferenças. Este narcisismo não tolera, especialmente, a manifestação das diferenças dentro do próprio grupo (das minorias dentro das minorias) e tampouco daquelas próximas a ele, por menor que sejam. Tais diferenças são consideradas uma crítica ameaçadora, e odiá-las passa a ser a maneira encontrada para (re)afirmar a própria identidade. Nesse caso, a agressão ao “outro” torna-se a base da criação de uma auto-imagem encantada e da consolidação dos vínculos e do estilo de vida que os setores dominantes do grupo não pretendem ver questionados. 138 E insisto: sem fetichizá-la; sem transformá-la em desigualdade; sem resvalar para a celebração identitária a-histórica, essencialista, diferencialista, narcísica e isolacionista; sem abandonar o exercício da crítica das relações de forças envolvidas; sem excluir possibilidades de semelhanças, ambigüidades, convergências ou sínteses entre “diferenças culturais”; sem abandonar políticas redistributivas. 413

discussão dos conteúdos curriculares e das formas de ensi<strong>na</strong>r, aprender e conviver.<br />

Não menos importantes seriam os esforços para garantir maior autonomia ao espaço<br />

escolar em relação a outros campos privados de formação e para construir uma<br />

escola mais democrática.<br />

“Educar <strong>na</strong> diversidade”, neste sentido, pressupõe o empenho para desestabilizar<br />

qualquer pretensão, ressentimento, intolerância ou ódio alimentados pelo<br />

“<strong>na</strong>rcisismo das peque<strong>na</strong>s diferenças” 7 . Requer, portanto, o desenvolvimento de<br />

uma postura de abertura em relação ao “outro”: de acolhimento, de reconhecimento<br />

da legitimidade da diferença 8 e de rediscussão acerca dos processos de<br />

produção de diferenças e dos mecanismos de distinção e hierarquização entre<br />

todos os sujeitos envolvidos, tendo em vista que o reconhecimento da diferença é<br />

“um ponto de partida de um longo e talvez tortuoso processo político, mas no limite<br />

benéfico” (BAUMAN, 00 b: ).<br />

Assim sendo, o “educar <strong>na</strong> diversidade” desdobra-se segundo uma perspectiva<br />

de transformação e emancipação que deve ser, ao mesmo tempo, cultural, social,<br />

psicológica, política, individual e coletiva. Ao assim educarmos (e nos educarmos),<br />

ensejaríamos maior conscientização acerca de nossas possíveis convergências, novas<br />

possibilidades de diálogo, conhecimento e reconhecimento, bem como formas alter<strong>na</strong>tivas<br />

de convivência, permanentemente críticas em relação ao existente.<br />

Ora, como não existem discursos adâmicos, aqueles inspirados <strong>na</strong> ideologia<br />

multiculturalista liberal também são interpelados por formulações de outros repertórios.<br />

É o caso quando tais liberais dizem que somos todos iguais em direitos e<br />

oportunidades, enquanto “seres humanos”. Pareceria razoável se não ficasse ancorada<br />

em um sistemático esquecimento de se criticarem as relações de forças e as lógicas<br />

opressivas que impedem que essa igualdade se traduza em algo mais, fazendo com<br />

que a ação tenda a ficar presa ao atoleiro das boas intenções – tão apaziguadoras e<br />

bem ao gosto dos bem-pensantes. Ao lado disso, um refrão costuma acompanhar o<br />

137 Freud (1930 [1987b: 81-171]) desenvolveu a noção de “<strong>na</strong>rcisismo das peque<strong>na</strong>s diferenças” ao perceber<br />

que é sempre possível unir um número considerável de pessoas “no amor”, desde que restem outras para<br />

receber as manifestações de sua agressividade. Com essa noção, ele procurou explicar a hostilidade e<br />

o ódio existentes entre grupos muito próximos, diferenciados ape<strong>na</strong>s por peque<strong>na</strong>s diferenças. Este <strong>na</strong>rcisismo<br />

não tolera, especialmente, a manifestação das diferenças dentro do próprio grupo (das minorias<br />

dentro das minorias) e tampouco daquelas próximas a ele, por menor que sejam. Tais diferenças são consideradas<br />

uma crítica ameaçadora, e odiá-las passa a ser a maneira encontrada para (re)afirmar a própria<br />

identidade. Nesse caso, a agressão ao “outro” tor<strong>na</strong>-se a base da criação de uma auto-imagem encantada<br />

e da consolidação dos vínculos e do estilo de vida que os setores domi<strong>na</strong>ntes do grupo não pretendem<br />

ver questio<strong>na</strong>dos.<br />

138 E insisto: sem fetichizá-la; sem transformá-la em desigualdade; sem resvalar para a celebração identitária<br />

a-histórica, essencialista, diferencialista, <strong>na</strong>rcísica e isolacionista; sem abando<strong>na</strong>r o exercício da crítica das<br />

relações de forças envolvidas; sem excluir possibilidades de semelhanças, ambigüidades, convergências<br />

ou sínteses entre “diferenças culturais”; sem abando<strong>na</strong>r políticas redistributivas.<br />

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