Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
mas de racialização coexistem e articulam-se reciprocamente, indo juntas compor o terreno do simbólico. 7 E o que daí deriva nos faz mais uma vez retomar Deborah Britzman ( 004: 7 ): “O encontro do olhar é uma relação erótica e assombrada e, nesse espaço, as questões raciais são inseparáveis das questões do desejo e da memória cultural” (grifos meus). A intricada produção de corpos e identidades étnico-raciais, sexuais e de gênero apresenta nexo direto com a elevação e a consolidação da “branquidade” (WARE, 004) e da masculinidade heterossexual como referências. A complexa formação de gênero e sexualidade racializados, de raças generizadas (ou de normas de gênero racializadas e de normas raciais sexualizadas) ao se relacionar com a promoção da naturalização da heterossexualidade, se faz também acompanhar, entre outras coisas, da produção e do acionamento de representações, crenças e mitos que vinculam (de modo essencialista 8 e excludente) grupos raciais a práticas, a habilidades e a atributos sexuais. 9 Com a racialização do gênero e da sexualidade, práticas e mitos sexuais são fixados, essencializados e explorados como objetos de consumo 40 e como um dos alvos importantes da intolerância. 4 Esses mitos não dizem respeito apenas a representações ou a percepções simplificadas, mas a expectativas e a processos de legitimação de relações de poder, bem como à produção de efeitos performativos. Assim, seria preciso ir além da identificação e da problematização dos significados fixos das imagens de masculinidades e feminilidades racialmente codificadas. É necessário atentar para a inter-relação de tais construções e os modos como discursos sobre a produção e a significação de diferenças culturais articulam-se à supremacia masculina, branca e heterossexual (WARE, 004: 89). 36 Graças a tais imbricações, alguém pode, entre outras coisas, “optar por uma identidade de gênero para poder repudiar (ou participar de) uma identificação de raça” (BUTLER, 2002: 174). 37 “[...] é necessário reconceber radicalmente quais relações sociais compõem esta esfera do simbólico [e] qual conjunto convergente de formações históricas de gênero racializado, de raça generizada e de sexualização dos ideais raciais ou de racialização das normas de gênero integram a regulação social da sexualidade e suas articulações psíquicas” (BUTLER, 2002: 262). 38 Discursos essencialistas buscam, em geral, oferecer explicações biologizantes. No entanto, freqüentemente encontramos quem se refira à cultura de maneira essencialista, entendendo determinada cultura como exclusiva (e intrínseca) a um determinado grupo, que a carregaria presa à alma e aos corpos de seus integrantes – uma cultura homogênea, sem história, sem social, um álibi para o separatismo e a segregação. 39 O imaginário homoerótico não está imune a esse processo. Vide, por ex.: MERCER, 1992; WAUGH, 2004. 40 A sexualização do “outro” e a exotificação sexualizada da diversidade dão suporte às marcas do turismo contemporâneo (WARE, 2004; GAGNON, 2006), às estratégias de comercialização de “produtos étnicos” (a música e a culinária “étnicas”, por ex.) e podem estar presentes em nossas concepções pedagógicas. 41 Sobre mitos e fantasias sexuais depositadas e realimentadas a partir da expansão neocolonial, vide o célebre ensaio “O Capitão Cook e a penetração do Pacífico” (GAGNON, 2006: 363-385). Ele lembra que a representação do “outro” como inocente sexual ou selvagem sexual, além de freqüentemente ligada a concepções racializadas, integra a vida erótica ocidental moderna. “A viagem para fora da cultura do próprio indivíduo [...] foi e continua a ser uma viagem sexual para homens que mantêm relações sexuais com homens e os que mantêm com mulheres” (ibid., 384). 378
Nesse contexto, homens negros são em geral percebidos como “negros de verdade” se e somente se apresentarem determinados dotes “naturais”, “próprios da raça”, tais como: abundante virilidade – suposto atributo de uma acentuada masculinidade heterossexual 4 – e habilidade para determinados ritmos, danças, esportes e trabalhos. Deles se espera um igualmente “natural” pendor à malandragem, à indolência e à arremetida sexual. 4 Da “negra de verdade” (e mais: da “mulata autêntica”), por sua vez, se espera que condiga com a imagem de mulher imoderadamente sensual, lasciva e dadivosa, de feminilidade exuberante, gingado inebriante, musicalidade envolvente e pura malícia. 