Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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Uma pessoa que carrega um cartaz dizendo “Deus odeia as bichas”; que acha repugnante qualquer associação com homossexuais simplesmente porque eles são atraídos por pessoas do mesmo sexo; que maltrata, despreza ou procura prejudicar os homossexuais porque acredita que eles não são completamente humanos; que persegue, assalta ou assassina homossexuais por paixão, por medo ou por um ódio inexplicável, não é uma pessoa com um argumento. É uma pessoa com um sentimento. Não há nenhum argumento possível contra tal pessoa, pois um argumento não seria uma resposta apropriada (SULLIVAN, 99 : 8). Mesmo diante da dificuldade de dissuadir racionalmente alguém embebido de ódio homofóbico, uma sociedade democrática e suas instituições (inclusive a escola) devem envidar esforços para coibir e impedir que a selvageria intolerante cause ulteriores sofrimentos e para diminuir os efeitos que ela possa ter (até mesmo na alimentação do desprezo e do ódio em relação a outros grupos). Como casos extremos como esses não costumam ser a regra, é importante criar, nos espaços de formação, oportunidades de fala e de reflexão com vistas a fornecer recursos simbólicos às pessoas envolvidas nos encontros e nos desencontros com a diferença. Sistematicamente se negligencia, porém, que isso deve valer especialmente para aquelas com enormes dificuldades para lidar com o sentimento de insuportabilidade que o contato com a diferença lhes provoca – sobretudo em função do “retorno do recalcado”. Por mais difícil que seja (e para algumas pessoas isso é ultrajante), é preciso reconhecer que, muitas vezes, a pessoa preconceituosa apega-se às suas crenças, aos sistemas de disposições socioculturais, para procurar responder à “ameaça” que a diferença lhe parece representar. Tais sentimentos de insuportabilidade e insegurança também constituem uma forma de sofrimento, e recusar-se a percebê-lo equivale a desconsiderar o papel da educação e a continuar pensando e agindo segundo a lógica do “narcisismo das pequenas diferenças” (FREUD, 9 0 [ 97 : 8 - 7 ]), moralista, simplista e auto-referente. Esforços pela promoção de uma cultura do reconhecimento que não envolvam ou cativem atores situados em diferentes condições e posições nesse cenário tenderão certamente ao fracasso. 40 40 Reconhecer a existência desse sofrimento não comporta legitimar e nem mesmo atenuar a gravidade da violência contra pessoas LGBT. Isso, infelizmente, tem ocorrido em alguns países (em especial, nos EUA e no Reino Unido), cujos sistemas legais têm acolhido a tese do “pânico homossexual”. Segundo ela, a investida “inoportuna e indesejada” por parte de um/a “homossexual” seria responsável por levar o/a agressor/a, de maneira súbita e incontornável, a “perder o autocontrole” e atacar a vítima/culpada. 29

Regimes de (in)visibilidade 30 Todo esse quadro concorre para fazer da escola, como observa Guacira Louro, [...] sem dúvida, um dos espaços mais difíceis para que alguém “assuma” sua condição de homossexual ou bissexual. Com a suposição de que só pode haver um tipo de desejo e que esse tipo – inato a todos – deve ter como alvo um indivíduo do sexo oposto, a escola nega e ignora a homossexualidade (provavelmente nega porque ignora) e, desta forma, oferece muito poucas oportunidades para que adolescentes ou adultos assumam, sem culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento mantém-se, com relação à sexualidade, como lugar do desconhecimento e da ignorância (LOURO, 999: 0). O processo de invisibilização de homossexuais, bissexuais e transgêneros no espaço escolar precisa ser desestabilizado. Uma invisibilidade que é tanto maior se se fala de uma economia de visibilidade que extrapole os balizamentos das disposições estereotipadas e estereotipantes. Além disso, as temáticas relativas às homossexualidades, bissexualidades e transgeneridades são invisíveis no currículo, no livro didático e até mesmo nas discussões sobre direitos humanos na escola. Essa invisibilidade a que estão submetidas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais comporta a sua exclusão enquanto tais do espaço público e, por isso, configura-se como uma das mais esmagadoras formas de opressão. É inquietante notar que alguém que não pode existir, ser visto, ouvido, conhecido, reconhecido, considerado, respeitado e tampouco amado pode ser odiado. 4 A tendência já detectada em pesquisas consagradas segundo as quais a escola se nega a perceber e a reconhecer as diferenças de públicos, mostrando-se “indiferente ao diferente”, 4 encontra, no caso de estudantes homossexuais, bissexuais ou transgêneros, sua expressão mais incontestável. Professores/as costumam dirigir-se a seus grupos de estudantes como se jamais houvesse ali um gay, uma lésbica, um/a bissexual ou alguém que esteja se interrogando acerca de sua identidade sexual ou 41 Analogamente, vale observar que, ao contrário do que crêem alguns, o racismo e outras crenças e formas de discriminação nem sempre necessitam da presença física do “outro” para vigorarem. O ainda forte antisemitismo na Polônia de hoje é uma evidência disso. O país quase chega a ser um caso de “anti-semitismo sem judeus” por antonomásia. A maior comunidade hebraica da Diáspora (com mais de 3,2 milhões de judeus, em 1939) não passava, nos anos 1960, de 2 a 15 mil indivíduos. Não por acaso, também é um país de fortes manifestações homofóbicas. Para uma análise do quadro polonês, vide: LIÈGE, 2000. 42 BOURDIEU e PASSERON, 1970 [1982]; BONNEWITZ, 2003: 119.

