Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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O fim de Eduardo é o vazio, a rarefação. No entanto, o mistério de Stella não é o de seu simples desaparecimento, em suas várias versões, mas de como o visível se torna opaco, uma máscara na frente do nada. O desaparecimento de Stella revela a dificuldade da encenação social e do simulacro na sociedade de massas, no qual a intimidade se vê invadida e o espaço público desvalorizado. As possibilidades do jogo que vivificam a subjetividade pelo uso de máscaras residem na compreensão da natureza imagética da sociedade contemporânea. A máscara não é disfarce de um vazio existencial, mas uma tática de coexistir em que o primado é o da velocidade. Há um confronto permanente entre o desejo de pertencimento e a deriva, entre narcisismo e tribalismo. Seu centramento na vida pessoal é difícil de ser mantido diante de às mudanças do mundo exterior. Stella Manhattan é uma Mme. Bovary contemporânea. Em Nova York deseja a praia, o sol do Rio de Janeiro, e Ricky, em quem ela vê um James Dean reencarnado, a possibilidade de uma grande paixão e não um mero michê. Stella Manhattan é um romance de ilusões perdidas, de uma formação (Bildung) frustrada, ou talvez de uma impossibilidade contemporânea de articular satisfatoriamente o efêmero e o durável nas relações intersubjetivas. Stella, no fim, pode dizer “agora sou uma estrela”, ainda que ela tivesse morrido numa prisão norte-americana, violentada pelos presos (uma das versões do fim). Stella de fato não morre, ela desaparece nas palavras dos outros personagens. Seu corpo se dispersa. “Viado não morre, vira purpurina” (Laura de Vison). Seu desaparecimento pode nos oferecer senão um caminho, pelo menos uma pista para reavaliar a invisibilidade. Se a invisibilidade comumente tem um sentido negativo num primeiro momento de uma política de identidades, talvez agora ela possa significar algo diferente. Ser invisível numa sociedade consumista pode ser uma maneira de fazer uma diferença pela pausa e pela sutileza. Numa sociedade na qual tudo, todos devem ser visíveis a qualquer custo, incluindo mais e mais diversos grupos minoritários, mesmo a transgressão e a diferença são apenas estratégias de marketing. Por certo, invisibilidade não significa se esconder, fugir da realidade, mas simplesmente uma forma de enfrentar o poder corrosivo do simulacro, o excesso de imagens e signos cada vez mais desprovidos de sentido. A desaparição em Stella Manhattan pode ser melhor compreendida não exatamente por razões políticas relacionadas aos regimes autoritários latino-americanos. É algo mais comum. As pessoas desaparecem todo dia, se perdem, não voltam pra casa. Basta ler os jornais ou as estórias de Paul Auster, repletas de personagens anônimos, sempre a ponto de desaparecerem. A desaparição seria, então, uma outra maneira de viver, de se reinventar e de pertencer. A desaparição está sempre em constante tensão com a visibilidade, nos 361
seus vários sentidos, seja político, cultural, comercial ou existencial. Como então desaparecer? Não é só uma questão de saber como lidar com a imagem pública, como no caso de pop stars e políticos. É algo mais amplo. A invisibilidade tem menos a ver com o fascínio romântico por outsiders do que por apontar para uma subjetividade formada pelos fluxos do mundo, sem contudo aderir às superteorizações dos sujeitos nômades e pós-humanos. É só uma questão de deixar o mundo exterior ser o interior, a superficialidade ser a profundidade. Desaparecer para reaparecer. Aparecer para desaparecer. Uma brincadeira de pique-esconde. Esta busca iniciada com Stella Manhattan é uma busca também por silêncio. Agora, o silêncio não mais significa morte. Clamar por uma nova invisibilidade não significa auto-repressão, voltar a um momento anterior, a uma política de identidades necessária e eficiente na conquista de direitos, mas pensar para além, para o futuro. Trata-se de buscar menos confronto e mais sutileza diante do crescente uso conservador das políticas de representação exercidas por movimentos religiosos e étnicos fundamentalistas, uma estratégia que privilegie e amplie o necessário diálogo com outros sujeitos na esfera pública. Onde é esperado um confronto, uma luta, mudar de posição. Onde é esperado o