Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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jeitos e se constituem como marcas de poder” (LOURO, 004: 7 -7 ). Como esses processos de significação são fundamentalmente lingüísticos e se assume neste texto que “a linguagem vaza”, isto é, embora ela seja o único meio do qual dispomos para produzir e fixar significados, ela é incapaz de fazê-lo de uma vez para sempre, esses processos de significação são sempre indeterminados, ambíguos, provisórios e instáveis (SILVA, 000). Nesse sentido, pode-se dizer que, ao mesmo tempo que significam e inscrevem determinadas marcas nos corpos em diferentes espaços e tempos, eles são incapazes de fixar nos corpos, de uma vez para sempre, um conjunto verdadeiro, definido e homogêneo de marcas e sentidos: “a significação que se atribui aos corpos é arbitrária, relacional e é também disputada” e seus movimentos “são tramados e funcionam através de redes de poder” (LOURO, 004: 89). E isto remete diretamente a uma divisão localizada em todos os agrupamentos humanos conhecidos até hoje e que, exatamente por isso, é usualmente “compreendida como primeira, originária ou essencial, e quase sempre relacionada ao corpo” (ibid.: 7 ) – a divisão masculino/feminino – a qual nos insere nas redes de significação de gênero. No âmbito dessas redes, a sociedade e a cultura ocidentais, lato sensu, têm buscado investir de forma mais incisiva, desde o séc. XVIII, em certa “coerência e continuidade entre sexo-gênero-sexualidade”, o que sustenta a constituição e legitimação de uma forma normal de vida em sociedade cuja base seria a família (mononuclear moderna). Esta, “por sua vez, se sustenta sobre a reprodução sexual [e social] e, conseqüentemente, sobre a heterossexualidade” (ibid.: 88). Pode se dizer, então, que esta forma específica de articulação entre corpo, gênero e sexualidade não é natural e nem universal, mas se torna inteligível e operante no interior de redes de poder que a definem e que permitem que ela funcione como tal. Assumir o conceito de gênero, nessa perspectiva, supõe assumir também uma série de disposições e operações analítico-políticas que temos exercitado em nossos estudos: considerar que diferenças e desigualdades entre mulheres e homens – no plural – são social, cultural e discursivamente construídas e não biologicamente determinadas; deslocar o foco de atenção da “mulher dominada, em si” para a relação de poder em que diferenças e desigualdades entre mulheres e homens são produzidas e legitimadas; “rachar” a homogeneidade, a essencialização e a universalidade contidas em termos como mulher, homem, dominação masculina e subordinação feminina, dentre outros grafados no singular para, com isso, tornar visíveis os mecanismos e as estratégias de poder-saber que as instituem e as atravessam; explorar a pluralidade e conflitualidade constitutiva dos processos que (de)limitam possibilidades de se definirem o gênero e a sexualida- 219

de e vivê-los em cada sociedade, nos seus diferentes segmentos culturais e sociais; admitir e reconhecer que representações de gênero e de sexualidade, ativas em um determinado contexto cultural, atravessam e constituem formas científicas (e outras formas) de conhecer e, mais do que isso, tornam esses conhecimentos possíveis (MEYER, 004). Em convergência com essas disposições assume-se que o corpo funciona, ao mesmo tempo, como território de inscrição de identidades de gênero (que se intersectam, modificando-se com outras identidades, como sexualidade, geração e classe, por exemplo) e como operador de sistemas de classificação e hierarquização social (na medida em que seus atributos são elevados a critérios que posicionam e valoram, diferentemente, estilos de vida e sujeitos na cultura contemporânea). Com a explicitação desses pressupostos, passo a colocar em relação algumas pesquisas sobre gênero e sexualidade com as quais pretendo estar exercitando a problematização sugerida na primeira parte deste texto. Um exercício de problematização para inspirar formas de intervenção Em sua tese de doutorado, intitulada Namoro MTV: juventude e pedagogias amorosas/sexuais no Fica Comigo, Rosângela Soares ( 00 ) coloca em foco relações amorosas tal como estas se definem e se atualizam no âmbito do discurso do amor romântico. A autora nos permite pensar que esse discurso é apresentado e atualizado como a marca por excelência dos relacionamentos e dos enlaces amorosos nas sociedades ocidentais modernas, incluindo-se aqui também aqueles relacionamentos que contemporaneamente desafiam a heteronormatidade constitutiva de noções como casal, conjugalidade, casamento, dentre outras. Nesse discurso do amor romântico mobilizam-se, a meu ver, algumas das relações de poder de gênero e sexuais mais naturalizadas e menos problematizadas da cultura contemporânea. Relações de poder que, quando questionadas e colocadas sob tensão, constituem algumas das muitas faces que a violência de gênero costuma assumir, por exemplo, no cotidiano dos consultórios terapêuticos, das empresas de advogacia, dos serviços de saúde e das delegacias de polícia. Como diz a autora, “a naturalidade dos sentimentos [especialmente daqueles vinculados ao] amor romântico é algo quase inquestionável e tem servido, muitas vezes, para justificar uma diversidade de atos; em nome do amor, praticam-se atos criminosos, como os chamados crimes passionais mas também cometem-se outras ‘loucuras’ mais glamourosas e radicais, como ‘abandonar tudo’ (família, profissão) e seguir o [seu] chamado...” (ibid.: 9 ); 220