Regimes de (in)visibilidade<br />

30<br />

Todo esse quadro concorre para fazer da escola, como observa Guacira Louro,<br />

[...] sem dúvida, um dos espaços mais difíceis para que alguém<br />

“assuma” sua condição de homos<strong>sexual</strong> ou bis<strong>sexual</strong>. Com a suposição<br />

de que só pode haver um tipo de desejo e que esse tipo<br />

– i<strong>na</strong>to a todos – deve ter como alvo um indivíduo do sexo<br />

oposto, a escola nega e ignora a homos<strong>sexual</strong>idade (provavelmente<br />

nega porque ignora) e, desta forma, oferece muito poucas<br />

oportunidades para que adolescentes ou adultos assumam,<br />

sem culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento<br />

mantém-se, com relação à <strong>sexual</strong>idade, como lugar do desconhecimento<br />

e da ignorância (LOURO, 999: 0).<br />

O processo de invisibilização de homossexuais, bissexuais e transgêneros no<br />

espaço escolar precisa ser desestabilizado. Uma invisibilidade que é tanto maior se<br />

se fala de uma economia de visibilidade que extrapole os balizamentos das disposições<br />

estereotipadas e estereotipantes. Além disso, as temáticas relativas às homos<strong>sexual</strong>idades,<br />

bis<strong>sexual</strong>idades e transgeneridades são invisíveis no currículo, no livro<br />

didático e até mesmo <strong>na</strong>s discussões sobre direitos humanos <strong>na</strong> escola.<br />

Essa invisibilidade a que estão submetidas lésbicas, gays, bissexuais, travestis<br />

e transexuais comporta a sua exclusão enquanto tais do espaço público e, por isso,<br />

configura-se como uma das mais esmagadoras formas de opressão. É inquietante<br />

notar que alguém que não pode existir, ser visto, ouvido, conhecido, reconhecido,<br />

considerado, respeitado e tampouco amado pode ser odiado. 4<br />

A tendência já detectada em pesquisas consagradas segundo as quais a escola<br />

se nega a perceber e a reconhecer as diferenças de públicos, mostrando-se “indiferente<br />

ao diferente”, 4 encontra, no caso de estudantes homossexuais, bissexuais ou<br />

transgêneros, sua expressão mais incontestável. Professores/as costumam dirigir-se<br />

a seus grupos de estudantes como se jamais houvesse ali um gay, uma lésbica, um/a<br />

bis<strong>sexual</strong> ou alguém que esteja se interrogando acerca de sua identidade <strong>sexual</strong> ou<br />

41 A<strong>na</strong>logamente, vale observar que, ao contrário do que crêem alguns, o racismo e outras crenças e formas<br />

de discrimi<strong>na</strong>ção nem sempre necessitam da presença física do “outro” para vigorarem. O ainda forte antisemitismo<br />

<strong>na</strong> Polônia de hoje é uma evidência disso. O país quase chega a ser um caso de “anti-semitismo<br />

sem judeus” por antonomásia. A maior comunidade hebraica da Diáspora (com mais de 3,2 milhões de<br />

judeus, em 1939) não passava, nos anos 1960, de 2 a 15 mil indivíduos. Não por acaso, também é um<br />

país de fortes manifestações homofóbicas. Para uma análise do quadro polonês, vide: LIÈGE, 2000.<br />

42 BOURDIEU e PASSERON, 1970 [1982]; BONNEWITZ, 2003: 119.

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