44 As “orientais” (ou melhor, as nipônicas) podem se ver revestidas de uma mística sensual, enigmática, disciplinada e subserviente, que remete à gueixa e as encerra em uma trama inapelavelmente heterossexual. Enquanto isso, as representações de “homem japonês” tendem a referir a uma masculinidade e a uma identidade sexual oscilantes entre mitos que, de um lado, produzem escárnio quanto às suas supostas proporções físicas e, de outro, encarecem sua honra, bravura e disciplina, oriundas de um atavismo samurai (cujas histórias acerca das práticas homoeróticas são acuradamente silenciadas) 4 . As “árabes” ou as “muçulmanas” (em geral tratadas como sinônimos) são aprisionadas em pólos aparentemente antagônicos: o da mulher envolta (literalmente, em algo como um foulard, uma shayla, um niqāb, um chador, uma burka...) ou o da desenvolta: uma odalisca desinibida – e, quem sabe, igualmente reclusa em um harém junto a um sem-número de esposas, todas inexoravelmente heterossexuais. 4 E assim por diante no que concerne à virilidade dos homens árabes e eslavos, 47 à licenciosidade pueril das mulheres ameríndias e à generosidade dos maridos inuit (inadequadamente chamados de esquimós), representados com um semblante entre o infantil e o afeminado, ofertando suas esposas aos hóspedes forasteiros (como também faziam certos ameríndios) etc. 48 42 Nos anos de 1990, as ações contra a minoria branca no Zimbabwe tiveram um teor abertamente homofóbico – justificadas com base na crença de que a prática homoerótica seria estranha aos africanos e resultaria do contato com os europeus. 43 A construção de masculinidades e feminilidades racializadas também implicava a subordinação da mulher heterossexual branca e legitimava a prática de linchamentos de massa no Sul dos EUA – com base na ameaça que os homens negros (indiscutivelmente heterossexuais) representariam para as brancas. A acusação mais comum era a de estupro ou a de sua tentativa. Vide: WARE, 2004: 286, 290; FREDRICKSON, 2002: 130. 44 Vide, por ex.: CORRÊA, 1996; PINHO, 2004. 45 Sobre o homoerotismo entre samurais e a erotização do gay asiático, vide respectivamente: WATANABE e IWATA, 1989 e FUNG, 1992. 46 O inquietante silêncio sobre as práticas homoeróticas entre mulheres no mundo islâmico contrasta com a brutalidade das penas a elas ali infligidas. Vide: ILGA, 2007. Para uma ampla referência sobre a mulher no Islam, vide: PUDIOLI, 1998. 47 Durante a guerra na ex-Iugoslávia, feministas de ambos os lados do Atlântico vincularam as ações de “limpezas étnicas” à “intrínseca virilidade dos eslavos”. Houve quem afirmasse existirem neles genes do estupro e da limpeza étnica. Para um confronto, vide: STIGLMAYER, 1994 e BADINTER, 2005. 48 O “outro sexualizado” podemos ser nós mesmos, oficialmente estereotipados e transformados em item de exportação: “o homem e a mulher brasileira”, representados e auto-representados como seres de uma 379
- Page 311 and 312: ______. O corpo estranho: ensaios s
- Page 313 and 314: Em uma pesquisa realizada por três
- Page 315 and 316: território iluminado, mas como uma
- Page 317 and 318: Recentemente foi publicado, pelo Gr
- Page 319 and 320: Todas as mudanças são, em princí
- Page 321 and 322: Mas os livros dos quais estou falan
- Page 323 and 324: 336 um bloco monolítico de valores
- Page 325 and 326: BARCELLOS, José Carlos. Literatura
- Page 327 and 328: Orientação Sexual nas Escolas Pú
- Page 329 and 330: municipais de diversas cidades bras
- Page 331 and 332: seguida, foram realizados quatro se
- Page 333 and 334: comprometidos com trabalho em todos
- Page 335 and 336: Os Educadores Relatam Experiências
- Page 337 and 338: BOUER, Jairo. Sexo & Cia. São Paul
- Page 339 and 340: SOARES, Marcelo. A Aids. São Paulo
- Page 341 and 342: do gay? A saída não está em apon
- Page 343 and 344: antológico ensaio de 97 , “O Ent
- Page 345 and 346: O confronto entre memória e olhar,
- Page 347 and 348: seus vários sentidos, seja políti
- Page 349 and 350: Esta não é uma posição extrema,
- Page 351 and 352: Educação e Homofobia: o reconheci
- Page 353 and 354: tivas, cálculos e conjunturas espe
- Page 355 and 356: que buscam obter um reconhecimento
- Page 357 and 358: na sua mera “reação anti-homoss
- Page 359 and 360: pressupostos homofóbicos mais ampl
- Page 361: onormatividade com outros regimes e
- Page 365 and 366: samento inter-racial é a fonte mai
- Page 367 and 368: indispensáveis para que a hegemoni
- Page 369 and 370: nifestação explicitamente contrá
- Page 371 and 372: Imaginemos, neste último exemplo,
- Page 373 and 374: Por sua vez, outros parecem acredit
- Page 375 and 376: discurso em torno da responsabiliza
- Page 377 and 378: Calorosos e intermináveis confront
- Page 379 and 380: direitos”, enquanto veículo de p
- Page 381 and 382: conservadora, e a tendência é pro
- Page 383 and 384: teiam sua produção e os conjuntos
- Page 385 and 386: ou promovê-la não significa fazer
- Page 387 and 388: 000: 7 ), que não se dobre diante
- Page 389 and 390: Em outros termos: não é a qualida
- Page 391 and 392: aprofunda o processo de sua distin
