Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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14.04.2013 Views

Por uma nova invisibilidade Denilson Lopes* É fundamental, ao pensar a relevância de uma identidade LGBTS, questionar até que ponto sua institucionalização é necessária ou desejável. Nomear é sempre um perigo, mas se não nos nomeamos, outros o farão. Dar um nome não significa simplesmente classificar, mas explorar, problematizar. Falar em queers é ainda algo restrito a circuitos acadêmicos. Além do mais, a falta de tradução lingüística bem pode ser um indício da falta de tradução intelectual. Está sempre presente “o perigo constante na tradução de qualquer informação cultural advinda de registro lingüístico minoritário: a tendência a reduzir as distinções de identidade, assim apagando as distinções sutis que são o epicentro de seu sistema significante” (LARKOSH, 000: s.p.). Há que se refletir sobre a opção do Festival Mix de sexualidades múltiplas e o termo GLS ou ainda a tônica do “homoerotismo”, termo clássico, colocado novamente em circulação entre nós por Jurandir Freire Costa, com eco nos estudos universitários, mas praticamente não utilizado entre os militantes. Os debochados e coloquiais “bicha”, “viado” ou a construção transnacional de uma homocultura ou * Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília e pós-doutor pela City University of New York. Professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do CNPq. 1 Para uma outra posição, ver: LUGARINHO (2001).

do gay? A saída não está em apontar para um nome único, mas em estratégias diferenciadas em função de realidades culturais e regionais distintas. Pessoalmente, acreditei que a melhor resposta se daria a partir de uma aliança com o multiculturalismo para evitar um fechamento intelectual, para compor espaços que nos dessem visibilidade e espessura. Não se tratava de uma adesão incondicional ao modelo culturalista norte-americano, mas a necessidade fundamental de ir além de toda guetização, de toda política isolacionista. Era e é necessário não perder de vista que toda identidade é relacional. O redimensionamento da homossexualidade implica repensar a heterossexualidade, bem como a transitividade sexual historicamente presente na cultura brasileira, muito antes do boom bissexual dos anos 70 que, se nunca impediu a violência homofóbica, não pode ser reduzida à alienação, ao enrustimento. Pensar a sexualidade e a afetividade implica discutir formas de adesão a projetos coletivos e a temas que transitem para o conjunto da sociedade civil, como a tentativa de militantes brasileiras e brasileiros de incluir mais decisivamente o preconceito contra homossexuais no espectro da luta por direitos humanos fundamentais, dentro de uma sociedade mais justa para todos, como vem sendo feito com mais sucesso em relação à Aids e a seus portadores e portadoras. De minha parte, que nunca tive um pendor militante, ter conhecido os grupos gays Arco-Íris, no Rio de Janeiro, e Estruturação, em Brasília, ter participado de algumas de suas reuniões após ter voltado de período de estudos nos EUA e no Canadá, foi fundamental para deixar de ter uma relação silenciosa com a homossexualidade e ter coragem em lidar com minha própria experiência e, ao fazê-lo, me sentir mais parte do mundo. E como isto foi difícil! Ainda, por incrível que possa parecer, e não pernóstico, ao menos espero, havia sentimentos que eram mais fáceis de serem ditos em inglês do que em português. Quando adolescente, no fim dos anos 70 e início dos anos 80, em Brasília, não tive grupos de gays, o que vejo entre amigos mais jovens, entre meus alunos agora, com tanta visibilidade. Mesmo amigos que eram gays no colégio ou na época de faculdade fui saber muito tempo depois sobre sua orientação. Talvez porque os tempos eram outros – fim da ditadura militar – temas associados à sexualidade eram silenciados, deixados para as conversas de corredor ou, no máximo, tocados em aulas de biologia. Estas pálidas referências como depois eventuais aulas de educação sexual que se multiplicaram à sombra da propagação da Aids não conseguiam fazer conexões para que se entendesse a sexualidade como parte da formação afetiva e política. Era muito pouco saber quais eram os órgãos sexuais, suas funções ou como colocar uma camisinha. Faltava o vínculo com a vida, com a experiência viva. E isto, certamente, teria ajudado a superar ou, pelo menos, redimensionar uma sensação de 356

