Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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Bianca Guizzo ( 00 ), Judite Guerra ( 00 ) e Alexandre Bello ( 00 ) também discutem aprendizagens de gênero dirigidas aos meninos, indicando que, como as meninas, eles são constantemente vigiados e instigados para a construção de um determinado tipo de masculinidade. Exemplos banais podem ser citados sobre esta questão: já entre crianças pequenas (4- anos), podem ser encontradas ressonâncias do discurso homofóbico presente na sociedade mais ampla, quando as crianças rejeitam e rotulam comportamentos que fogem aos padrões estabelecidos pela cultura em relação à masculinidade hegemônica. Os meninos utilizam, de forma muito freqüente, termos como “bichinhas”, “gays” e “boiolas” para se referirem aos transgressores das brincadeiras e dos comportamentos considerados como sendo masculinos nessa idade e contexto e, seguidamente, excluem esses meninos de suas próprias brincadeiras. Dessa forma, com práticas aparentemente inocentes ou que não têm conseqüências visíveis, vai-se aprendendo e se exercitando tanto uma maneira de viver a masculinidade, que supõe e naturaliza sua imbricação com a heterossexualidade, quanto a hierarquizar e a demarcar aquelas que escapam dessa norma. Ainda no contexto escolar, Maria Cláudia Dal Igna ( 00 : - 8) investigou significados atribuídos ao desempenho escolar de meninos e meninas por professoras de séries iniciais. Seu estudo contribui para pensar como o cotidiano escolar está implicado na construção de posições e expectativas distintas de gênero, as quais acabam funcionando como normas que regulam os modos de ser dos/as estudantes, na medida em que se atribuem diferentes significados aos seus comportamentos. Para visibilizar melhor essas operações, observemos a discussão desencadeada pelo documentário “Por que os homens não passam a ferro”(exibido pela GNT), analisado pelas professoras no contexto da pesquisa. Comentando as diferenças entre meninos e meninas, uma das professoras afirma: [...] as diferenças naturais existem. Até porque a gente sabe que existe mesmo a questão do biológico, que é diferente, a questão do entendimento, a questão da vivência deles, tanto biológica, quanto a questão cultural. É bem como apareceu ali [referindo-se ao documentário], a gente vai tratando o menino diferente desde que ele nasce... Ainda sobre esta questão, outra professora acrescenta: Tentando pensar sobre isso... É um tipo de inteligência ou um tipo de capacidade? Porque as meninas, a gente observa assim: se for trabalhar com elas o traçado das letras, por exemplo, o som, elas se atêm mais a isso, detalhes, percepção, observação, estabelecer relações, são várias habilidades que entram que podem estar ligadas a um tipo de quê? De inteligência. A um tipo de desenvolvimento do cérebro... Já os meninos... Coloca os meninos para montar um carro, pede para eles montarem qualquer coisa... Estragou um negócio na escola, mas 227
eles estão prontos: “me dá a chave de fenda que eu quero”, mesmo os pequeninhos da préescola. [...] Tem que haver alguma coisa no meio disso aí... Nessa discursividade articulam-se fragmentos de discursos da medicina e da biologia que contribuem para significar diferenças de corpos masculinos e femininos e um exemplo disso são as explicações acerca do funcionamento cerebral de meninos e meninas. Steve Biddulph ( 00 ), por exemplo, cita duas das maiores diferenças que, em sua perspectiva, “influem” sobre a aprendizagem e o desenvolvimento: a) os efeitos dos hormônios masculinos, mais especificamente a testosterona, no comportamento e no desenvolvimento dos meninos; b) o formato e a configuração do cérebro de meninos e meninas, que se desenvolveria de maneiras diferentes, afetando seus modos de pensar e agir. Ele explica que é preciso saber que a produção de testosterona afeta o comportamento de meninos, e que esse saber nos ajudaria a responder a perguntas como estas: por que eles têm um comportamento mais agitado e competitivo? Por que eles se interessam por brincadeiras movimentadas? Por que seu rendimento é melhor nas ciências lógico-matemáticas? Ou: por que as dificuldades de aprendizagem, o autismo e outras disfunções atingem os meninos em maior número? E eu, indo ao encontro da argumentação desenvolvida neste texto, perguntaria: essa retórica não estaria nos ajudando a acreditar e, por isso a aceitar, que meninos e homens são naturalmente mais agressivos e violentos do que meninas e mulheres? E ela não estaria nos ajudando, sobretudo, a ser mais tolerantes com determinadas formas de exercício da violência cometida por meninos e homens (relembro aqui o enunciado clássico, mas ainda operante, de que “homem que é homem não leva desaforo para casa”...)