Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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de gênero. Impera, nesse caso, o princípio da heterossexualidade presumida, que faz crer que não haja homossexuais em um determinado ambiente (ou, se houver, deverá ser “coisa passageira”, que “se resolverá quando ele/ela encontrar a pessoa certa”). A presunção de heterossexualidade enseja o silenciamento e a invisibilidade das pessoas homossexuais e, ao mesmo tempo, dificulta enormemente a expressão e o reconhecimento das homossexualidades 4 como maneiras legítimas de se viver e se expressar afetiva e sexualmente (BECKER, 00 ). A promoção da exclusão das pessoas homossexuais, bissexuais e transgêneros do campo de reivindicações de direitos é sistematicamente acompanhada pela construção de um conjunto de representações simplificadoras e desumanizantes sobre elas, suas práticas sociais e seus estilos de vida. A invisibilidade aliada a uma visibilidade distorcida pode tornar-lhes ainda mais titubeante e doloroso o processo de construção identitária. Não por acaso, entre muitos jovens e adolescentes verifica-se certa resistência ao emprego dos termos gay e lésbica como forma de autodesignação identitária (RYAN e FRAPPIER, 994). As descobertas e as experimentações sexuais vividas na adolescência, por menos repressivo que seja o contexto em que se dão, não costumam ser encaradas com muita tranqüilidade. Evidentemente, as dificuldades de se viverem as homossexualidades nesse período podem ser ainda maiores. Poucos/as jovens se sentirão à vontade para se exporem e, não raro, muitas dessas pessoas enfrentarão processos de profunda negação de sua orientação sexual. Com isso, alimentarão as lógicas de invisibilização e, involuntariamente, reforçarão as crenças alimentadas pelo “princípio da presunção da heterossexualidade”. Essa presunção pode ser ainda mais forte em relação às jovens e faz com que as estudantes lésbicas (e não apenas elas) se tornem ainda mais invisíveis. O fato de a sociedade aceitar certas manifestações de afeto entre as mulheres contribui para o reforço de tal presunção. No entanto, tal aceitação não pode ser confundida com uma maior tolerância em relação à lesbianidade. Pelo contrário, basta notar que o fato de as mulheres serem sujeitos historicamente relegados a um plano secundário em praticamente todos os campos sociais agrava-se ulteriormente no caso das 43 Ao se desconsiderar um universo muito mais pluralizado, múltiplo e dinâmico do que as categorias “homossexual”, “homossexualidade”, entre outras, geralmente supõem, também se contribui para produzir uma invisibilidade em relação às homossexualidades. A este propósito Costa (1992: 44) observa: “como a heterossexualidade é uma rubrica que serve para designar fatos tão disparatados [...], assim também homossexualidade designa experiências [em que] sequer a atração pelo mesmo sexo é suficiente, enquanto predicado definitório de cada uma delas. A diversidade de atos, sentimentos e auto-definições incluídos nessa etiqueta, quando examinada de perto, mostra que a suposta homogeneidade teorizada [ou politicamente defendida] nada tem a ver com a heterogeneidade vivida”. Uma coisa é a valorização das identidades gay e lésbica para fortalecê-las diante do preconceito; outra é afirmar que elas sejam as únicas identidades possíveis ou desejáveis para todos os indivíduos homoeroticamente orientados (MACRAE, 1990). 31

mulheres homossexuais. A invisibilidade lésbica (mais do que a feminina em geral) foi construída ao longo da História (e na historiografia), nos discursos sobre a sexualidade, a homossexualidade, a militância 44 e a diversidade em geral. Vetores discriminatórios que operam no mundo social contra as mulheres em geral acirram-se no caso das mulheres lésbicas (e ainda mais se forem lésbicas pertencentes a outras “minorias”, produzindo em turbilhão de vulnerabilidades). 4 32 É preciso perceber que, em relação à lesbianidade, está se tornando mais aceito socialmente o tipo de par que reúne mulheres brancas, “casadas” (em relação estável), “femininas” e sem disparidade de classe ou geração, ou seja, mais próximas aos tipos socialmente valorados (BORGES, 00 : ). 4 O cerceamento do campo das possibilidades legítimas de expressão de uma identidade sexual não inteiramente sintonizada com a heteronormatividade também implica a invisibilidade e a difícil inclusão das pessoas bissexuais no campo das reivindicações de direitos civis. Nesse caso, as tensões oriundas da construção de uma identidade fronteiriça (comumente estigmatizada entre as figuras do “libertino”, do “indeciso” ou do “enrustido”), conduzem muitas pessoas bissexuais a operações em que alternam constantemente o que tornar visível ou invisível (SEFFNER, 004: 97). Isso, porém, não significa que apenas bissexuais adotem (conscientemente ou não) práticas de visibilização ou de invisibilização estratégica. Afinal, é acaciano lembrar que todas as pessoas vivem processos ao longo dos quais se tensionam o público e o privado. É preciso notar que o binarismo e o essencialismo produzem, em relação às pessoas bissexuais, dois fenômenos contraditórios e complementares. De um lado, há pessoas que, ao dividirem os contingentes humanos em “gays ou héteros”, de- 44 A invisibilidade lésbicas materializa-se ainda “tanto no menor número de estudos e pesquisas sobre a vivência lésbica – quando comparados aos estudos sobre homossexualidade masculina – quanto no maior número de homens com visibilidade social e militância homossexual ostensivas” (MELLO, 2005: 201). Vide: ALMEIDA, 2005; MUNIZ, 1992; PORTINARI, 1989; RICH, 1994; SWAIN, 2000. 45 O que se diz, por ex., acerca das lésbicas negras? Quais representações circulam sobre judias, muçulmanas ou chinesas lésbicas? São distintas as economias de visibilidade, em face da racialização da sexualidade do outro. 46 Sobre as lésbicas “mais masculinizadas”, diz Almeida (2005: 166): “As ‘fanchas’ [...] [têm] cada vez menor lugar no cenário das novas exigências colocadas às lésbicas. [...] Embora ela possa curiosamente [conservar um] lugar substantivo na cultura sexual das lésbicas, [...] ela é mal-vinda, especialmente nas camadas médias, para o estabelecimento de relações duradouras e públicas. Isso ocorre tanto por rejeição estética das próprias parceiras, quanto por traduzir mais visivelmente o risco de relações assimétricas, ou ainda, por restringir as possibilidades de manipulação do estigma [...], [por meio] de estratégias de ocultamento do vínculo”.

