Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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monstram dificuldades em aceitar a bissexualidade e vêem-na como estratégia de ocultação de uma “real homossexualidade”. De outro, uma vez que, segundo a doxa prevalecente, “todo gay é afeminado” (ou que “toda lésbica é masculina”), não é incomum que entre homens bissexuais costume ser rechaçada qualquer proximidade com as identidades homossexuais. Assim, não raro, a construção da masculinidade bissexual passa pela negação de uma semelhança percebida como ameaça. Com efeito, entre os bissexuais, Seffner nota: A aproximação com a homossexualidade, especialmente na sua face de homem efeminado, com trejeitos, é recusada de forma peremptória, e isto se expressa de forma muito clara nos anúncios, nos quais são freqüentes referências como “descartam-se bichas efeminadas, pré-travequinhas, entendidos afetados ou outros metidos a mulher” (ibid.: 99). 47 Como podemos observar, aqui também as questões referentes ao gênero emergem com grande força, intrinsecamente vinculadas a outras relativas à orientação sexual, em um campo minado por preceitos, preconceitos e tensões, fontes de ulterior sofrimento. Não por acaso, dependendo, por exemplo, de como se delineiam as possibilidades de reconhecimento (entendido como aceitação e auto-aceitação) das diversas orientações sexuais e identidades de gênero, jovens e adolescentes poderão preferir atribuir-se ora uma ora outra identidade, inventar outras, recusar todas, ou aprofundar-se em um angustioso silêncio. Não surpreende que muitos poderão autodesignarem-se “heterossexuais” mesmo quando mantiverem quase somente relações homoeróticas. O preconceito, a discriminação e a violência que, na escola, atingem gays, lésbicas e bissexuais e lhes restringem direitos básicos de cidadania, se agravam em relação a travestis e a transexuais. Essas pessoas, ao construírem seus corpos, suas maneiras de ser, expressar-se e agir, não podem passar incógnitas. Por isso, não raro, ficam sujeitas às piores formas de desprezo, abuso e violência. Não por acaso, diversas pesquisas têm revelado que as travestis constituem a parcela com maiores dificuldades de permanência na escola de inserção no mercado de trabalho em função do preconceito e da discriminação sistemática a que estão submetidas (PARKER, 000; PERES, 004). Tais preconceitos e discriminações incidem diretamente na constituição de seus perfis sociais, educacionais e econômicos, os 47 Necessitamos de mais estudos sobre as tensões relativas à produção de configurações identitárias entre mulheres bissexuais na sociedade brasileira. 33

quais, por sua vez, serão usados como elementos legitimadores de ulteriores discriminações e violências contra elas. A sua exclusão da escola passa, inclusive, pelo silenciamento curricular em torno delas. Escola e desestabilização da homofobia Sem prejuízo do que foi considerado acerca do papel da escola na reprodução dos mecanismos relativos à dominação masculina e heteronormativa, é preciso não esquecer que ela é, ao mesmo tempo, elemento fundamental para contribuir para desmantelá-los. Profissionais da educação, no entanto, ainda não contam com suficientes diretrizes e instrumentos adequados para enfrentar os desafios relacionados aos direitos sexuais e à diversidade sexual. É comum que tais profissionais declarem não saber como agir quando um estudante é agredido por parecer ou afirmar ser homossexual, bissexual ou transgênero. O que dizer a ele ou a uma turma geralmente hostil? O assunto deve ser levado a pais e mães? 48 E, quando sim, de que modo? Como se comportar quando uma criança declara, em sua redação, seu afeto por um/ a colega do mesmo sexo? A troca de gestos de carinho entre estudantes de mesmo sexo ou alterações no modo de se vestir, falar, gesticular devem receber algum tipo de atenção particular? É legítimo o pedido de uma pessoa para não ser chamada pelo seu nome do registro civil, mas por um nome social de outro gênero? Como lhe garantir acesso a cada espaço da escola e tratamento adequado por parte da comunidade escolar? É possível abordar temáticas relativas aos direitos das pessoas LGBT nas reuniões entre docentes? Como introduzir tais questões no currículo escolar de uma maneira não heteronormativa? Que medidas podem ou devem ser adotadas em defesa das prerrogativas constitucionais do profissional homossexual, travesti ou transexual? Que fazer quando em uma daquelas reuniões de “pais e mestres” comparecerem duas mães ou dois pais para discutir a situação de um mesmo aluno ou aluna? 49 E se um deles é travesti ou transexual? Por isso, é inquestionável a importância de medidas voltadas a oferecer, sobretudo a profissionais da educação, 48 Diante da crise da família patriarcal e da eclosão de novos arranjos familiares (BERQUÓ e OLIVEIRA, 1989; CARVALHO, 1995; CASTELLS, 1999: cap. 4; RIBEIRO e RIBEIRO, 1995; ROUDINESCO, 2003; VAITSMAN, 1994; MELLO, 2005), cabe questionar a pertinência de a escola, a mídia e outros espaços sociais continuarem calcando as celebrações dos Dias das Mães e dos Pais no modelo familhista tradicional. 49 Fenômenos como os da “homoparentalidade” (termo cunhado, em 1997, pela Association de Parents et Futurs Parents Gays et Lesbiens) fazem com que até mesmo as crianças tragam para dentro da sala de aula a discussão de temas relativos aos novos arranjos familiares, à homoafetividade, aos direitos conjugais e parentais, entre outros. Sobre homoparentalidade, vide: HALVORSEN, 1996; GROSS, 1999; FERREIRA, 2004; HEILBORN, 2004; MEDEIROS, 2004; TARNOVSKI, 2004 e UZIEL, 2004. Sobre políticas educacionais inclusivas de famílias homoparentais: BRICKLEY et al., 1999; BAUER e GOLDSTEIN, 2003. 34

