Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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Não questiono a legitimidade de cientistas se interrogarem acerca dos fenômenos e procurarem oferecer respostas, novos modelos explicativos. Lembro porém que, no caso em questão, essa busca produziu, até o momento, mais de setenta diferentes teorias sobre as causas da homossexualidade, sem apresentar iguais esforços para se descobrir as da heterossexualidade. Essa unidirecionalidade leva a pensar que estamos, mais uma vez, em busca de sua cura e não de sua compreensão. Além disso, a resistência por parte de importantes parcelas da comunidade médica em abandonar concepções patologizantes acerca da intersexualidade e das experiências de gênero desenvolvidas por travestis e transexuais evidenciam, ulteriormente, os limites que decorrem dessa interpenetração de saberes científicos e outros saberes, crenças, ideologias. 7 Em outras palavras: a homofobia pode encontrar em certas representações, crenças e práticas “científicas” uma forma laica e não evidentemente religiosa de se atualizar, se fortalecer e se disseminar. 8 Outros estudiosos e estudiosas adotam um posicionamento algo diferente. A visão que, neste caso, prevalece acerca da homofobia se dá, em geral, a partir da manutenção da referência àquele conjunto de emoções negativas, mas sem enfatizar exclusivamente aspectos de ordem psicológica e, ao mesmo tempo, rechaçando acepções patologizantes. O que é mais marcante neste caso é a tentativa de se conferir outra espessura ao conceito, na medida em que ele é associado, sobretudo, a situações e mecanismos sociais relacionados a preconceitos, discriminações e violências contra homossexuais (gays e lésbicas), bissexuais e transgêneros (especialmente travestis e transexuais), seus comportamentos, aparências e estilos de vida 9 . A tônica deixa de ser posta na “fobia” e em modelos explicativos centrados no indivíduo e 15 Neste volume, Alípio de Sousa Filho critica as teorias “científicas” sobre as causas da homossexualidade. 16 Sobre intersexualidade, vide, por ex.: CABRAL e BENZUR, 2005. Sobre transexualidade: BENTO, 2008. 17 Existe uma crescente mobilização internacional, por parte de especialistas e várias forças sociais, contra essa postura patologizante. Questões relativas à sexualidade e aos processos de configuração identitária têm sido abordadas de modos distintos em diferentes áreas do conhecimento. Por ex., as ciências sociais (ou parte delas) têm procurado manter interlocução com diversos setores sociais, com vistas a construir modelos explicativos que extrapolem limites disciplinares e dar conta da complexidade dos fenômenos estudados. 18 O empenho em construir um Estado laico será insuficiente se não observarmos que a homofobia, tal como ocorreu com o anti-semitismo no séc. XIX, pode encontrar meios não-religiosos para se reconfigurar, ampliar seu raio de influência e contribuir para a preservação da hegemonia heterossexista. A hegemonia é um processo que não existe passivamente como forma de dominação: requer contínua renovação, recriação, defesa e modificação (WILLIAMS, 1979: 115). No caso, podem colaborar ramos da psicanálise fundados no preconceito contra o homoerotismo, que fazem “terrorismo ideológico-político” diante de qualquer proposta de reconhecimento de direitos das pessoas LGBTI. Vide: COSTA, 1992; ÉRIBON, 2004; BORRILLO, 2001. 19 Vide, por ex.: WELZER-LANG, DUTEY e DORAIS, 1994. Para sublinhar seu afastamento de abordagens centradas na “fobia”, alguns autores falam em homopreconceito (LOGAN, 1996: 31-53), heterocentrismo, heterossexismo, homonegatividade etc. Este último, ainda com foco em crenças e atitudes negativas quanto à homossexualidade e aos homossexuais (HUDSON e RICKETT, 1980: 357–372; BELLING et al., 2004). 372