jeitos e se constituem como marcas de poder” (LOURO, 004: 7 -7 ). Como<br />

esses processos de significação são fundamentalmente lingüísticos e se assume<br />

neste texto que “a linguagem vaza”, isto é, embora ela seja o único meio do qual<br />

dispomos para produzir e fixar significados, ela é incapaz de fazê-lo de uma vez<br />

para sempre, esses processos de significação são sempre indetermi<strong>na</strong>dos, ambíguos,<br />

provisórios e instáveis (SILVA, 000). Nesse sentido, pode-se dizer que,<br />

ao mesmo tempo que significam e inscrevem determi<strong>na</strong>das marcas nos corpos<br />

em diferentes espaços e tempos, eles são incapazes de fixar nos corpos, de uma<br />

vez para sempre, um conjunto verdadeiro, definido e homogêneo de marcas e<br />

sentidos: “a significação que se atribui aos corpos é arbitrária, relacio<strong>na</strong>l e é também<br />

disputada” e seus movimentos “são tramados e funcio<strong>na</strong>m através de redes<br />

de poder” (LOURO, 004: 89). E isto remete diretamente a uma divisão localizada<br />

em todos os agrupamentos humanos conhecidos até hoje e que, exatamente<br />

por isso, é usualmente “compreendida como primeira, originária ou essencial,<br />

e quase sempre relacio<strong>na</strong>da ao corpo” (ibid.: 7 ) – a divisão masculino/feminino<br />

– a qual nos insere <strong>na</strong>s redes de significação de gênero.<br />

No âmbito dessas redes, a sociedade e a cultura ocidentais, lato sensu, têm<br />

buscado investir de forma mais incisiva, desde o séc. XVIII, em certa “coerência<br />

e continuidade entre sexo-gênero-<strong>sexual</strong>idade”, o que sustenta a constituição e legitimação<br />

de uma forma normal de vida em sociedade cuja base seria a família<br />

(mononuclear moder<strong>na</strong>). Esta, “por sua vez, se sustenta sobre a reprodução <strong>sexual</strong> [e<br />

social] e, conseqüentemente, sobre a heteros<strong>sexual</strong>idade” (ibid.: 88). Pode se dizer,<br />

então, que esta forma específica de articulação entre corpo, gênero e <strong>sexual</strong>idade não<br />

é <strong>na</strong>tural e nem universal, mas se tor<strong>na</strong> inteligível e operante no interior de redes de<br />

poder que a definem e que permitem que ela funcione como tal.<br />

Assumir o conceito de gênero, nessa perspectiva, supõe assumir também<br />

uma série de disposições e operações a<strong>na</strong>lítico-políticas que temos exercitado<br />

em nossos estudos: considerar que diferenças e desigualdades entre mulheres e<br />

homens – no plural – são social, cultural e discursivamente construídas e não<br />

biologicamente determi<strong>na</strong>das; deslocar o foco de atenção da “mulher domi<strong>na</strong>da,<br />

em si” para a relação de poder em que diferenças e desigualdades entre mulheres<br />

e homens são produzidas e legitimadas; “rachar” a homogeneidade, a essencialização<br />

e a universalidade contidas em termos como mulher, homem, domi<strong>na</strong>ção<br />

masculi<strong>na</strong> e subordi<strong>na</strong>ção femini<strong>na</strong>, dentre outros grafados no singular para, com<br />

isso, tor<strong>na</strong>r visíveis os mecanismos e as estratégias de poder-saber que as instituem<br />

e as atravessam; explorar a pluralidade e conflitualidade constitutiva dos<br />

processos que (de)limitam possibilidades de se definirem o gênero e a <strong>sexual</strong>ida-<br />

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