Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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14.04.2013 Views

Meu corpo, meu tesouro: construções de corpos e gêneros Quando nos aproximamos do universo travesti, encontramos uma singularidade própria dos estilos de vida criados por essas pessoas. Trata-se de um universo que, além de ter linguagens específicas, impõe regras de aceitabilidade, tais como a transformação do corpo e a reprodução de modelo previamente dado da maneira de ser uma travesti. Os ensinamentos são passados de forma oral e corporal: informações como: hormonizar-se, “bombar silicone”, conseguir roupas, sapatos, acessórios e maquiagens, enfim, encontrar os produtos certos para sua transformação estética e corporal. Também informações de como sobreviver, conseguir clientes para poder pagar as contas, por não ter emprego para suprir suas necessidades mais básicas de sobrevivência. A construção do corpo da travesti espelha-se na imagem feminina. Essa imagem, porém, em nenhum momento é tomada como acabada e absoluta, sempre variando, se processando, uma feminilidade em construção permanente que vai se transformando por meio das formas corporais, cada vez mais remodeladas pela ingestão de hormônios e aplicação de silicone, mas também pela depilação, maquiagens e adoção de maneirismos. A maioria das travestis nos fala de sua passagem de “homossexual” para “travesti” a partir de uma forte identificação com a imagem daquela travesti que é vista nas esquinas dos pontos de batalha ou fazendo shows pela televisão. Ao verem a figura da travesti, na rua ou na televisão, é como se uma onda de encantamento se apoderasse delas, levando-as a desejar urgentemente se transformar para serem iguais ao modelo dado. Josefina Fernandez ( 004) fala de três modelos de referências de identificação com a figura feminina considerados pelas travestis de Buenos Aires: a Vedete, a Prostituta, a Mãe. A imagem da vedete reflete o glamour, a beleza e o brilho que toda travesti busca quando se apresenta em shows e performances teatrais; a imagem da puta transmite a sensualidade, a sedução e a luxúria da femme fatale; e a figura da mãe revela a afetividade, a tolerância e o amor que não cobra nada por isso, que sempre se disponibiliza afetivamente. Interessante lembrar aqui que muitas travestis e transexuais que batalham como profissionais do sexo às vezes atendem a homens que não querem sexo, mas pagam pelo programa para conversar sobre a vida e seus problemas. Nos meus registros também tenho percebido, segundo esses modelos, as mesmas referências de identificação por parte das travestis brasileiras. Tais referências se manifestam já nas escolhas para si mesmas de nomes de mulher: o da própria mãe, 254

ou de uma artista do cinema ou da televisão, ou outro adaptado ou inteiramente inventado, mas igualmente glamouroso. Essas constatações também são feitas por Marcos Benedetti ( 000: 9 ), que observa ainda: É ainda na infância também que o primeiro contato com outras travestis acontece, seja através da televisão ou mesmo nas ruas das grandes cidades onde estas personagens há tempo deixaram de ser obscuras e pouco visíveis. A primeira visão ou contato com outra travesti é sempre relembrada com muito entusiasmo e emoção e é marcada necessariamente por um processo de auto-identificação. Nessa nova interação existencial, a aspirante a travesti vai percebendo um universo social completamente diverso do que havia conhecido até então, marcado por valores e significados diferentes, novas formas de comunicação e linguagem que trazem a criação de um novo corpo, uma nova sexualidade, um novo gênero, logo, de novas formas de existir no mundo. Os gêneros em chamas Podemos perceber a construção de relações diferenciadas pelas travestis tanto nas relações com as pessoas, como nas relações que estabelecem com seus corpos e com seus gêneros. A esse respeito uma travesti nos fala: “Quando eu faço ativo, eu penso e sinto como um homem, quando eu faço passiva, eu penso e sinto como uma mulher”. Neste tipo de discurso apresentado pela travesti, em momento algum se caracteriza uma dicotomia entre o feminino e o masculino, mas o convívio do masculino e do feminino no mesmo corpo. Isto por si só nos leva a questionar a respeito das classificações de gêneros tradicionais, que dicotomizam radicalmente os comportamentos, estabelecendo reducionismos sobre o que seria masculino e o que seria feminino. A esse respeito muitas travestis e/ou transexuais comentam orgulhosamente sobre cenas em que passaram despercebidas, ao serem tratadas como uma mulher; ou ainda, sobre mulheres que são confundidas como travestis, principalmente aquelas que usam maquiagens fortes e roupas insinuantes. Sobre isso, Rebeca, que sempre usou roupas femininas discretas (saia longa e blusa sem decote), comenta uma cena vivida em uma cafeteria de um aeroporto: 255

ou de uma artista do cinema ou da televisão, ou outro adaptado ou inteiramente<br />

inventado, mas igualmente glamouroso.<br />

Essas constatações também são feitas por Marcos Benedetti ( 000: 9 ),<br />

que observa ainda:<br />

É ainda <strong>na</strong> infância também que o primeiro contato com outras<br />

travestis acontece, seja através da televisão ou mesmo <strong>na</strong>s<br />

ruas das grandes cidades onde estas perso<strong>na</strong>gens há tempo<br />

deixaram de ser obscuras e pouco visíveis. A primeira visão<br />

ou contato com outra travesti é sempre relembrada com muito<br />

entusiasmo e emoção e é marcada necessariamente por um<br />

processo de auto-identificação.<br />

Nessa nova interação existencial, a aspirante a travesti vai percebendo um<br />

universo social completamente diverso do que havia conhecido até então, marcado<br />

por valores e significados diferentes, novas formas de comunicação e linguagem que<br />

trazem a criação de um novo corpo, uma nova <strong>sexual</strong>idade, um novo gênero, logo,<br />

de novas formas de existir no mundo.<br />

Os gêneros em chamas<br />

Podemos perceber a construção de relações diferenciadas pelas travestis tanto<br />

<strong>na</strong>s relações com as pessoas, como <strong>na</strong>s relações que estabelecem com seus corpos<br />

e com seus gêneros. A esse respeito uma travesti nos fala: “Quando eu faço ativo,<br />

eu penso e sinto como um homem, quando eu faço passiva, eu penso e sinto como<br />

uma mulher”.<br />

Neste tipo de discurso apresentado pela travesti, em momento algum se caracteriza<br />

uma dicotomia entre o feminino e o masculino, mas o convívio do masculino<br />

e do feminino no mesmo corpo. Isto por si só nos leva a questio<strong>na</strong>r a respeito<br />

das classificações de gêneros tradicio<strong>na</strong>is, que dicotomizam radicalmente os<br />

comportamentos, estabelecendo reducionismos sobre o que seria masculino e o que<br />

seria feminino. A esse respeito muitas travestis e/ou transexuais comentam orgulhosamente<br />

sobre ce<strong>na</strong>s em que passaram despercebidas, ao serem tratadas como<br />

uma mulher; ou ainda, sobre mulheres que são confundidas como travestis, principalmente<br />

aquelas que usam maquiagens fortes e roupas insinuantes. Sobre isso,<br />

Rebeca, que sempre usou roupas femini<strong>na</strong>s discretas (saia longa e blusa sem decote),<br />

comenta uma ce<strong>na</strong> vivida em uma cafeteria de um aeroporto:<br />

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