Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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Inegavelmente, os casos mais evidentes têm sido os vividos por travestis e transexuais, que têm, na maioria dos casos, suas possibilidades de inserção social seriamente comprometidas por verem-se privadas do acolhimento afetivo em face às suas experiências de expulsões e abandonos por parte de seus familiares e amigos (DENIZART, 997; PERES, 004; STECZ, 00 ). A essas experiências costumam se somar outras formas de violência por parte de vizinhos, conhecidos, desconhecidos e instituições. Com suas bases emocionais fragilizadas, elas e eles, na escola, têm que encontrar forças para lidar com o estigma e a discriminação sistemática e ostensiva por parte de colegas, professores/as, dirigentes e servidores/as escolares. As experiências de chacota e humilhação, as diversas formas de opressão e os processos de exclusão, segregação e guetização a que estão expostas travestis e transexuais constituem um quadro de “sinergia de vulnerabilidades” (PARKER, 000) que as arrasta como uma “rede de exclusão” que “vai se fortalecendo, na ausência de ações de enfrentamento ao estigma e ao preconceito, assim como de políticas públicas que contemplem suas necessidades básicas, como o direito de acesso aos estudos, à profissionalização e a bens e serviços de qualidade em saúde, habitação e segurança” (PERES, 004: ; BÖER, 00 ). Nas escolas, não raro, enfrentam obstáculos para se matricularem, participarem das atividades pedagógicas, terem suas identidades minimamente respeitadas, fazerem uso das estruturas das escolas (os banheiros, por exemplo) 8 e conseguirem preservar sua integridade física. 9 É acaciano dizer que tais dificuldades tendem a ser ainda maiores se pessoas homoeróticas e/ou com identidade ou expressão de gênero fora do padrão convencional pertencerem ainda a outros setores também discriminados e vulneráveis (mais pobres, menos letrados, identificarem-se como mulheres, negros, indígenas, soropositivos, possuidores de uma assim dita deficiência física 0 ou mental etc.) e não puderem (ou não quiserem) manter um estilo de vida sintonizado com a celebração hedonista do “ser jovem” e ter um corpo “sarado”. 28 Àqueles que insistem em dizer que ainda há escolas sem banheiros e que essa deveria ser nossa prioridade, vale lembrar que de pouco adiantará a travestis e transexuais construirmos banheiros em escolas nas quais não lhes será garantido o direito de acesso. Vale lembrar que a espacialização, que pressupõe interdições e naturalizações, é um dos procedimentos cruciais dos dispositivos de poder. 29 É preciso, no entanto, lembrar de importantes experiências educacionais de inclusão e permanência de travestis e transexuais. O “Círculo de Leituras – Um Sonho Possível na Inclusão de Transgêneros”, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 2003, chegou a receber o selo da Unesco como projeto que pode ser apresentado como modelo (SÃO PAULO, 2003 e s/d). 30 É necessário atentar-se para as dificuldades de pessoas homossexuais com deficiência física para encontrarem parceiros/as e realizarem-se afetiva e sexualmente em comunidades gays, no interior das quais vige uma ultravalorização da beleza física. Tal quadro foi muito bem tratado em dois documentários: “One Night Sit” (Carmelo Gonzales e Diana Naftal, EUA, 2004) e “Untold Desires” (Sarah Barton, Austrália, 1994). Evidentemente, tal fenômeno não se encontra circunscrito a essas comunidades. 31 A obsessão pelo corpo “sarado” (não necessariamente saudável) gravita em torno de uma nova moralidade que, paradoxalmente, quanto mais propugna a autonomia individual e a libertação física e sexual, mais se submete e se conforma a um determinado padrão estético corporal: o da “boa forma” (GOLDENBERG, 2002: 25). Sobre a estética, o amor e a amizade no “universo gay”, vide: EUGENIO, 2006: 158-176. 25

