Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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14.04.2013 Views

pensamento acerca dessas amplas e complexas questões. E é de um lugar “entre campos” – educação, saúde e gênero – que o faço, com o objetivo explícito de problematizar algumas das formas pelas quais determinadas tipos de violência se inscrevem – e se naturalizam – no âmbito de relações de poder de gênero. Refiro-me aqui especialmente a formas de violência de gênero que incidem sobre mulheres mas também sobre homens, que tanto podem ser físicas e psicológicas, quanto sistêmicas ou estruturais, considerando-se as diferentes abordagens e os desdobramentos teórico-conceituais utilizados por estudiosos/as do campo (cf., por exemplo, SUÁREZ e BANDEIRA, 000; SCHILLING, 000; SAFFIOTI, 000; LOUREIRO, 999; FELIPE, 998, dentre outros). Com este recorte, faço o movimento intencional de deslocar a discussão do tema da violência de gênero para o tema das relações de poder de gênero apoiando-me, especialmente na diferenciação que Michel Foucault ( 999: ) faz entre relações de poder e relações de violência. Para ele, o que define uma relação de poder é que [...] este é um modo de ação que não opera direta ou imediatamente sobre os outros [...] o poder atua sobre as ações dos outros: uma ação sobre outra ação, naquelas ações existentes ou naquelas que podem se engendrar no presente ou no futuro (ibid.). Assim considerado, o exercício do poder supõe “um elemento muito importante: a liberdade. O poder somente se exerce sobre sujeitos livres e somente enquanto eles são livres”. Sujeitos livres, para o autor, são “sujeitos individuais ou coletivos que estão inseridos e que se confrontam com um campo de possibilidades”, no qual algumas formas de ser, de viver e de comportar-se, bem como algumas reações e escolhas (ainda que mínimas) podem ser realizadas. “Quando os fatores determinantes saturam a totalidade, não há relações de poder [...]. Neste caso, trata-se de relações de constrangimento físico” (idem: ). Com essa afirmação, o autor remete àquilo que, para ele, constitui uma importante diferenciação entre uma relação de poder e uma relação de violência, e que me parece importante demarcar aqui: [...] uma relação de violência atua sobre um corpo ou coisas, ela força, dobra, destrói, ou fecha a porta a todas as possibilidades. Seu pólo oposto só pode ser a passividade, e se ela se encontra com qualquer resistência, não tem outra opção que tratar de minimizá-la (ibid: ). 217

Com esta diferenciação e entendendo que relações de gênero e sexualidade são vividas, na maior parte de nossas vidas, como relações de poder (portanto, dentro de um “campo de possibilidades” de re-ações, como sugere Foucault) e não como relações de violência, pretendo pensar tais relações a partir de alguns dos desdobramentos do conceito de gênero, quais sejam: sua dimensão relacional; sua interseção com outros marcadores sociais, como geração, sexualidade, raça e classe social, por exemplo, e a relação indissociável entre gênero e processos de conhecer e descrever os mundos em que vivemos. Com este exercício de pensamento que empreendo aqui, encaminho-me para sugerir que é no contexto de relações de poder de gênero e sexualidade naturalizadas, sancionadas e legitimadas em diferentes instâncias do social e da cultura que determinadas formas de violência tornam-se possíveis. Busco sugerir ainda, com a realização do próprio exercício, que a problematização e a desconstrução dessas (e de outras) relações de poder – profundamente entranhadas em nossas vidas e também em nossas práticas educativas e políticas – apontam e delineiam um campo de possibilidades especialmente significativo para reflexão e intervenção de educadoras e educadores; e que estes/as, ao inseri-los em suas práticas pedagógicas, podem contribuir para diminuir e/ou modificar de forma importante a ocorrência desses tipos de violência. Gênero, corpo e poder: delimitando um campo de discussão teórico-política Estudiosas como Linda Nicholson defendem a idéia de que “a sociedade forma não só a personalidade e o comportamento, mas também as maneiras como o corpo aparece” ( 000: 9), sendo esse processo inseparável do exercício de formas variadas de poder. Desse ponto de vista, o corpo é assumido aqui como uma variável que se constrói na interseção entre aquilo que herdamos geneticamente e aquilo que aprendemos quando nos tornamos sujeitos de uma determinada cultura (MEYER e SOARES, 004). É preciso lembrar que intersecção é diferente de adição: não é a cultura adicionada a uma natureza preexistente, mas uma imbricação em que nossa materialidade é invadida, nomeada, descrita e moldada pelos processos de significação – dentre eles os processos de significação de gênero – que configuram os mundos plurais em que vivemos e nos movimentamos. Guacira Louro refere-se a isto dizendo que “os corpos são o que são na cultura” e que as marcas que lhes são impressas são “decisivas para dizer do lugar social de um sujeito” já que, como marcas culturais, elas “distinguem su- 218