monstram dificuldades em aceitar a bis<strong>sexual</strong>idade e vêem-<strong>na</strong> como estratégia de<br />

ocultação de uma “real homos<strong>sexual</strong>idade”. De outro, uma vez que, segundo a doxa<br />

prevalecente, “todo gay é afemi<strong>na</strong>do” (ou que “toda lésbica é masculi<strong>na</strong>”), não é incomum<br />

que entre homens bissexuais costume ser rechaçada qualquer proximidade<br />

com as identidades homossexuais. Assim, não raro, a construção da masculinidade<br />

bis<strong>sexual</strong> passa pela negação de uma semelhança percebida como ameaça. Com<br />

efeito, entre os bissexuais, Seffner nota:<br />

A aproximação com a homos<strong>sexual</strong>idade, especialmente <strong>na</strong> sua<br />

face de homem efemi<strong>na</strong>do, com trejeitos, é recusada de forma<br />

peremptória, e isto se expressa de forma muito clara nos anúncios,<br />

nos quais são freqüentes referências como “descartam-se<br />

bichas efemi<strong>na</strong>das, pré-travequinhas, entendidos afetados ou<br />

outros metidos a mulher” (ibid.: 99). 47<br />

Como podemos observar, aqui também as questões referentes ao gênero<br />

emergem com grande força, intrinsecamente vinculadas a outras relativas à orientação<br />

<strong>sexual</strong>, em um campo mi<strong>na</strong>do por preceitos, preconceitos e tensões, fontes<br />

de ulterior sofrimento. Não por acaso, dependendo, por exemplo, de como<br />

se delineiam as possibilidades de reconhecimento (entendido como aceitação e<br />

auto-aceitação) das diversas orientações sexuais e identidades de gênero, jovens e<br />

adolescentes poderão preferir atribuir-se ora uma ora outra identidade, inventar<br />

outras, recusar todas, ou aprofundar-se em um angustioso silêncio. Não surpreende<br />

que muitos poderão autodesig<strong>na</strong>rem-se “heterossexuais” mesmo quando mantiverem<br />

quase somente relações homoeróticas.<br />

O preconceito, a discrimi<strong>na</strong>ção e a violência que, <strong>na</strong> escola, atingem gays,<br />

lésbicas e bissexuais e lhes restringem direitos básicos de cidadania, se agravam<br />

em relação a travestis e a transexuais. Essas pessoas, ao construírem seus corpos,<br />

suas maneiras de ser, expressar-se e agir, não podem passar incógnitas. Por isso,<br />

não raro, ficam sujeitas às piores formas de desprezo, abuso e violência. Não por<br />

acaso, diversas pesquisas têm revelado que as travestis constituem a parcela com<br />

maiores dificuldades de permanência <strong>na</strong> escola de inserção no mercado de trabalho<br />

em função do preconceito e da discrimi<strong>na</strong>ção sistemática a que estão submetidas<br />

(PARKER, 000; PERES, 004). Tais preconceitos e discrimi<strong>na</strong>ções incidem<br />

diretamente <strong>na</strong> constituição de seus perfis sociais, educacio<strong>na</strong>is e econômicos, os<br />

47 Necessitamos de mais estudos sobre as tensões relativas à produção de configurações identitárias entre<br />

mulheres bissexuais <strong>na</strong> sociedade brasileira.<br />

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