grito, baixar a voz. “Que a minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” (NIETZSCHE, 00 : 88). E este sim é um ato de entrega, de desejo de pertencimento, mas de pertencimento a quê? Do fim dos anos 0 pulamos a ressaca de Morangos Mofados, e entramos nos anos 80 pelas mãos de Caio Fernando Abreu. A invisibilidade seria, então, um sinal de modéstia, como o protagonista de Onde Andará Dulce Veiga? ( 990) descobre. No início do romance, ele vive sua invisibilidade social como mediocridade e fracasso. Quando ele consegue um emprego num jornal de quinta categoria, sua primeira grande matéria foi procurar por Dulce Veiga, cantora que desaparecera muito tempo atrás, nos anos 70, talvez. Ela some quando iria se apresentar no show que a consagraria como um dos grandes nomes da música popular brasileira. Ela não aparece e nunca mais se teve notícia dela. Subitamente Dulce Veiga, que tinha sido entrevistada pelo jornalista ainda jovem numa de suas primeiras reportagens, começa a surgir em vários lugares na cidade de São Paulo. Estas aparições não só o fizeram compreender melhor a si mesmo, o passado, mas conquistar uma outra invisibilidade, um outro desaparecimento. Quando finalmente ele, que sempre fora apenas o fã, o que falava de outros, encontra Dulce Veiga numa pequena cidade no centro do Brasil; ele canta pela primeira vez, encontra sua voz apenas para que possa desaparecer melhor sem mágoas nem ressentimento. Desaparecer para o protagonista, que até o fim do livro não tem um nome, é encontrar-se diferentemente num outro tempo e num outro lugar. 362
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O fim de Eduardo é o vazio, a rarefação. No entanto, o mistério de Stella não<br />
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As possibilidades do jogo que vivificam a subjetividade pelo uso de máscaras<br />
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máscara não é disfarce de um vazio existencial, mas uma tática de coexistir em que o<br />
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difícil de ser mantido diante de às mudanças do mundo exterior. Stella Manhattan<br />
é uma Mme. Bovary contemporânea. Em Nova York deseja a praia, o sol do Rio de<br />
Janeiro, e Ricky, em quem ela vê um James Dean reencar<strong>na</strong>do, a possibilidade de<br />
uma grande paixão e não um mero michê. Stella Manhattan é um romance de ilusões<br />
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contemporânea de articular satisfatoriamente o efêmero e o durável <strong>na</strong>s relações intersubjetivas.<br />
Stella, no fim, pode dizer “agora sou uma estrela”, ainda que ela tivesse<br />
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fim). Stella de fato não morre, ela desaparece <strong>na</strong>s palavras dos outros perso<strong>na</strong>gens.<br />
Seu corpo se dispersa. “Viado não morre, vira purpuri<strong>na</strong>” (Laura de Vison).<br />
Seu desaparecimento pode nos oferecer senão um caminho, pelo menos uma<br />
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negativo num primeiro momento de uma política de identidades, talvez agora ela<br />
possa significar algo diferente. Ser invisível numa sociedade consumista pode ser<br />
uma maneira de fazer uma diferença pela pausa e pela sutileza. Numa sociedade <strong>na</strong><br />
qual tudo, todos devem ser visíveis a qualquer custo, incluindo mais e mais diversos<br />
grupos minoritários, mesmo a transgressão e a diferença são ape<strong>na</strong>s estratégias de<br />
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simplesmente uma forma de enfrentar o poder corrosivo do simulacro, o excesso de<br />
imagens e signos cada vez mais desprovidos de sentido.<br />
A desaparição em Stella Manhattan pode ser melhor compreendida não exatamente<br />
por razões políticas relacio<strong>na</strong>das aos regimes autoritários latino-americanos.<br />
É algo mais comum. As pessoas desaparecem todo dia, se perdem, não voltam<br />
pra casa. Basta ler os jor<strong>na</strong>is ou as estórias de Paul Auster, repletas de perso<strong>na</strong>gens<br />
anônimos, sempre a ponto de desaparecerem.<br />
A desaparição seria, então, uma outra maneira de viver, de se reinventar e de<br />
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