Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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Com efeito, como nota Roberto Da Matta ( 997) em um estudo sobre a construção e o exercício da masculinidade em uma pequena cidade brasileira, os rapazes, ao serem submetidos a rituais inerentes ao “ser homem”, ficam expostos a dúvidas, incertezas e angústias relativas à confirmação de “não ser mulher” e “nem ser veado”. Assim, ao longo da construção de repertórios de masculinidades adolescentes, “o silêncio masculino acerca dos afetos e das emoções, como um território não explorado, muitas vezes é causador de atitudes e de comportamentos ligados à violência, à cultura do risco e da coerção” (NASCIMENTO, 004: 09). Qualquer enternecimento ou preocupação com a segurança podem ser vistos como atributos desvirilizantes. A construção da mascunilidade dentro do quadro das normas de gênero e da heteronormatividade (e outros arsenais) configura-se, portanto, em um processo dotado de altas doses de cerceamento, fazendo com que a parte dominante (o elemento “masculino”) seja ironicamente “dominada por sua própria dominação”. O privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua contraposição na tensão e na contensão permanentes, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância, sua virilidade. [...] A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão ao combate e ao exercício da violência (sobretudo em caso de vingança), é, acima de tudo, uma carga (BOURDIEU, 999: 4). 9 Por isso, dentro e fora do espaço escolar, a construção do modelo hegemônico de mascunilidade costuma obrigar os que estão sendo provados a afirmarem diante dos demais suas virilidades por meio da violência física (SCHPUN, 004), de demonstrações de intrepidez e de atos voltados a degradar e depreciar o “outro” por meio de insultos e humilhações de cunho sexista, homofóbico ou racista, que agem como mecanismos psicológicos ou ritualísticos voltados a instituir ou a reforçar suas auto-imagens e identidades sociais masculinas e viris (LEAL e BOFF, 99 ). A masculinidade é disputada, construída como uma forma de ascendência social de uns e de degradação de outros. Tenta-se, na competição, feminilizar os outros: pelos gestos de convite sexual que transformam a vítima em “mulher simbóli- 19 Sobre a “dominação masculina”, vide: BOURDIEU, 1998, 1999 e BADINTER, 2005. Para uma reflexão sobre a “masculinidade hegemônica” e outras masculinidades, vide: CONNEL, 2005 21
22 ca”, pelas brincadeiras [...] pela competição monetária [...]. Em todo caso, o recurso ao tropo da homossexualidade é recorrente. Esta é entendida como desempenho de um papel passivo, penetrado, numa relação fantasiosa, em que o “ativo” e penetrador não perde, pelo fato, masculinidade (ALMEIDA, 99 : 89). Assim sendo, não deveria surpreender que as ansiedades, as angústias e os medos de se perder o reconhecimento da virilidade sejam fontes inesgotáveis de sofrimento. Como, de resto, já observava Bourdieu: Certas formas de “coragem” [...] – como as que, nos ofícios de construção, em particular, encorajam e pressionam a recusar as medidas de prudência e a negar ou a desafiar o perigo com condutas de exibição de bravura, responsáveis por numerosos acidentes – encontram seu princípio, paradoxalmente, no medo de perder a estima ou a consideração do grupo, de “quebrar a cara” diante dos “companheiros” e de se ver remetido à categoria, tipicamente feminina, dos “fracos”, dos “delicados”, das “mulherzinhas”, dos “veados”. Por conseguinte, o que chamamos de “coragem” muitas vezes tem suas raízes em uma forma de covardia: [...] basta lembrar todas as situações em que, para lograr atos como matar, torturar ou violentar, a vontade de dominação, de exploração ou de opressão baseou-se no medo “viril” de ser excluído do mundo dos “homens” sem fraquezas, dos que são por vezes chamados de “duros” porque são duros para com o próprio sofrimento e sobretudo para com o sofrimento dos outros [...] (BOURDIEU, 999: ). Os efeitos disso se fazem sentir de modo transversal e exponencial. O prejuízo é geral; o desconforto, permanente; e o risco de violência paira constantemente no ar. É preciso, assim, atentar para o fato de que a lógica de “homossociabilidade homofóbica” própria de determinados espaços sociais (como bares, times e torcidas organizadas de futebol, forças armadas, internatos, conventos, seminários etc.) pode encontrar, no interior das escolas, novos meios e oportunidades para produzir, reproduzir ou alimentar mecanismos de discriminação e violência contra estudantes mulheres, LGBT, bem como todo indivíduo cuja expressão de gênero parecer destoar da tida como convencional.
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Com efeito, como nota Roberto Da Matta ( 997) em um estudo sobre a<br />
construção e o exercício da masculinidade em uma peque<strong>na</strong> cidade brasileira, os<br />
rapazes, ao serem submetidos a rituais inerentes ao “ser homem”, ficam expostos<br />
a dúvidas, incertezas e angústias relativas à confirmação de “não ser mulher” e<br />
“nem ser veado”. Assim, ao longo da construção de repertórios de masculinidades<br />
adolescentes, “o silêncio masculino acerca dos afetos e das emoções, como um<br />
território não explorado, muitas vezes é causador de atitudes e de comportamentos<br />
ligados à violência, à cultura do risco e da coerção” (NASCIMENTO, 004:<br />
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como atributos desvirilizantes.<br />
A construção da mascunilidade dentro do quadro das normas de gênero e<br />
da heteronormatividade (e outros arse<strong>na</strong>is) configura-se, portanto, em um processo<br />
dotado de altas doses de cerceamento, fazendo com que a parte domi<strong>na</strong>nte (o elemento<br />
“masculino”) seja ironicamente “domi<strong>na</strong>da por sua própria domi<strong>na</strong>ção”.<br />
O privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua<br />
contraposição <strong>na</strong> tensão e <strong>na</strong> contensão permanentes, levadas<br />
por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de<br />
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A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, <strong>sexual</strong> e<br />
social, mas também como aptidão ao combate e ao exercício<br />
da violência (sobretudo em caso de vingança), é, acima de tudo,<br />
uma carga (BOURDIEU, 999: 4). 9<br />
Por isso, dentro e fora do espaço escolar, a construção do modelo hegemônico<br />
de mascunilidade costuma obrigar os que estão sendo provados a afirmarem diante<br />
dos demais suas virilidades por meio da violência física (SCHPUN, 004), de demonstrações<br />
de intrepidez e de atos voltados a degradar e depreciar o “outro” por<br />
meio de insultos e humilhações de cunho sexista, homofóbico ou racista, que agem<br />
como mecanismos psicológicos ou ritualísticos voltados a instituir ou a reforçar<br />
suas auto-imagens e identidades sociais masculi<strong>na</strong>s e viris (LEAL e BOFF, 99 ).<br />
A masculinidade é disputada, construída como uma forma de ascendência social de<br />
uns e de degradação de outros.<br />
Tenta-se, <strong>na</strong> competição, feminilizar os outros: pelos gestos de<br />
convite <strong>sexual</strong> que transformam a vítima em “mulher simbóli-<br />
19 Sobre a “domi<strong>na</strong>ção masculi<strong>na</strong>”, vide: BOURDIEU, 1998, 1999 e BADINTER, 2005. Para uma reflexão<br />
sobre a “masculinidade hegemônica” e outras masculinidades, vide: CONNEL, 2005<br />
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