Com esta diferenciação e entendendo que relações de gênero e <strong>sexual</strong>idade<br />

são vividas, <strong>na</strong> maior parte de nossas vidas, como relações de poder (portanto,<br />

dentro de um “campo de possibilidades” de re-ações, como sugere Foucault) e não<br />

como relações de violência, pretendo pensar tais relações a partir de alguns dos<br />

desdobramentos do conceito de gênero, quais sejam: sua dimensão relacio<strong>na</strong>l; sua<br />

interseção com outros marcadores sociais, como geração, <strong>sexual</strong>idade, raça e classe<br />

social, por exemplo, e a relação indissociável entre gênero e processos de conhecer<br />

e descrever os mundos em que vivemos.<br />

Com este exercício de pensamento que empreendo aqui, encaminho-me<br />

para sugerir que é no contexto de relações de poder de gênero e <strong>sexual</strong>idade<br />

<strong>na</strong>turalizadas, sancio<strong>na</strong>das e legitimadas em diferentes instâncias do social e da cultura<br />

que determi<strong>na</strong>das formas de violência tor<strong>na</strong>m-se possíveis. Busco sugerir ainda,<br />

com a realização do próprio exercício, que a problematização e a desconstrução<br />

dessas (e de outras) relações de poder – profundamente entranhadas em nossas<br />

vidas e também em nossas práticas educativas e políticas – apontam e delineiam<br />

um campo de possibilidades especialmente significativo para reflexão e<br />

intervenção de educadoras e educadores; e que estes/as, ao inseri-los em suas<br />

práticas pedagógicas, podem contribuir para diminuir e/ou modificar de forma<br />

importante a ocorrência desses tipos de violência.<br />

Gênero, corpo e poder: delimitando um campo de<br />

discussão teórico-política<br />

Estudiosas como Linda Nicholson defendem a idéia de que “a sociedade forma<br />

não só a perso<strong>na</strong>lidade e o comportamento, mas também as maneiras como o<br />

corpo aparece” ( 000: 9), sendo esse processo inseparável do exercício de formas<br />

variadas de poder. Desse ponto de vista, o corpo é assumido aqui como uma variável<br />

que se constrói <strong>na</strong> interseção entre aquilo que herdamos geneticamente e aquilo que<br />

aprendemos quando nos tor<strong>na</strong>mos sujeitos de uma determi<strong>na</strong>da cultura (MEYER<br />

e SOARES, 004). É preciso lembrar que intersecção é diferente de adição: não<br />

é a cultura adicio<strong>na</strong>da a uma <strong>na</strong>tureza preexistente, mas uma imbricação em que<br />

nossa materialidade é invadida, nomeada, descrita e moldada pelos processos de<br />

significação – dentre eles os processos de significação de gênero – que configuram<br />

os mundos plurais em que vivemos e nos movimentamos.<br />

Guacira Louro refere-se a isto dizendo que “os corpos são o que são <strong>na</strong><br />

cultura” e que as marcas que lhes são impressas são “decisivas para dizer do<br />

lugar social de um sujeito” já que, como marcas culturais, elas “distinguem su-<br />

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