Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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cessos ambivalentes “de projeção e introjeção, estratégias metafóricas e metonímicas” que envolvem “deslocamento, sobredeterminação, culpa, agressividade, mascaramento e cisão de saberes ‘oficiais’ e fantasmagóricos para construir as posicionalidades e as oposicionalidades do discurso racista” (ibid.: ), sexista, heterossexista etc. De um lado, mecanismos, crenças e sistemas classificatórios produzem representações sociais estereotipadas e estereotipantes graças às quais determinadas características são, taxativa e repetidamente, atribuídas ao indivíduo marcado como “outro”. (E esse “outro”, por meio de tal processo de objetivação, tende a ficar reduzido às suas supostas características, 0 à sua “natureza intrínseca” – afinal, “Essa gente é assim mesmo”). De outro, as mesmas características são tacitamente afastadas de quem as aponta. Afinal, se dizemos que árabes são mentirosos e judeus, sovinas, é porque “nós não-árabes e não-judeus” supostamente seríamos honestos e generosos (PINSKY e ELUF, 997: 04- ). Analogamente, afirmar que homossexuais seriam fadados/as à infelicidade amorosa e conjugal comporta crer que heterossexuais estejam imunes à imponderabilidade e aos revezes das relações afetivas, bem como ignorar que o ideal das condutas sexuais nem sempre esteve associado à conjugalidade ou à parceria homem-mulher. Paralelamente, tem lugar uma “falsa mímesis”, uma projeção fóbica e destruidora, conforme lembra Olgária Matos ( 00 : ): 406 Orientados pelas considerações freudianas, Horkheimer e Adorno mostram, na Dialética do esclarecimento, como procede o preconceituoso racista ou fanático religioso: fusionando representações verdadeiras acerca de si, [atribui-as] falsamente aos outros. Sua prática é a do “bode expiatório”: “O anti-semita inveja secretamente o judeu por qualidades que ele lhe confere e não suporta a frustração de não as ter”. Pratica, por assim dizer, a identificação com um opressor imaginário para tornar-se, ele próprio, “justificadamente” agora, o próprio opressor. Em todo caso, a sistemática reiteração das “verdades” do estereótipo e do preconceito confere certa inteligibilidade (e uma plausibilidade) acerca do “outro”, 120 Vide: BOURDIEU, 1983b: 73. 121 Para um aprofundamento dessa discussão e um estudo sobre o papel da ética sexual conjugal na parceria homoerótica masculina, vide: COSTA, 1992: 77-103. 122 Agnes Heller (1992: 45) critica a formação de uma “unidade imediata entre pensamento e ação”, responsável por fazer com que, na vida cotidiana, identifiquem-se o verdadeiro e o correto. O que aí revela ser “correto”, “útil”, oferece ao ser humano uma base de orientação e de ação no mundo e conduz ao “êxito”, adquire o status de “verdadeiro”.

aprofunda o processo de sua distinção dos indivíduos pertencentes ao grupo de referência e, ao mesmo tempo, garante maior sedimentação das crenças e das normas associadas ao próprio estereótipo. A incessante repetição (com suas devidas atualizações) permite que a sua profecia se autocumpra e exerça efeitos de poder, de inclusão ou marginalização. E mais: como ensina Mary Douglas ( 97 ), à medida que se procura consubstanciar e legitimar a marginalização do indivíduo objetivado como “diferente”/“anômalo”, termina-se por conferir ulterior nitidez às fronteiras do conjunto dos “normais”. A existência de um “nós-normais” não só depende da existência de uma “alteridade nãonormal”: a legitimação da condição de marginalizado vivida pelo “outro” é requisito indispensável para afirmar, confirmar e aprofundar o fosso entre este e aqueles. Ao propiciar novas possibilidades de ver e perceber indivíduos e grupos até então postos sob a implacável mira dos estereótipos e dos preconceitos, a desmistificação de representações que daí resultavam torna-se fator fundamental para a desconstrução de mecanismos de percepção e de sistemas de crenças por meio dos quais se produzia esse duplo engano e se legitimavam relações de força extremamente assimétricas. Além de constituírem um fator indispensável para a democratização das relações, desconstruir tal lógica e desestabilizar os entendimentos construídos a partir dela configuram uma oportunidade para que cada um de nós possa lidar de uma nova maneira não só com o suposto “outro” mas, sobretudo, consigo mesmo. Procuraríamos deixar de fazer do “outro” objeto de nossas próprias e mais mesquinhas projeções. Em outras palavras: o convívio com a diversidade das paisagens humanas pode representar um fator poderoso para o aprofundamento do conhecimento recíproco e do autoconhecimento 4 à medida que possibilite o encontro, o diálogo e a desmistificação de construções em relação tanto ao “outro” quanto a “nós mesmos”. Isto porque, com freqüência, costumamos nos ver a partir do que preferimos nos imaginar ser, fazendo um contraponto com o que supomos e julgamos ser o “outro”. Poderíamos buscar construir representações menos neuróticas, menos encantadas sobretudo acerca de “nós mesmos”. Quem sabe, começaríamos a desestabilizar processos alimentadores de ulteriores fraudes, promotoras de angústias, insatisfações, rivalidades, humilhações, ódios, boicotes, autoboicotes e novas (ou renovadas) formas de infelicidade. 123 Em termos junguianos: deixar de projetar em outrem a nossa “sombra”. Vide: DIAS e GAMBINI, 1999. 124 “Conhecer o Outro é conhecer melhor a si mesmo.” (MATOS, 2006: 65). 125 As produções de crenças, expectativas e julgamentos acerca do amor romântico também se dão nessa 407