? Articulando gênero e poder, poderíamos problematizar estes e outros discursos sobre diferenças biológicas que têm significado e organizado tanto o contexto social, de modo mais amplo, quanto o contexto escolar. Diferenças biológicas parecem contribuir para reiterar e legitimar diferenças e desigualdades de gênero em quase todas as instâncias do social. Retomemos, por exemplo, as falas das professoras quando tensionam, no mesmo argumento e sem perceber, enunciados como as diferenças naturais existem e a gente vai tratando o menino diferente desde que ele nasce. Falas como essas acionam – reiterando e ao mesmo tempo pluralizando e contestando – fragmentos de discursos científicos articulados a noções de senso comum acerca de uma “natureza” da masculinidade e da feminilidade (no singular) que os indivíduos, para se tornarem sujeitos dessa cultura, precisariam corporificar e exercitar. 228
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[...] Tem que haver alguma coisa no meio disso aí...<br />
Nessa discursividade articulam-se fragmentos de discursos da medici<strong>na</strong><br />
e da biologia que contribuem para significar diferenças de corpos masculinos<br />
e femininos e um exemplo disso são as explicações acerca do funcio<strong>na</strong>mento<br />
cerebral de meninos e meni<strong>na</strong>s. Steve Biddulph ( 00 ), por exemplo, cita duas<br />
das maiores diferenças que, em sua perspectiva, “influem” sobre a aprendizagem<br />
e o desenvolvimento: a) os efeitos dos hormônios masculinos, mais especificamente<br />
a testostero<strong>na</strong>, no comportamento e no desenvolvimento dos meninos; b)<br />
o formato e a configuração do cérebro de meninos e meni<strong>na</strong>s, que se desenvolveria<br />
de maneiras diferentes, afetando seus modos de pensar e agir. Ele explica<br />
que é preciso saber que a produção de testostero<strong>na</strong> afeta o comportamento de<br />
meninos, e que esse saber nos ajudaria a responder a perguntas como estas: por<br />
que eles têm um comportamento mais agitado e competitivo? Por que eles se<br />
interessam por brincadeiras movimentadas? Por que seu rendimento é melhor<br />
<strong>na</strong>s ciências lógico-matemáticas? Ou: por que as dificuldades de aprendizagem,<br />
o autismo e outras disfunções atingem os meninos em maior número? E eu,<br />
indo ao encontro da argumentação desenvolvida neste texto, perguntaria: essa<br />
retórica não estaria nos ajudando a acreditar e, por isso a aceitar, que meninos<br />
e homens são <strong>na</strong>turalmente mais agressivos e violentos do que meni<strong>na</strong>s e mulheres?<br />
E ela não estaria nos ajudando, sobretudo, a ser mais tolerantes com<br />
determi<strong>na</strong>das formas de exercício da violência cometida por meninos e homens<br />
(relembro aqui o enunciado clássico, mas ainda operante, de que “homem que é<br />
homem não leva desaforo para casa”...)?<br />
Articulando gênero e poder, poderíamos problematizar estes e outros<br />
discursos sobre diferenças biológicas que têm significado e organizado tanto o<br />
contexto social, de modo mais amplo, quanto o contexto escolar. Diferenças biológicas<br />
parecem contribuir para reiterar e legitimar diferenças e desigualdades<br />
de gênero em quase todas as instâncias do social. Retomemos, por exemplo, as<br />
falas das professoras quando tensio<strong>na</strong>m, no mesmo argumento e sem perceber,<br />
enunciados como as diferenças <strong>na</strong>turais existem e a gente vai tratando o menino<br />
diferente desde que ele <strong>na</strong>sce. Falas como essas acio<strong>na</strong>m – reiterando e ao mesmo<br />
tempo pluralizando e contestando – fragmentos de discursos científicos articulados<br />
a noções de senso comum acerca de uma “<strong>na</strong>tureza” da masculinidade e<br />
da feminilidade (no singular) que os indivíduos, para se tor<strong>na</strong>rem sujeitos dessa<br />
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