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Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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Não se trata mais de fracasso nem de ser devorado pelo mundo da velocidade e<br />

da fugacidade. Coisas que pareciam tão importantes ficam sem sentido. Por ora, talvez<br />

seja razoável falar menos quando os vencedores não param de falar. É difícil competir<br />

com eles no mesmo campo. Não precisamos discutir mas mudar de jogo. Aprender<br />

novamente coisas básicas como ouvir e prestar atenção antes de falar. Não ter medo<br />

do <strong>na</strong>da e do vazio nem procurar tão desesperadamente por uma identidade.<br />

Perdoem-me aqueles entre nós mais céticos ou cínicos, mas não posso evitar<br />

um tom religioso, como o próprio Caio Fer<strong>na</strong>ndo Abreu não evitou em seus últimos<br />

trabalhos. Não tanto fruto tardio de um misticismo orientalizante e celebratório dos<br />

anos 0, há muito já transformado pela indústria do esoterismo. Um ato de fé. Não<br />

mais procurar. Calar. Olhar as palavras. “Quero ser livre para brincar nos campos do<br />

Senhor”, Caio Fer<strong>na</strong>ndo Abreu declarou em uma de suas últimas entrevistas. 4 Sim,<br />

estou falando de salvação sem nenhum pudor. Uma salvação através das coisas deste<br />

mundo, como sente o protagonista também sem nome de Bem Longe de Marienbad<br />

( 99 ), ao ver duas enguias num aquário de “uma cidade do Norte” deserta. Na procura<br />

do enigmático K, o que parece se delinear é uma “arte de desaparecer. Mesmo<br />

assim, essa desaparição deixa vestígios, seja ela o lugar de aparição do Outro, do<br />

mundo, ou do objeto”. O outro, paradoxalmente, só aparece pelo seu desaparecimento<br />

(BAUDRILLARD, 997: 4). O protagonista se despede. “Preciso ficar sempre atento.<br />

Ainda não anoiteceu e alguns dizem que há castelos pelo caminho” (ibid.: 4 ).<br />

Como seria possível, hoje então, não só uma estética (VIRILIO, 980), mas<br />

uma ética encar<strong>na</strong>da no desaparecimento em tempos de máxima exposição, quando<br />

o margi<strong>na</strong>l, o revolucionário, o alter<strong>na</strong>tivo, o independente, o minoritário são<br />

glamourizados, vendidos e empacotados <strong>na</strong>s mais populares empresas de entretenimento?<br />

Há um frágil legado de leveza, uma posição, uma brecha, se permitirmos<br />

sermos reeducados para a delicadeza e para o desamparo. Leveza para lidar com<br />

o conflito, para evitar polarizações desnecessárias. Tudo poderia ser mais simples.<br />

Sofrimentos desnecessários, decorrentes do preconceito e da intolerância, poderiam<br />

ser evitados. A vida já nos traz tantos outros. Às vezes, nem é preciso muito.<br />

Ape<strong>na</strong>s ouvir e ser ouvido. Uma conversa que pode nos abrir mundos que não<br />

sonhávamos existir, mas que podem nos fazer diferentes. Aprender a sermos diferentes<br />

mesmo com o que não somos. Não estaria toda uma lição de verdadeira<br />

democracia, ao invés de colocar cada um numa gaveta, numa estante, num canto<br />

em que podemos reconhecer um lugar, contanto que não saia do seu lugar, não<br />

cruze fronteiras, não nos toque?<br />

4 A última frase é de Caio Fer<strong>na</strong>ndo Abreu, em entrevista a Marcelo Secron Bessa (1997).<br />

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