Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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Entretanto, destaco um equívoco na tradução do Artigo 0, transcrito aqui no original em inglês: The right to comprehensive sexuality education e traduzido como “O direito a uma Educação Sexual Compreensiva”. Onde está o engano? A palavra “comprehensive”, em vez de ser traduzida como “integral, ampla, completa”, foi traduzida como “compreensiva, tolerante, aceitável”. Tal equívoco pode ser definitivamente confirmado quando se observa o Art. 0 da Declaração nas versões de países de outras línguas: 308 - Espanhol: “El derecho a la educación sexual integral”. - Italiano: “Il diritto all’educazione sessuale integrale”. - Francês: “Le droit à une éducation sexuelle complete”. - Alemão: “Das Recht zur kompletten Sexualitätausbildung”. (grifos meus) O equívoco da tradução pode ser constatado pela leitura do artigo 0, que corrobora o entendimento de que a tradução correta seria “Educação Sexual Integral”, entendida como um processo educacional capaz de ser visto como presente em todo o desenvolvimento humano: Este é um processo vitalício que se inicia com o nascimento e perdura por toda a vida e deveria envolver todas as instituições sociais (Artigo 0 – Declaração dos Direitos Sexuais). Entendo que ao conceder ênfase à “educação sexual integral”, a Declaração reconhece e admite não apenas a existência de uma sexualidade infantil (que deve ser trabalhada na Escola, no meio social), mas também que há uma vida sexual, por exemplo, na terceira idade (prerrogativa negada pela histórica e hegemônica representação de uma sexualidade justificada pela reprodução e admitida, portanto, somente para adolescência e vida adulta). O entendimento da “integralidade” dessa educação pode também ser transferida ao conjunto dos conhecimentos, dos saberes e da multiplicidade de sujeitos que integram a vida social, ou seja, uma representação conceitual a favor do reconhecimento de uma abordagem interdisciplinar para essa Educação Sexual e voltada ao reconhecimento da diversidade sexual, de gênero e étnico-racial. Quais os efeitos semânticos desse equívoco na tradução para o trabalho de Educação Sexual? Qual é o efeito pedagógico e político quando trabalhamos com a representação de uma educação sexual que deve “ser compreensiva”?
Talvez possamos começar perguntando: Qual seria o significado, o sentido da palavra “compreensiva” na educação? Ela seria sinônimo de uma Educação Sexual “tolerante”? Ser “compreensivo/a” com o quê? Com conteúdos, informações? Ou ser “compreensivo/a” com quem? Que sujeitos seriam merecedores de compreensão? A compreensão seria com estilos de vida, vivências da sexualidade, práticas sexuais? Em que medida a “compreensão”, no sentido de “tolerância”, pode ser problematizada na Educação Sexual? Ensaiando uma crítica sobre “Diferença e Identidade: o currículo multiculturalista”, Tomaz Tadeu da Silva ( 00 : 8 ), ao destacar o status que o mundo contemporâneo concede “à diversidade das formas culturais”, define o multiculturalismo como “um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados [...] para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional”. Em se tratando de grupos marcados pela identidade racial, étnica ou nacional, essa discussão não pode ser desvinculada das relações de poder e de exploração responsáveis pelas desigualdades sociais e civis vividas por esses sujeitos. O multiculturalismo, assim, é “um importante instrumento de luta política” (SILVA, 00 : 8 ). Para o autor, é a visão liberal ou humanista que deve aqui ser questionada, uma vez que ela “enfatiza um currículo multiculturalista baseado nas idéias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas” (ibid.: 88). A utilização dos termos “tolerância” e “respeito” (assim como compreensão) têm suas implicações semânticas quando estas palavras são analisadas a partir de referenciais pós-críticos. Apesar de seu impulso aparentemente generoso, a idéia de tolerância, por exemplo, implica também uma certa superioridade por parte de quem mostra “tolerância”. Por outro lado, a noção de “respeito” implica um certo essencialismo cultural, pelo qual as diferenças culturais são vistas como fixas, como já definitivamente estabelecidas, restando apenas “respeitá-las” (ibid.: 88). Parece que a questão traz para a Educação Sexual uma reflexão didáticometodológica e política, ou seja, uma vez que as diferenças sexuais, de gênero, étnico-raciais estão sendo permanentemente construídas, significadas e hierarquizadas nos processos discursivos da cultura, há fortes implicações para uma educação que se pretende apenas “respeitá-las”, “tolerá-las” ou “compreendê-las” (as diferenças e os sujeitos subordinados). É preciso insistir na explicitação das relações de poder existentes nesse contexto social. 309
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“tolerante”? Ser “compreensivo/a” com o quê? Com conteúdos, informações? Ou ser<br />
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compreensão seria com estilos de vida, vivências da <strong>sexual</strong>idade, práticas sexuais?<br />
Em que medida a “compreensão”, no sentido de “tolerância”, pode ser problematizada<br />
<strong>na</strong> Educação Sexual?<br />
Ensaiando uma crítica sobre “Diferença e Identidade: o currículo multiculturalista”,<br />
Tomaz Tadeu da Silva ( 00 : 8 ), ao destacar o status que o mundo contemporâneo<br />
concede “à diversidade das formas culturais”, define o multiculturalismo<br />
como “um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais domi<strong>na</strong>dos<br />
[...] para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas <strong>na</strong> cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”.<br />
Em se tratando de grupos marcados pela identidade racial, étnica ou <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />
essa discussão não pode ser desvinculada das relações de poder e de exploração<br />
responsáveis pelas desigualdades sociais e civis vividas por esses sujeitos. O multiculturalismo,<br />
assim, é “um importante instrumento de luta política” (SILVA, 00 :<br />
8 ). Para o autor, é a visão liberal ou humanista que deve aqui ser questio<strong>na</strong>da, uma<br />
vez que ela “enfatiza um currículo multiculturalista baseado <strong>na</strong>s idéias de tolerância,<br />
respeito e convivência harmoniosa entre as culturas” (ibid.: 88).<br />
A utilização dos termos “tolerância” e “respeito” (assim como compreensão)<br />
têm suas implicações semânticas quando estas palavras são a<strong>na</strong>lisadas a partir de<br />
referenciais pós-críticos.<br />
Apesar de seu impulso aparentemente generoso, a idéia de tolerância,<br />
por exemplo, implica também uma certa superioridade<br />
por parte de quem mostra “tolerância”. Por outro lado, a noção<br />
de “respeito” implica um certo essencialismo cultural, pelo qual<br />
as diferenças culturais são vistas como fixas, como já definitivamente<br />
estabelecidas, restando ape<strong>na</strong>s “respeitá-las” (ibid.: 88).<br />
Parece que a questão traz para a Educação Sexual uma reflexão didáticometodológica<br />
e política, ou seja, uma vez que as diferenças sexuais, de gênero, étnico-raciais<br />
estão sendo permanentemente construídas, significadas e hierarquizadas<br />
nos processos discursivos da cultura, há fortes implicações para uma <strong>educação</strong> que<br />
se pretende ape<strong>na</strong>s “respeitá-las”, “tolerá-las” ou “compreendê-las” (as diferenças e<br />
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existentes nesse contexto social.<br />
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