Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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188 de androginia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um reincidente, agora o homossexual é uma espécie. (FOUCAULT, 987: 4 -44). A este ponto, é importante lembrar que em nossa sociedade ocidental contemporânea o pensamento moderno produziu classificações binárias, estabelecendo oposições polarizadas, inclusive entre os sujeitos. Tal classificação, como observa Silva ( 004), constitui-se em uma forma de organizar a vida social segundo identidades específicas. Nesse sentido, temos que entender que o saber médico e científico, a partir do qual muitas dessas oposições binárias foram edificadas, não é algo dotado de neutralidade, isento ou imune às relações de poder. O saber deve ser concebido como implicado com o poder, e o poder como algo que produz saber: não há quaisquer relações de poder em que não se constitua um campo de saber, ou um campo de saber que não constitua relações de poder (FOUCAULT, 999). No Brasil, as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo deixaram de constituir crime no início do século XIX. O que, décadas depois, veio a ser denominado “homossexualismo” (e “homossexualidade”, um pouco mais tarde) não foi penalmente tipificado. No entanto, como observa Cristina Câmara ( 00 : 7), “apesar de a homossexualidade nunca ter sido considerada crime, a medicina legal se encarregou de puni-la”. Além disso, “a não existência de uma lei brasileira que puna a homossexualidade parece funcionar como correspondente de uma suposta inexistência da orientação sexual para o mesmo sexo. Inexistência embrenhada em um silêncio que tende a adiar o conflito, neste caso, essencialmente simbólico” (id.: 48). Na esteira dos conflitos simbólicos e das correlações de poder em que se dão os processos de nomeações e classificações das identidades, vêem-se a constituição e a disputa entre diferentes modos de ver, de perceber e de nomear, inclusive por parte dos grupos historicamente discriminados. Daí, termos como bicha, gay, queer etc. são (re)inventados, ressignificados pelo próprio grupo discursiva e politicamente inferiorizado. Ao mesmo tempo, políticas públicas (sobretudo na área de saúde) vão se delineando enquanto biopolíticas governamentais que produzem efeitos nos processos de configuração identitárias de indivíduos e de grupos homossexuais, que passam cada vez mais a constituir uma “população específica”. Esse processo, em certa medida, também é alimentado por movimentações estratégicas de setores empresariais interessados no que veio a se chamar de “pink money” ou “mercado GLS”. 5 Para Foucault (1997: 89), biopolítica é “a maneira pela qual se tentou, desde o século XVIII, racionalizar os problemas propostos à prática governamental, pelos fenômenos próprios a um conjunto de seres vivos constituídos em população: saúde, higiene, natalidades, raças...”.
Seja como for, é importante lembrar que os indivíduos passam, em função de vários fatores, a dividir certos marcadores identitários com outros indivíduos, percebidos como pertencentes ao mesmo grupo. Tais marcadores são, então, coletivamente construídos e potencializados paralelamente à constituição deste grupo e à possibilidade de sua organização política, que oportunizam processos em que as terminologias usadas na nomeação desses indivíduos são ou podem ser por eles reelaboradas ou (re)inventadas. No caso do movimento homossexual (ou dos movimentos homossexuais), nota-se sobretudo uma busca do afastamento de sua identidade coletiva do campo “puramente” médico, com a tentativa de ressignificar termos até então utilizados de modo degradante, patologizante ou genericamente pejorativo. Conforme observa Spargo ( 004: 9): La palabra ‘gay’, aplicada a las mujeres de dudosa reputación en el siglo XIX, se utilizó en la década de 9 0 como una alternativa de “homosexual”, un hecho que provocó la consternación de algunas personas, que lamentaban la corrupción de un vocablo “inocente”. Outro exemplo de ressignificação vem se dando coma noção de queer, “antes vociferada o murmurada como un insulto, es pronunciada hoy orgullosamente como un indicador de transgresión por quienes un vez se llamaron a sí mismos lesbianas o gays” (id.: 9). Ainda na esteira desse processo de ressignificação e rechaço de representações estigmatizantes ou biologizantes, no final da década de 980, o movimento homossexual passou a trabalhar também com a noção de “orientação sexual”: [...] a homossexualidade, em um determinado momento, foi reinventada pelos participantes do movimento gay, é verdade, mas não foi “inventada por eles”, foi a reapropriação de uma categoria já existente, “criada para eles”. Mesmo utilizando os termos homossexual e homossexualidade, a luta pela garantia dos direitos individuais de gays e lésbicas, através da expressão orientação sexual pode ser vista como uma tentativa de saída desse imaginário médico (CÂMARA, 00 : 4). 6 É importante lembrar que, no exterior e recentemente também no Brasil, os movimentos de travestis e, sobretudo, de transexuais, vêm adotando cada vez mais o conceito de identidade de gênero. Por muitas travestis e transexuais não se identificarem como “homossexuais”, denunciam sofrer discriminação em função de suas identidades, construções, expressões ou performances de gênero, mais do que, segundo elas, por suas orientações sexuais. 189
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de vários fatores, a dividir certos marcadores identitários com outros indivíduos,<br />
percebidos como pertencentes ao mesmo grupo. Tais marcadores são, então, coletivamente<br />
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e à possibilidade de sua organização política, que oportunizam processos em<br />
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eles reelaboradas ou (re)inventadas. No caso do movimento homos<strong>sexual</strong> (ou dos<br />
movimentos homossexuais), nota-se sobretudo uma busca do afastamento de sua<br />
identidade coletiva do campo “puramente” médico, com a tentativa de ressignificar<br />
termos até então utilizados de modo degradante, patologizante ou genericamente<br />
pejorativo. Conforme observa Spargo ( 004: 9):<br />
La palabra ‘gay’, aplicada a las mujeres de dudosa reputación<br />
en el siglo XIX, se utilizó en la década de 9 0 como u<strong>na</strong><br />
alter<strong>na</strong>tiva de “homo<strong>sexual</strong>”, un hecho que provocó la conster<strong>na</strong>ción<br />
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de un vocablo “inocente”.<br />
Outro exemplo de ressignificação vem se dando coma noção de queer, “antes<br />
vociferada o murmurada como un insulto, es pronunciada hoy orgullosamente<br />
como un indicador de transgresión por quienes un vez se llamaron a sí mismos<br />
lesbia<strong>na</strong>s o gays” (id.: 9).<br />
Ainda <strong>na</strong> esteira desse processo de ressignificação e rechaço de representações<br />
estigmatizantes ou biologizantes, no fi<strong>na</strong>l da década de 980, o movimento<br />
homos<strong>sexual</strong> passou a trabalhar também com a noção de “orientação <strong>sexual</strong>”:<br />
[...] a homos<strong>sexual</strong>idade, em um determi<strong>na</strong>do momento, foi<br />
reinventada pelos participantes do movimento gay, é verdade,<br />
mas não foi “inventada por eles”, foi a reapropriação de uma<br />
categoria já existente, “criada para eles”. Mesmo utilizando os<br />
termos homos<strong>sexual</strong> e homos<strong>sexual</strong>idade, a luta pela garantia<br />
dos direitos individuais de gays e lésbicas, através da expressão<br />
orientação <strong>sexual</strong> pode ser vista como uma tentativa de saída<br />
desse imaginário médico (CÂMARA, 00 : 4).<br />
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sobretudo, de transexuais, vêm adotando cada vez mais o conceito de identidade de gênero. Por muitas<br />
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