- Page 393 and 394: No entanto, o encontro com o indiv
- Page 395 and 396: suas potencialidades e, uma vez max
- Page 397 and 398: discussão dos conteúdos curricula
- Page 399 and 400: Para tentar escapar dessa fetichiza
- Page 401 and 402: alma se pretende unificar, onde o E
- Page 403 and 404: A importância da desconstrução d
- Page 405 and 406: que já estava lá, desde sempre, n
- Page 407 and 408: mo, ficariam confinadas em atividad
- Page 409 and 410: Ademais, ao falarmos de diversidade
- Page 411 and 412: des da comunicação, investe na co
Nesse contexto, homens negros são em geral percebidos como “negros de<br />
verdade” se e somente se apresentarem determi<strong>na</strong>dos dotes “<strong>na</strong>turais”, “próprios da<br />
raça”, tais como: abundante virilidade – suposto atributo de uma acentuada masculinidade<br />
heteros<strong>sexual</strong> 4 – e habilidade para determi<strong>na</strong>dos ritmos, danças, esportes e<br />
trabalhos. Deles se espera um igualmente “<strong>na</strong>tural” pendor à malandragem, à indolência<br />
e à arremetida <strong>sexual</strong>. 4 Da “negra de verdade” (e mais: da “mulata autêntica”),<br />
por sua vez, se espera que condiga com a imagem de mulher imoderadamente sensual,<br />
lasciva e dadivosa, de feminilidade exuberante, gingado inebriante, musicalidade<br />
envolvente e pura malícia. 44 As “orientais” (ou melhor, as nipônicas) podem se ver<br />
revestidas de uma mística sensual, enigmática, discipli<strong>na</strong>da e subserviente, que remete<br />
à gueixa e as encerra em uma trama i<strong>na</strong>pelavelmente heteros<strong>sexual</strong>. Enquanto<br />
isso, as representações de “homem japonês” tendem a referir a uma masculinidade e<br />
a uma identidade <strong>sexual</strong> oscilantes entre mitos que, de um lado, produzem escárnio<br />
quanto às suas supostas proporções físicas e, de outro, encarecem sua honra, bravura<br />
e discipli<strong>na</strong>, oriundas de um atavismo samurai (cujas histórias acerca das práticas<br />
homoeróticas são acuradamente silenciadas) 4 . As “árabes” ou as “muçulma<strong>na</strong>s” (em<br />
geral tratadas como sinônimos) são aprisio<strong>na</strong>das em pólos aparentemente antagônicos:<br />
o da mulher envolta (literalmente, em algo como um foulard, uma shayla, um<br />
niqāb, um chador, uma burka...) ou o da desenvolta: uma odalisca desinibida – e,<br />
quem sabe, igualmente reclusa em um harém junto a um sem-número de esposas,<br />
todas inexoravelmente heterossexuais. 4 E assim por diante no que concerne à virilidade<br />
dos homens árabes e eslavos, 47 à licenciosidade pueril das mulheres ameríndias<br />
e à generosidade dos maridos inuit (i<strong>na</strong>dequadamente chamados de esquimós),<br />
representados com um semblante entre o infantil e o afemi<strong>na</strong>do, ofertando suas<br />
esposas aos hóspedes forasteiros (como também faziam certos ameríndios) etc. 48<br />
42 Nos anos de 1990, as ações contra a minoria branca no Zimbabwe tiveram um teor abertamente homofóbico<br />
– justificadas com base <strong>na</strong> crença de que a prática homoerótica seria estranha aos africanos e<br />
resultaria do contato com os europeus.<br />
43 A construção de masculinidades e feminilidades racializadas também implicava a subordi<strong>na</strong>ção da<br />
mulher heteros<strong>sexual</strong> branca e legitimava a prática de linchamentos de massa no Sul dos EUA – com<br />
base <strong>na</strong> ameaça que os homens negros (indiscutivelmente heterossexuais) representariam para as<br />
brancas. A acusação mais comum era a de estupro ou a de sua tentativa. Vide: WARE, 2004: 286, 290;<br />
FREDRICKSON, 2002: 130.<br />
44 Vide, por ex.: CORRÊA, 1996; PINHO, 2004.<br />
45 Sobre o homoerotismo entre samurais e a erotização do gay asiático, vide respectivamente: WATANABE e<br />
IWATA, 1989 e FUNG, 1992.<br />
46 O inquietante silêncio sobre as práticas homoeróticas entre mulheres no mundo islâmico contrasta com a<br />
brutalidade das pe<strong>na</strong>s a elas ali infligidas. Vide: ILGA, 2007. Para uma ampla referência sobre a mulher no<br />
Islam, vide: PUDIOLI, 1998.<br />
47 Durante a guerra <strong>na</strong> ex-Iugoslávia, feministas de ambos os lados do Atlântico vincularam as ações de<br />
“limpezas étnicas” à “intrínseca virilidade dos eslavos”. Houve quem afirmasse existirem neles genes do<br />
estupro e da limpeza étnica. Para um confronto, vide: STIGLMAYER, 1994 e BADINTER, 2005.<br />
48 O “outro <strong>sexual</strong>izado” podemos ser nós mesmos, oficialmente estereotipados e transformados em item<br />
de exportação: “o homem e a mulher brasileira”, representados e auto-representados como seres de uma<br />
379