cessos ambivalentes “de projeção e introjeção, estratégias metafóricas e metonímicas”<br />

que envolvem “deslocamento, sobredetermi<strong>na</strong>ção, culpa, agressividade, mascaramento<br />

e cisão de saberes ‘oficiais’ e fantasmagóricos para construir as posicio<strong>na</strong>lidades e as<br />

oposicio<strong>na</strong>lidades do discurso racista” (ibid.: ), sexista, heterossexista etc.<br />

De um lado, mecanismos, crenças e sistemas classificatórios produzem representações<br />

sociais estereotipadas e estereotipantes graças às quais determi<strong>na</strong>das<br />

características são, taxativa e repetidamente, atribuídas ao indivíduo marcado como<br />

“outro”. (E esse “outro”, por meio de tal processo de objetivação, tende a ficar reduzido<br />

às suas supostas características, 0 à sua “<strong>na</strong>tureza intrínseca” – afi<strong>na</strong>l, “Essa<br />

gente é assim mesmo”). De outro, as mesmas características são tacitamente afastadas<br />

de quem as aponta. Afi<strong>na</strong>l, se dizemos que árabes são mentirosos e judeus,<br />

sovi<strong>na</strong>s, é porque “nós não-árabes e não-judeus” supostamente seríamos honestos e<br />

generosos (PINSKY e ELUF, 997: 04- ). A<strong>na</strong>logamente, afirmar que homossexuais<br />

seriam fadados/as à infelicidade amorosa e conjugal comporta crer que heterossexuais<br />

estejam imunes à imponderabilidade e aos revezes das relações afetivas,<br />

bem como ignorar que o ideal das condutas sexuais nem sempre esteve associado à<br />

conjugalidade ou à parceria homem-mulher.<br />

Paralelamente, tem lugar uma “falsa mímesis”, uma projeção fóbica e destruidora,<br />

conforme lembra Olgária Matos ( 00 : ):<br />

406<br />

Orientados pelas considerações freudia<strong>na</strong>s, Horkheimer e<br />

Adorno mostram, <strong>na</strong> Dialética do esclarecimento, como procede<br />

o preconceituoso racista ou fanático religioso: fusio<strong>na</strong>ndo<br />

representações verdadeiras acerca de si, [atribui-as] falsamente<br />

aos outros. Sua prática é a do “bode expiatório”: “O anti-semita<br />

inveja secretamente o judeu por qualidades que ele lhe confere e<br />

não suporta a frustração de não as ter”. Pratica, por assim dizer,<br />

a identificação com um opressor imaginário para tor<strong>na</strong>r-se, ele<br />

próprio, “justificadamente” agora, o próprio opressor.<br />

Em todo caso, a sistemática reiteração das “verdades” do estereótipo e do<br />

preconceito confere certa inteligibilidade (e uma plausibilidade) acerca do “outro”,<br />

120 Vide: BOURDIEU, 1983b: 73.<br />

121 Para um aprofundamento dessa discussão e um estudo sobre o papel da ética <strong>sexual</strong> conjugal <strong>na</strong> parceria<br />

homoerótica masculi<strong>na</strong>, vide: COSTA, 1992: 77-103.<br />

122 Agnes Heller (1992: 45) critica a formação de uma “unidade imediata entre pensamento e ação”, responsável<br />

por fazer com que, <strong>na</strong> vida cotidia<strong>na</strong>, identifiquem-se o verdadeiro e o correto. O que aí revela ser<br />

“correto”, “útil”, oferece ao ser humano uma base de orientação e de ação no mundo e conduz ao “êxito”,<br />

adquire o status de “verdadeiro”.

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