Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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14.04.2013 Views

variados estigmas sociais. Seu trabalho objetiva discutir as representações do “diferente” e sua inserção na sociedade constituída pelos ditos “normais”, bem como as diversas formas como a literatura infanto-juvenil tem abordado essas questões, destacando suas intenções obviamente pedagógicas e formativas. No campo dos Estudos Culturais, a literatura é estudada não como assunto estanque, mas em relação a outros campos de estudo, como sociologia, psicologia, história, etc. Na atualidade temos visto, felizmente, proliferarem discussões voltadas para o multiculturalismo, a diversidade e os direitos das chamadas minorias. Segundo Rosa Silveira, “No cruzamento de tais discussões, os produtos culturais considerados artísticos merecem nossa atenção, reconhecendo-se seu poder de produção ou reprodução de representações, imagens e estereótipos” (SILVEIRA, 00 : s/p.). Ela segue dizendo que seu trabalho objetiva discutir as representações do “diferente” e sua inserção na sociedade constituída pelos/as ditos/as “normais”, bem como as diversas formas como a literatura infanto-juvenil tem abordado tais questões, destacando suas intenções obviamente pedagógicas e formativas. Dentre os livros analisados nesse trabalho, o que mais me chamou a atenção foi o Menino ama menino, de Marilene Godinho ( 000), já que a questão da orientação sexual continua sendo a menos abordada em livros voltados para o público infantil e juvenil. Nesse livro ela é mostrada através do personagem Toni. Quem vai falar com ele a respeito desta questão é a Tia Elza, apresentada como uma pessoa inteligente e religiosa (mas que não deixa nenhum tipo de fanatismo interferir em suas concepções a respeito da vida). Interessante que ela, ao falar com Toni, diz que a “solução” para o “problema” é ser uma pessoa “bem resolvida”. Ora, ao fazer então a falta de auto-aceitação da sua homossexualidade. Ser homossexual, ensina Tia Elza, não é em si um problema. O problema existe sim, mas é a intolerância social. Se antigamente víamos na literatura infanto-juvenil histórias nas quais as questões de diferença apareciam, a abordagem era outra, bem como as “soluções” para os problemas decorrentes da “diferença” apresentada. Como exemplo claro teríamos o Patinho Feio, que é espancado, enxovalhado, humilhado durante toda a história, levando as crianças às lágrimas. (Eu fui uma delas. Quantas vezes chorei pensando na vida do desventurado patinho). Se no final da história ele supera sua condição de diferente, não foi pelo fato de os outros o terem aceitado como era, mas porque se descobriu pertencente a uma outra categoria, por sinal mais nobre e imponente do que aos pobres patos. Ele era um elegante cisne. Era diferente de um grupo onde acidentalmente nascera, mas era igual aos outros. Não há, na verdade, uma situação em que as diferenças sejam aceitas e respeitadas, mas uma guetização; nela, cada qual é aceito apenas no seu próprio meio, entre seus iguais. 333

Mas os livros dos quais estou falando agora não são assim. Há uma preocupação politicamente correta de incentivar nos/as leitores/as uma real apreensão dos problemas enfrentados por aqueles/as considerados/as “diferentes” e, conseqüentemente, um estímulo a uma real aceitação dessas diferenças. Há um livro de Georgina Martins chamado O menino que brincava de ser. Este livro não trata diretamente da questão da orientação sexual, mas de gênero. O personagem principal é Dudu, um menino que gostava de vestir fantasias femininas nas brincadeiras. Ele era a princesa, ou a fada, ou a bruxa. O grande conflito criado é com o pai, que não aceita essa maneira de ser do filho, já que isso poderia ser uma demonstração de que ele seria homossexual. Ao longo do texto essa idéia vai sendo reforçada, pois o menino se dispõe a passar debaixo de um arco-íris para se transformar em menina e poder se vestir como quiser, mas ao mesmo tempo conquistar o amor, a aceitação do pai. No final da história, contudo, a idéia é desconstruída, quando ele decide que será ator, pois assim poderá se vestir como quiser sem precisar se transformar em menina. Este texto foi aclamado como um “livro gay para crianças” pois, embora o personagem principal continue sendo menino e não exista nenhuma indicação se ele será ou não homossexual (e isso não é relevante na história), há um claro forçamento dos limites da questão da identidade de gênero em uma história voltada para crianças. O texto passa a mensagem da importância da aceitação das pessoas como elas são, independente do seu comportamento. O menino estava disposto a mudar o seu corpo biológico apenas para ter a aceitação do pai e se sentia angustiado por isso. Infelizmente, devido aos três fatores apontados por Rick Santos ( 997), cristalizados na nossa sociedade, ainda são muito poucos os livros voltados para o público juvenil e, principalmente o infantil, que tratem da questão da orientação sexual. Em novembro de 004, proferi palestra no CCBB de São Paulo direcionada a professores/as de escolas do município e do estado. O tema era “Sexo, literatura e subliteratura – pornografia e erotismo”. Ao final da palestra, falei sobre a minha pesquisa de doutorado e a minha dissertação de mestrado, nas quais tratei da literatura lésbica contemporânea que intenta fornecer um “modelo positivo de identificação” para as lésbicas. Confesso ter ficado impressionada com a quantidade de professores/ as que relataram não ter referências nem o menor conhecimento de obras literárias que abordassem positivamente as questões das “diferenças”. Afirmaram ainda a satisfação de estarem tendo, naquele momento, contato com a minha pesquisa, já que por várias vezes tinham querido trabalhar este tipo de texto com seus/suas alunos/as. 334

