Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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É preciso enfatizar que, embora quase sempre com pouca visibilidade no contexto social, a prática sexual entre pessoas de mesmo sexo sempre existiu e só passou, nomeada como “homossexualidade”, a ser objeto de reflexões e estudos empreendidos por médicos e higienistas somente a partir do século XIX. As pesquisas acadêmicas, porém, restringiam-se às buscas de medidas sanitárias e repressivas que visavam eliminar ou reduzir os efeitos “perniciosos” da presença dessas pessoas na sociedade (GÓIS, 004). Esse discurso médico apontava o homossexual como um indivíduo “doente”, portanto, sujeito a tratamento e possivelmente à cura. Com o passar dos anos e o surgimento de outras possibilidades de pensar a homossexualidade, mudança considerável ocorreu na análise desta questão. Tornou-se necessário buscar estratégias voltadas à diminuição da “opressão” enfrentada pelos homossexuais, e não mais às origens e às causas de seu modo de ser e das suas supostas conseqüências “maléficas”. Percebe-se hoje, uma “maior aceitação” em relação a essas práticas; no entanto, de acordo com Foucault ( 98 : 4), “continuamos a pensar que algumas dentre elas insultam a ‘verdade’: um homem ‘passivo’, uma mulher ‘viril’, pessoas do mesmo sexo que se amam...”. Mesmo que não nos deixemos envolver pela idéia de que elas possam representar uma ameaça à ordem estabelecida, percebemos certa relevância na afirmação de Foucault: “estamos sempre prontos a acreditar que há nelas algum ‘erro’” (ibid.). Segundo Louro ( 004), a homossexualidade e o/a homossexual são invenções do século XX. Tal afirmação prende-se ao fato de que, em épocas anteriores, no Ocidente judaico-cristão, o relacionamento afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo era qualificado como “sodomia”, um ato considerado pecaminoso ao qual qualquer pessoa poderia sucumbir. Foucault diz que a sodomia “era um tipo de ato interdito e o autor não passava de seu sujeito jurídico” ( 987: 4 ). Esta concepção mudou radicalmente com o decorrer dos tempos, de modo que a pessoa reconhecida como homossexual passou a ser definida como sujeito especial, uma “espécie” (id.: 4 ), que teria “um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida” (id., ibid.), marcado e categorizado como um/a desviante e, nesse sentido, um/a segregado/a. Embora assim definidos e reprimidos pelas autoridades policiais, sanitárias, religiosas e pelos grupos conservadores, homens e mulheres homossexuais vêm lutando por visibilidade e respeito no contexto social. Tambin Spargo ( 004: 7) coloca que, para Foucault, a categoria de homossexual “surgiu a partir de um contexto específico na década de 870 e que, à semelhança da sexualidade, é preciso considerá-la uma categoria construída do conhecimento, e não uma identidade descoberta”. Louro ( 004: 0) observa ainda que “a homossexualidade produzida através do discurso” tornou-se questão social relevante, 190
gravitando, porém, entre a acepção de “anormalidade” ou “inferioridade” apontada por uma facção, e a de “normalidade” ou “naturalidade” defendida por outra. No Brasil, os movimentos de organizações homossexuais inicialmente tiveram uma trajetória um tanto lenta e custaram a ganhar certa visibilidade, se compararmos com os de outros países como os Estados Unidos e a Inglaterra. No final dos anos de 9 0, após duas décadas em que se testemunhou certa tolerância em relação à homossexualidade e a determinados espaços de sociabilidade homossexual, algumas manifestações culturais começaram a aparecer (revistas, jornais, teatros e músicas) e a mexer com a opinião pública. Porém, conforme estudos de James Green ( 000), as medidas repressivas do governo militar tiveram sobre elas um efeito desalentador. Segundo o pesquisador, existia na época toda “uma subcultura gay em formação e uma contracultura brotando que já começava a questionar os papéis rígidos de masculinidade e feminilidade”. Tendo diante de si um crescente número de questões urgentes a encarar, a ditadura foi perdendo a batalha, “por suas próprias fraquezas e sua indiferença básica em relação à conduta privada” (ibid.: 400). O lento processo de “abertura política” repercutiu em todos os setores e em todas as iniciativas contrárias às normas vigentes. Nesse novo contexto, as organizações que congregavam grupos homossexuais que haviam sobrevivido praticamente na clandestinidade tiveram possibilidades de se reestabelecerem a partir de uma nova identidade “gay” que ganhava terreno (ibid.: 4 4). Ao lado disso, nos anos 80, à medida que novos movimentos sociais surgiam e forçavam os limites da “transição democrática”, a temática homossexual passava também a constituir questão de pesquisa acadêmica. Este fato, associado ao discurso que defendia a positividade da homossexualidade, gradativamente favoreceu a construção de novas mentalidades relacionadas à questão. Obras importantes sobre o tema foram elaboradas a partir de então, dentre as quais destacamos Para inglês ver, de Peter Fry, publicado em 98 , e O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo, de Néstor Perlongher, em 987. A maior visibilidade do movimento de gays e lésbicas insinuava-se na sociedade e as reações já não se caracterizaram de forma tão homofóbica quanto antes. No entanto, como denuncia Green (ibid.) na sua pesquisa sobre a história da homossexualidade no Brasil, 7 embora a homossexualidade masculina tivesse acesso ao espaço público, para as mulheres essa era uma situação inviável. Segundo nos narra o pesquisador, as lésbicas não poderiam sequer se encontrar na rua. Aquelas que tinham melhor condição econômica organizavam festas e reuniões em suas próprias casas, e as mais pobres masculinizavam-se para conquistar seu espaço e impor-se na sua 7 Ver também GATTI, 2000. 191
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por uma facção, e a de “normalidade” ou “<strong>na</strong>turalidade” defendida por outra.<br />
No Brasil, os movimentos de organizações homossexuais inicialmente tiveram<br />
uma trajetória um tanto lenta e custaram a ganhar certa visibilidade, se compararmos<br />
com os de outros países como os Estados Unidos e a Inglaterra. No fi<strong>na</strong>l dos anos<br />
de 9 0, após duas décadas em que se testemunhou certa tolerância em relação à<br />
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a mexer com a opinião pública. Porém, conforme estudos de James Green ( 000),<br />
as medidas repressivas do governo militar tiveram sobre elas um efeito desalentador.<br />
Segundo o pesquisador, existia <strong>na</strong> época toda “uma subcultura gay em formação<br />
e uma contracultura brotando que já começava a questio<strong>na</strong>r os papéis rígidos de<br />
masculinidade e feminilidade”. Tendo diante de si um crescente número de questões<br />
urgentes a encarar, a ditadura foi perdendo a batalha, “por suas próprias fraquezas e<br />
sua indiferença básica em relação à conduta privada” (ibid.: 400). O lento processo<br />
de “abertura política” repercutiu em todos os setores e em todas as iniciativas contrárias<br />
às normas vigentes. Nesse novo contexto, as organizações que congregavam<br />
grupos homossexuais que haviam sobrevivido praticamente <strong>na</strong> clandestinidade tiveram<br />
possibilidades de se reestabelecerem a partir de uma nova identidade “gay”<br />
que ganhava terreno (ibid.: 4 4). Ao lado disso, nos anos 80, à medida que novos<br />
movimentos sociais surgiam e forçavam os limites da “transição democrática”, a temática<br />
homos<strong>sexual</strong> passava também a constituir questão de pesquisa acadêmica.<br />
Este fato, associado ao discurso que defendia a positividade da homos<strong>sexual</strong>idade,<br />
gradativamente favoreceu a construção de novas mentalidades relacio<strong>na</strong>das à questão.<br />
Obras importantes sobre o tema foram elaboradas a partir de então, dentre as<br />
quais destacamos Para inglês ver, de Peter Fry, publicado em 98 , e O negócio do<br />
michê: prostituição viril em São Paulo, de Néstor Perlongher, em 987.<br />
A maior visibilidade do movimento de gays e lésbicas insinuava-se <strong>na</strong> sociedade<br />
e as reações já não se caracterizaram de forma tão homofóbica quanto antes. No<br />
entanto, como denuncia Green (ibid.) <strong>na</strong> sua pesquisa sobre a história da homos<strong>sexual</strong>idade<br />
no Brasil, 7 embora a homos<strong>sexual</strong>idade masculi<strong>na</strong> tivesse acesso ao espaço<br />
público, para as mulheres essa era uma situação inviável. Segundo nos <strong>na</strong>rra o pesquisador,<br />
as lésbicas não poderiam sequer se encontrar <strong>na</strong> rua. Aquelas que tinham<br />
melhor condição econômica organizavam festas e reuniões em suas próprias casas,<br />
e as mais pobres masculinizavam-se para conquistar seu espaço e impor-se <strong>na</strong> sua<br />
7 Ver também GATTI, 2000.<br />
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