de gênero. Impera, nesse caso, o princípio da heteros<strong>sexual</strong>idade presumida, que<br />

faz crer que não haja homossexuais em um determi<strong>na</strong>do ambiente (ou, se houver,<br />

deverá ser “coisa passageira”, que “se resolverá quando ele/ela encontrar a pessoa<br />

certa”). A presunção de heteros<strong>sexual</strong>idade enseja o silenciamento e a invisibilidade<br />

das pessoas homossexuais e, ao mesmo tempo, dificulta enormemente a expressão e<br />

o reconhecimento das homos<strong>sexual</strong>idades 4 como maneiras legítimas de se viver e<br />

se expressar afetiva e <strong>sexual</strong>mente (BECKER, 00 ).<br />

A promoção da exclusão das pessoas homossexuais, bissexuais e transgêneros<br />

do campo de reivindicações de direitos é sistematicamente acompanhada pela construção<br />

de um conjunto de representações simplificadoras e desumanizantes sobre<br />

elas, suas práticas sociais e seus estilos de vida. A invisibilidade aliada a uma visibilidade<br />

distorcida pode tor<strong>na</strong>r-lhes ainda mais titubeante e doloroso o processo de<br />

construção identitária. Não por acaso, entre muitos jovens e adolescentes verifica-se<br />

certa resistência ao emprego dos termos gay e lésbica como forma de autodesig<strong>na</strong>ção<br />

identitária (RYAN e FRAPPIER, 994).<br />

As descobertas e as experimentações sexuais vividas <strong>na</strong> adolescência, por menos<br />

repressivo que seja o contexto em que se dão, não costumam ser encaradas com<br />

muita tranqüilidade. Evidentemente, as dificuldades de se viverem as homos<strong>sexual</strong>idades<br />

nesse período podem ser ainda maiores. Poucos/as jovens se sentirão à<br />

vontade para se exporem e, não raro, muitas dessas pessoas enfrentarão processos de<br />

profunda negação de sua orientação <strong>sexual</strong>. Com isso, alimentarão as lógicas de invisibilização<br />

e, involuntariamente, reforçarão as crenças alimentadas pelo “princípio<br />

da presunção da heteros<strong>sexual</strong>idade”.<br />

Essa presunção pode ser ainda mais forte em relação às jovens e faz com que<br />

as estudantes lésbicas (e não ape<strong>na</strong>s elas) se tornem ainda mais invisíveis. O fato de<br />

a sociedade aceitar certas manifestações de afeto entre as mulheres contribui para<br />

o reforço de tal presunção. No entanto, tal aceitação não pode ser confundida com<br />

uma maior tolerância em relação à lesbianidade. Pelo contrário, basta notar que o<br />

fato de as mulheres serem sujeitos historicamente relegados a um plano secundário<br />

em praticamente todos os campos sociais agrava-se ulteriormente no caso das<br />

43 Ao se desconsiderar um universo muito mais pluralizado, múltiplo e dinâmico do que as categorias “homos<strong>sexual</strong>”,<br />

“homos<strong>sexual</strong>idade”, entre outras, geralmente supõem, também se contribui para produzir uma<br />

invisibilidade em relação às homos<strong>sexual</strong>idades. A este propósito Costa (1992: 44) observa: “como a heteros<strong>sexual</strong>idade<br />

é uma rubrica que serve para desig<strong>na</strong>r fatos tão disparatados [...], assim também homos<strong>sexual</strong>idade<br />

desig<strong>na</strong> experiências [em que] sequer a atração pelo mesmo sexo é suficiente, enquanto predicado<br />

definitório de cada uma delas. A diversidade de atos, sentimentos e auto-definições incluídos nessa<br />

etiqueta, quando exami<strong>na</strong>da de perto, mostra que a suposta homogeneidade teorizada [ou politicamente<br />

defendida] <strong>na</strong>da tem a ver com a heterogeneidade vivida”. Uma coisa é a valorização das identidades gay<br />

e lésbica para fortalecê-las diante do preconceito; outra é afirmar que elas sejam as únicas identidades<br />

possíveis ou desejáveis para todos os indivíduos homoeroticamente orientados (MACRAE, 1990).<br />

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