do gay? A saída não está em apontar para um nome único, mas em estratégias diferenciadas<br />

em função de realidades culturais e regio<strong>na</strong>is distintas.<br />

Pessoalmente, acreditei que a melhor resposta se daria a partir de uma aliança<br />

com o multiculturalismo para evitar um fechamento intelectual, para compor espaços<br />

que nos dessem visibilidade e espessura. Não se tratava de uma adesão incondicio<strong>na</strong>l<br />

ao modelo culturalista norte-americano, mas a necessidade fundamental de ir<br />

além de toda guetização, de toda política isolacionista. Era e é necessário não perder<br />

de vista que toda identidade é relacio<strong>na</strong>l. O redimensio<strong>na</strong>mento da homos<strong>sexual</strong>idade<br />

implica repensar a heteros<strong>sexual</strong>idade, bem como a transitividade <strong>sexual</strong> historicamente<br />

presente <strong>na</strong> cultura brasileira, muito antes do boom bis<strong>sexual</strong> dos anos 70<br />

que, se nunca impediu a violência homofóbica, não pode ser reduzida à alie<strong>na</strong>ção, ao<br />

enrustimento. Pensar a <strong>sexual</strong>idade e a afetividade implica discutir formas de adesão<br />

a projetos coletivos e a temas que transitem para o conjunto da sociedade civil,<br />

como a tentativa de militantes brasileiras e brasileiros de incluir mais decisivamente<br />

o preconceito contra homossexuais no espectro da luta por direitos humanos fundamentais,<br />

dentro de uma sociedade mais justa para todos, como vem sendo feito com<br />

mais sucesso em relação à Aids e a seus portadores e portadoras.<br />

De minha parte, que nunca tive um pendor militante, ter conhecido os grupos<br />

gays Arco-Íris, no Rio de Janeiro, e Estruturação, em Brasília, ter participado<br />

de algumas de suas reuniões após ter voltado de período de estudos nos EUA e no<br />

Ca<strong>na</strong>dá, foi fundamental para deixar de ter uma relação silenciosa com a homos<strong>sexual</strong>idade<br />

e ter coragem em lidar com minha própria experiência e, ao fazê-lo, me<br />

sentir mais parte do mundo. E como isto foi difícil! Ainda, por incrível que possa<br />

parecer, e não pernóstico, ao menos espero, havia sentimentos que eram mais fáceis<br />

de serem ditos em inglês do que em português.<br />

Quando adolescente, no fim dos anos 70 e início dos anos 80, em Brasília,<br />

não tive grupos de gays, o que vejo entre amigos mais jovens, entre meus alunos<br />

agora, com tanta visibilidade. Mesmo amigos que eram gays no colégio ou <strong>na</strong> época<br />

de faculdade fui saber muito tempo depois sobre sua orientação. Talvez porque<br />

os tempos eram outros – fim da ditadura militar – temas associados à <strong>sexual</strong>idade<br />

eram silenciados, deixados para as conversas de corredor ou, no máximo, tocados em<br />

aulas de biologia. Estas pálidas referências como depois eventuais aulas de <strong>educação</strong><br />

<strong>sexual</strong> que se multiplicaram à sombra da propagação da Aids não conseguiam fazer<br />

conexões para que se entendesse a <strong>sexual</strong>idade como parte da formação afetiva e<br />

política. Era muito pouco saber quais eram os órgãos sexuais, suas funções ou como<br />

colocar uma camisinha. Faltava o vínculo com a vida, com a experiência viva. E isto,<br />

certamente, teria ajudado a superar ou, pelo menos, redimensio<strong>na</strong>r uma sensação de<br />

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