Mas os livros dos quais estou falando agora não são assim. Há uma preocupação<br />

politicamente correta de incentivar nos/as leitores/as uma real apreensão<br />

dos problemas enfrentados por aqueles/as considerados/as “diferentes” e, conseqüentemente,<br />

um estímulo a uma real aceitação dessas diferenças.<br />

Há um livro de Georgi<strong>na</strong> Martins chamado O menino que brincava de ser.<br />

Este livro não trata diretamente da questão da orientação <strong>sexual</strong>, mas de gênero.<br />

O perso<strong>na</strong>gem principal é Dudu, um menino que gostava de vestir fantasias femini<strong>na</strong>s<br />

<strong>na</strong>s brincadeiras. Ele era a princesa, ou a fada, ou a bruxa. O grande conflito<br />

criado é com o pai, que não aceita essa maneira de ser do filho, já que isso poderia<br />

ser uma demonstração de que ele seria homos<strong>sexual</strong>. Ao longo do texto essa idéia<br />

vai sendo reforçada, pois o menino se dispõe a passar debaixo de um arco-íris para<br />

se transformar em meni<strong>na</strong> e poder se vestir como quiser, mas ao mesmo tempo<br />

conquistar o amor, a aceitação do pai.<br />

No fi<strong>na</strong>l da história, contudo, a idéia é desconstruída, quando ele decide<br />

que será ator, pois assim poderá se vestir como quiser sem precisar se transformar<br />

em meni<strong>na</strong>.<br />

Este texto foi aclamado como um “livro gay para crianças” pois, embora o<br />

perso<strong>na</strong>gem principal continue sendo menino e não exista nenhuma indicação se ele<br />

será ou não homos<strong>sexual</strong> (e isso não é relevante <strong>na</strong> história), há um claro forçamento<br />

dos limites da questão da identidade de gênero em uma história voltada para crianças.<br />

O texto passa a mensagem da importância da aceitação das pessoas como elas<br />

são, independente do seu comportamento. O menino estava disposto a mudar o seu<br />

corpo biológico ape<strong>na</strong>s para ter a aceitação do pai e se sentia angustiado por isso.<br />

Infelizmente, devido aos três fatores apontados por Rick Santos ( 997), cristalizados<br />

<strong>na</strong> nossa sociedade, ainda são muito poucos os livros voltados para o público<br />

juvenil e, principalmente o infantil, que tratem da questão da orientação <strong>sexual</strong>.<br />

Em novembro de 004, proferi palestra no CCBB de São Paulo direcio<strong>na</strong>da<br />

a professores/as de escolas do município e do estado. O tema era “Sexo, literatura e<br />

subliteratura – pornografia e erotismo”. Ao fi<strong>na</strong>l da palestra, falei sobre a minha pesquisa<br />

de doutorado e a minha dissertação de mestrado, <strong>na</strong>s quais tratei da literatura<br />

lésbica contemporânea que intenta fornecer um “modelo positivo de identificação”<br />

para as lésbicas. Confesso ter ficado impressio<strong>na</strong>da com a quantidade de professores/<br />

as que relataram não ter referências nem o menor conhecimento de obras literárias<br />

que abordassem positivamente as questões das “diferenças”. Afirmaram ainda a satisfação<br />

de estarem tendo, <strong>na</strong>quele momento, contato com a minha pesquisa, já que por<br />

várias vezes tinham querido trabalhar este tipo de texto com seus/suas alunos/as.<br />

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