Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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14.04.2013 Views

310 Insistir na [...] análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através de relações de assimetria e desigualdade. Num currículo multiculturalista crítico, a diferença, mais do que tolerada ou respeitada, é colocada permanentemente em questão (ibid.: 89). Guacira Louro ( 00 ) mostra como a escola costuma “contemplar” as chamadas “minorias” sexuais e raciais em atividades e/ou projetos pontuais que, no seu entendimento, estariam explicitando e/ou camuflando a preocupação com a “tolerância” e o “respeito”. Buscando suprir a ausência dos currículos escolares desses sujeitos e de suas identidades, buscam-se datas comemorativas. [...] Professoras e professores bem-intencionados se esforçam para listar as “contribuições” desses grupos para o país. [...] Com tais providências, dá-se por atendida a tal ausência reclamada. [...] As atividades não chegam a perturbar o curso “normal” dos programas, nem mesmo servem para desestabilizar a norma oficial. São apenas estratégias que podem tranqüilizar a consciência dos planejadores, mas que, na prática, acabam por manter o lugar especial e problemático das identidades “marcadas”. [...] Acabam por apresentá-las a partir das representações e narrativas construídas pelo sujeito central (LOURO, 00 : s/p.). Portanto, uma Educação Sexual que tolera e/ou compreende não altera significativamente o status hierárquico e as relações sociais de poder que definem as desigualdades sociais. Devemos nos perguntar e perturbar o modelo que define “quem tolera/ quem compreende”, de um lado, e “quem é tolerado/quem é compreendido”, de outro. Parece evidente que há efeitos, distintos e marcantes, quando se buscam princípios educacionais, baseados em uma “educação sexual compreensiva”, ou baseados no pressuposto de uma “educação sexual integral”, múltipla, aberta, completa, diversa. Os efeitos dessa “escolha” não são apenas conceituais, eles são políticos. A abordagem queer Durante meu doutoramento, nos seminários oferecidos por Guacira Lopes Louro no Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero (Geerge), discutimos as contribuições da teoria queer à educação. Intrigou-me, em especial, o texto

de Debora Britzman ( 99 ). Nele reconheci uma tentativa de refletir sobre a possibilidade de a teoria queer estar presente num trabalho prático no âmbito escolar (como um princípio “inspirador” e como integrante de um conjunto de atitudes e posturas diante do conhecimento e dos sujeitos). O desafio que a autora apontava pareceu-me compreensível para quem (como eu) atuava/atua profissionalmente na área de formação de pedagogas/os e educadoras/res sexuais. Reconheço que tentar enquadrar a teoria queer, mesmo numa pedagogia que se proponha ser não-normativa, pode não apenas parecer uma impossibilidade, mas uma heresia. Sem dúvida, hesito... E tomo emprestado de Louro ( 004: 47) o questionamento: “Como um movimento que se remete ao estranho e ao excêntrico pode articular-se com a Educação, tradicionalmente o espaço da normatização e do ajustamento?” A questão então está posta: A teoria queer pode tornar-se pragmática? Como seria uma Educação Sexual baseada nos pressupostos críticos da teoria queer? Como a teoria queer pode estar presente na formação das/os educadoras/res sexuais? Pode uma professora se autodenominar “educadora queer”? Buscando caminhos para estas questões é que apresento a discussão a seguir, por certo não no sentido de consagrar uma abordagem queer à Educação Sexual, mas vendo a possibilidade de instigar discussões acerca de posturas e encaminhamentos pedagógicos, tendo o referencial queer como um ponto de partida provocador capaz de tornar o ato pedagógico da Educação Sexual infindavelmente provocativo e instigante. O contexto atual das discussões de gênero e sexualidade pode ser compreendido como resultante da influência das mudanças sociais e teóricas, ocorridas no mundo Ocidental, nos últimos anos, proporcionado, especialmente, pelas contribuições oriundas de movimentos políticos de contestação da dita “normalidade” (como o feminismo, os movimentos gay e lésbico, os movimentos raciais e étnicos, os movimentos ecológicos). Louro ( 00 ) afirma que, hoje, as representações que as históricas “minorias” assumem no contexto social são resultantes tanto do discurso dominante, quanto das próprias representações oriundas do interior dos seus movimentos que, pela visibilidade, gozam ora da aceitação, ora do recrudescimento da rejeição social de setores tradicionais. Para a autora, 12 No Brasil, a primeira publicação acerca da teorização queer voltada para a Educação, em livro único, foi editada em 2004. Trata-se de Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer, de Guacira Lopes Louro, que pode ser considerada a pioneira neste assunto, sobretudo por “institucionalizar” a temática, na Linha de Pesquisa “Educação, Sexualidade e Relações de Gênero”, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, mostrando como as questões levantadas por essa teorização podem ser consideradas politicamente relevantes para os cursos de formação de educadoras/es. 311

310<br />

Insistir <strong>na</strong> [...] análise dos processos pelos quais as diferenças<br />

são produzidas através de relações de assimetria e desigualdade.<br />

Num currículo multiculturalista crítico, a diferença, mais do que<br />

tolerada ou respeitada, é colocada permanentemente em questão<br />

(ibid.: 89).<br />

Guacira Louro ( 00 ) mostra como a escola costuma “contemplar” as chamadas<br />

“minorias” sexuais e raciais em atividades e/ou projetos pontuais que, no seu<br />

entendimento, estariam explicitando e/ou camuflando a preocupação com a “tolerância”<br />

e o “respeito”. Buscando suprir a ausência dos currículos escolares desses<br />

sujeitos e de suas identidades, buscam-se datas comemorativas.<br />

[...] Professoras e professores bem-intencio<strong>na</strong>dos se esforçam<br />

para listar as “contribuições” desses grupos para o país. [...] Com<br />

tais providências, dá-se por atendida a tal ausência reclamada.<br />

[...] As atividades não chegam a perturbar o curso “normal” dos<br />

programas, nem mesmo servem para desestabilizar a norma oficial.<br />

São ape<strong>na</strong>s estratégias que podem tranqüilizar a consciência<br />

dos planejadores, mas que, <strong>na</strong> prática, acabam por manter o<br />

lugar especial e problemático das identidades “marcadas”. [...]<br />

Acabam por apresentá-las a partir das representações e <strong>na</strong>rrativas<br />

construídas pelo sujeito central (LOURO, 00 : s/p.).<br />

Portanto, uma Educação Sexual que tolera e/ou compreende não altera significativamente<br />

o status hierárquico e as relações sociais de poder que definem as desigualdades<br />

sociais. Devemos nos perguntar e perturbar o modelo que define “quem<br />

tolera/ quem compreende”, de um lado, e “quem é tolerado/quem é compreendido”,<br />

de outro. Parece evidente que há efeitos, distintos e marcantes, quando se buscam<br />

princípios educacio<strong>na</strong>is, baseados em uma “<strong>educação</strong> <strong>sexual</strong> compreensiva”, ou baseados<br />

no pressuposto de uma “<strong>educação</strong> <strong>sexual</strong> integral”, múltipla, aberta, completa,<br />

diversa. Os efeitos dessa “escolha” não são ape<strong>na</strong>s conceituais, eles são políticos.<br />

A abordagem queer<br />

Durante meu doutoramento, nos seminários oferecidos por Guacira Lopes<br />

Louro no Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero (Geerge), discutimos<br />

as contribuições da teoria queer à <strong>educação</strong>. Intrigou-me, em especial, o texto

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