Ademais, é preciso não descurar que a homofobia, em qualquer circunstância, é fator de sofrimento e injustiça. Também por isso, o astucioso argumento de que ela seria “menos grave quando não produz baixo rendimento, evasão ou abandono escolar” deve ser enfaticamente repelido. Afinal, inseridos/as em um cenário de stress, intimidação, assédio, não acolhimento e desqualificação permanentes, adolescentes e jovens estudantes homossexuais, bissexuais ou transgêneros são freqüentemente levados/as a incorporar a necessidade de apresentarem um desempenho escolar irrepreensível, acima da média. Tal como ocorre com outras “minorias”, esse/a estudante tende a ser constantemente impelido/a a apresentar “algo a mais” para, quem sabe, “ser tratado/a como igual”. Sem obrigatoriamente perceber a internalização dessas exigências, é instado/a a assumir posturas voltadas a fazer dele/a: “o melhor amigo das meninas”, “a que dá cola para todo mundo”, “um exímio contador de piadas”, “a mais veloz nadadora”, “o goleiro mais ágil” etc. Outros/as podem dedicar-se a satisfazer e a estar sempre à altura das expectativas dos demais, chegando até mesmo a se mostrarem dispostos/as a imitar condutas ou atitudes convencionalmente atribuídas a heterossexuais. Trata-se, em suma, de esforços para angariar um salvo-conduto que possibilite uma inclusão (consentida) em um ambiente hostil. Uma frágil acolhida, geralmente traduzida em algo como: “É gay, mas é gente fina”, que pode, sem dificuldade e a qualquer momento, se reverter em “É gente fina, mas é gay”. 4 E aí, o intruso é arremetido de volta ao limbo. Como nota Marina Castañeda ( 007: - ), essa frenética busca de “supercompensação” – fonte de ansiedade, autocobrança e 32 Vide, por ex.: CORRIGAN, 1991 e BLUMENFELD, 1992. É preciso lembrar que importantes estudos realizados em diversos países europeus e na América do Norte mostram que a incidência do risco de suicídio entre adolescentes é extremamente maior entre homossexuais (em função da homofobia e não em virtude de uma implausível associação naturalizante entre homossexualidade e comportamento suicida). Nos EUA, 62,5% dos adolescentes que tentam suicídio são homossexuais. Ali e no Canadá, pessoas entre 15 e 34 anos homossexuais têm de 4 a 7 vezes mais riscos de se suicidarem do que seus coetâneos heterossexuais. Este risco é acrescido de 40% no caso das jovens lésbicas (BAGLEY e RAMSEY, 1997). Na França, onde o suicídio é a segunda causa de mortes entre pessoas de 15 a 34 anos, as possibilidades de um homossexual terminar com sua vida é 13 vezes maior do que as de um seu coetâneo heterossexual de mesma condição social. De cada três indivíduos que cometem uma tentativa de suicídio, um é homossexual (Libération, 07/03/2005). Ali, já tentaram suicídio pelo menos uma vez 27% dos jovens menores de 20 anos que se declaram homossexuais. Esta cifra estabiliza-se em torno dos (de todo modo altos) 15% entre homossexuais com mais de 35 anos. Todas elas, porém, sofrem um incremento nos casos em que se verifica rejeição familiar e, ainda mais, naqueles em que o/a jovem tenha sido vítima de agressão homofóbica (VERDIER e FIRDION, 2003). Afasta-se, assim, todo vínculo causal entre homossexualidade e comportamento suicida: ao contrário, o que se observa é o impacto da homofobia na definição dos índices de suicídios (MILLER, 1992). 33 Sobre as estratégias adotadas por LGBT em face das situações de violência homofóbica no cotidiano escolar, vide, por ex.: HUMAN WATCH, 2001: item IV; CAETANO, 2005; RAMIRES NETO, 2006: cap. 4. 34 Não se trata apenas de uma diferença de estilo. Esta frase e a anterior, embora pertençam à mesma “formação ideológica”, integram diferentes “formações discursivas”: ambas expressam-se igualmente homofóbicas, mas apontam para a produção de efeitos diferentes. Vale ainda notar que “É legal porque é gay” também exprime preconceito em relação à homossexualidade. Vide: ORLANDI, 1987: 115-133, passim. 26

Inegavelmente, os casos mais evidentes têm sido os vividos por travestis e<br />

transexuais, que têm, <strong>na</strong> maioria dos casos, suas possibilidades de inserção social<br />

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constituem um quadro de “sinergia de vulnerabilidades” (PARKER, 000) que as<br />

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que contemplem suas necessidades básicas, como o direito de acesso aos estudos, à<br />

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(PERES, 004: ; BÖER, 00 ). Nas escolas, não raro, enfrentam obstáculos<br />

para se matricularem, participarem das atividades pedagógicas, terem suas identidades<br />

minimamente respeitadas, fazerem uso das estruturas das escolas (os banheiros,<br />

por exemplo) 8 e conseguirem preservar sua integridade física. 9<br />

É acaciano dizer que tais dificuldades tendem a ser ainda maiores se pessoas<br />

homoeróticas e/ou com identidade ou expressão de gênero fora do padrão convencio<strong>na</strong>l<br />

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soropositivos, possuidores de uma assim dita deficiência física 0 ou mental etc.) e<br />

não puderem (ou não quiserem) manter um estilo de vida sintonizado com a celebração<br />

hedonista do “ser jovem” e ter um corpo “sarado”.<br />

28 Àqueles que insistem em dizer que ainda há escolas sem banheiros e que essa deveria ser nossa prioridade,<br />

vale lembrar que de pouco adiantará a travestis e transexuais construirmos banheiros em escolas<br />

<strong>na</strong>s quais não lhes será garantido o direito de acesso. Vale lembrar que a espacialização, que pressupõe<br />

interdições e <strong>na</strong>turalizações, é um dos procedimentos cruciais dos dispositivos de poder.<br />

29 É preciso, no entanto, lembrar de importantes experiências educacio<strong>na</strong>is de inclusão e permanência de<br />

travestis e transexuais. O “Círculo de Leituras – Um Sonho Possível <strong>na</strong> Inclusão de Transgêneros”, desenvolvido<br />

pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 2003, chegou a receber o selo da<br />

<strong>Unesco</strong> como projeto que pode ser apresentado como modelo (SÃO PAULO, 2003 e s/d).<br />

30 É necessário atentar-se para as dificuldades de pessoas homossexuais com deficiência física para encontrarem<br />

parceiros/as e realizarem-se afetiva e <strong>sexual</strong>mente em comunidades gays, no interior das quais vige<br />

uma ultravalorização da beleza física. Tal quadro foi muito bem tratado em dois documentários: “One Night<br />

Sit” (Carmelo Gonzales e Dia<strong>na</strong> Naftal, EUA, 2004) e “Untold Desires” (Sarah Barton, Austrália, 1994).<br />

Evidentemente, tal fenômeno não se encontra circunscrito a essas comunidades.<br />

31 A obsessão pelo corpo “sarado” (não necessariamente saudável) gravita em torno de uma nova moralidade<br />

que, paradoxalmente, quanto mais propug<strong>na</strong> a autonomia individual e a libertação física e <strong>sexual</strong>, mais<br />

se submete e se conforma a um determi<strong>na</strong>do padrão estético corporal: o da “boa forma” (GOLDENBERG,<br />

2002: 25). Sobre a estética, o amor e a amizade no “universo gay”, vide: EUGENIO, 2006: 158-176.<br />

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