na sua mera “reação anti-homossexual” e passa a ser de reflexão, crítica e denúncia contra comportamentos e situações que poderiam ser melhor abordados em outros campos: o cultural, o educacional, o político, o institucional, o jurídico, o sociológico, o antropológico. A homofobia passa a ser vista como fator de restrição de direitos de cidadania, como impeditivo à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança, aos direitos humanos 0 e, por isso, chega a ser proposta a sua criminalização. Abrem-se aí novas frentes de batalhas, fogos cruzados, possibilidades e paradoxos políticos. Sem que se verifique uma necessária dissociação em relação a esse último entendimento, um ulterior salto parece ser promovido ao se procurar entender a homofobia a partir de reflexões sobre as relações de poder e os processos de produção de diferenças culturais, em que se examinam e se assinalam os indissociáveis vínculos entre homofobia e processos de construção de padrões relacionais, preconceitos e mecanismos discriminatórios relativos a questões de gênero e à dominação masculina. 4 Afinal, demonstram, a matriz a partir da qual se constroem preconceitos e se desencadeiam discriminações homofóbicas é a mesma em que se estrutura o campo de disputas em que se definem socialmente o masculino (e as masculinidades), o feminino (e as feminilidades), como também o neutro, o ambíguo, o fronteiriço ou o semovente. Judith Butler ( 00 : 4) observa que a homofobia opera por meio da atribuição de um “gênero prejudicado”, “defeituoso”, “falho”, “abjeto” às pessoas homossexuais. Segundo ela, a matriz heterossexual regula a sexualidade “mediante a vigilância e a humilhação do gênero”, de sorte que a homofobia “pode se expressar ainda numa espécie de ‘terror em relação à perda do gênero’, ou seja, no terror de não ser mais considerado como um homem ou uma mulher ‘reais’ ou ‘autênticos/as’” (LOURO, 20 A Anistia Internacional considera, desde 1991, violação dos direitos humanos o cerceamento da prática homossexual, bem como a discriminação contra homossexuais, bissexuais e transgêneros. 21 O discurso pode também se situar em uma posição intermediária, mantendo traços da fala medicalizante ao mesmo tempo em que confere maior tônica à coercitividade legal, punitiva e preventiva. “Homofobia [...] é uma doença anti-social [...] que se cura com a informação e a punição daqueles que desrespeitam os direitos humanos dos homossexuais” (GRUPO GAY DA BAHIA, 1996: 11, grifos meus). 22 Para uma reflexão sobre os paradoxos relativos à multiplicação dos direitos em conflito, vide, por ex.: BOBBIO, 1990: 67 e segs.; SANTOS, 1989: 3 e segs.; FERRARI, 1997: 315-321. 23 Vide, por ex.: WELZER-LANG, 2001; BORRILLO, 2001: 95, passim; ALMEIDA, 1995; BUTLER, 2003. 24 Segundo Bourdieu (1998b: 23): “A ordem masculina está [...] inscrita tanto nas instituições quanto nos agentes, tanto nas posições quanto nas disposições, nas coisas (e palavras) [...] e nos corpos [...]. A masculinidade está costurada no habitus, em todo habitus, tanto do homem quanto da mulher”. Agora, conforme alerta Badinter (2005), é preciso afastar noções de “dominação masculina” com pressupostos essencialistas, simplistas e restritivos de “masculinidades” e de “feminilidades”. As relações entre homens e mulheres são complexas, históricas, dinâmicas. Um conceito de dominação masculina que procure abarcar tudo, encerrando-os em dois pólos opostos, “fecha a porta a qualquer esperança de compreendermos a influência recíproca que [ambos] exercem e de medir sua inserção comum na humanidade” (ibid.: 53). 25 Em diversos idiomas indo-europeus, a categoria “neutro” consiste em uma ulterior possibilidade de classificação, distinção e relação social (SCOTT, 1995). 373
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<strong>na</strong> sua mera “reação anti-homos<strong>sexual</strong>” e passa a ser de reflexão, crítica e denúncia<br />
contra comportamentos e situações que poderiam ser melhor abordados em outros<br />
campos: o cultural, o educacio<strong>na</strong>l, o político, o institucio<strong>na</strong>l, o jurídico, o sociológico,<br />
o antropológico. A homofobia passa a ser vista como fator de restrição de direitos<br />
de cidadania, como impeditivo à <strong>educação</strong>, à saúde, ao trabalho, à segurança, aos direitos<br />
humanos 0 e, por isso, chega a ser proposta a sua crimi<strong>na</strong>lização. Abrem-se<br />
aí novas frentes de batalhas, fogos cruzados, possibilidades e paradoxos políticos.<br />
Sem que se verifique uma necessária dissociação em relação a esse último<br />
entendimento, um ulterior salto parece ser promovido ao se procurar entender a<br />
homofobia a partir de reflexões sobre as relações de poder e os processos de produção<br />
de diferenças culturais, em que se exami<strong>na</strong>m e se assi<strong>na</strong>lam os indissociáveis vínculos<br />
entre homofobia e processos de construção de padrões relacio<strong>na</strong>is, preconceitos e<br />
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e se desencadeiam discrimi<strong>na</strong>ções homofóbicas é a mesma em que se estrutura o<br />
campo de disputas em que se definem socialmente o masculino (e as masculinidades),<br />
o feminino (e as feminilidades), como também o neutro, o ambíguo, o<br />
fronteiriço ou o semovente.<br />
Judith Butler ( 00 : 4) observa que a homofobia opera por meio da atribuição<br />
de um “gênero prejudicado”, “defeituoso”, “falho”, “abjeto” às pessoas homossexuais.<br />
Segundo ela, a matriz heteros<strong>sexual</strong> regula a <strong>sexual</strong>idade “mediante a vigilância e<br />
a humilhação do gênero”, de sorte que a homofobia “pode se expressar ainda numa<br />
espécie de ‘terror em relação à perda do gênero’, ou seja, no terror de não ser mais<br />
considerado como um homem ou uma mulher ‘reais’ ou ‘autênticos/as’” (LOURO,<br />
20 A Anistia Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l considera, desde 1991, violação dos direitos humanos o cerceamento da prática<br />
homos<strong>sexual</strong>, bem como a discrimi<strong>na</strong>ção contra homossexuais, bissexuais e transgêneros.<br />
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ao mesmo tempo em que confere maior tônica à coercitividade legal, punitiva e preventiva. “Homofobia [...]<br />
é uma doença anti-social [...] que se cura com a informação e a punição daqueles que desrespeitam os<br />
direitos humanos dos homossexuais” (GRUPO GAY DA BAHIA, 1996: 11, grifos meus).<br />
22 Para uma reflexão sobre os paradoxos relativos à multiplicação dos direitos em conflito, vide, por ex.:<br />
BOBBIO, 1990: 67 e segs.; SANTOS, 1989: 3 e segs.; FERRARI, 1997: 315-321.<br />
23 Vide, por ex.: WELZER-LANG, 2001; BORRILLO, 2001: 95, passim; ALMEIDA, 1995; BUTLER, 2003.<br />
24 Segundo Bourdieu (1998b: 23): “A ordem masculi<strong>na</strong> está [...] inscrita tanto <strong>na</strong>s instituições quanto nos<br />
agentes, tanto <strong>na</strong>s posições quanto <strong>na</strong>s disposições, <strong>na</strong>s coisas (e palavras) [...] e nos corpos [...]. A<br />
masculinidade está costurada no habitus, em todo habitus, tanto do homem quanto da mulher”. Agora,<br />
conforme alerta Badinter (2005), é preciso afastar noções de “domi<strong>na</strong>ção masculi<strong>na</strong>” com pressupostos<br />
essencialistas, simplistas e restritivos de “masculinidades” e de “feminilidades”. As relações entre homens e<br />
mulheres são complexas, históricas, dinâmicas. Um conceito de domi<strong>na</strong>ção masculi<strong>na</strong> que procure abarcar<br />
tudo, encerrando-os em dois pólos opostos, “fecha a porta a qualquer esperança de compreendermos a<br />
influência recíproca que [ambos] exercem e de medir sua inserção comum <strong>na</strong> humanidade” (ibid.: 53).<br />
25 Em diversos idiomas indo-europeus, a categoria “neutro” consiste em uma ulterior possibilidade de classificação,<br />
distinção e relação social (SCOTT, 1995).<br />
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