Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
No que diz respeito ao primeiro item – a criação de condições de visibilidade das famílias homoparentais na escola –, é importante que haja um conhecimento maior por parte do corpo docente da farta literatura científica, especialmente nos campos da psicologia e da antropologia, a respeito do fato de uma criança ser socializada (por dois pais, duas mães, um pai e uma mãe, apenas um pai, apenas uma mãe, nenhum pai e nenhuma mãe e tantos outros arranjos parentais) pode impactar sua vida psíquica e história pessoal. No âmbito específico das investigações sobre o desenvolvimento psicossocial de crianças socializadas por gays e lésbicas solteiros ou por casais de pessoas do mesmo sexo, prevalece o entendimento praticamente consensual de que não há evidências científicas de que estas crianças possuam qualquer característica de personalidade ou de comportamento que as coloque em situação de desvantagem social quando comparadas às crianças socializadas por indivíduos ou por casais heterossexuais (KLEBER et al., 98 ; CADORET, 00 ; NADAUD, 00 ; TASKER e GOLOMBOK, 00 ; GROSS, 00 ). Muitas variáveis influenciam o processo de socialização de uma criança (classe social, nível de escolaridade e idade dos pais, local de moradia, religião, nacionalidade, entre outros), sendo a orientação sexual dos pais apenas uma a mais, e seguramente não a mais fundamental, sobretudo quando pensamos na importância central do tipo de vínculo que une o casal e na qualidade da relação que os pais estabelecem com os filhos. Uma das falsas premissas psicológicas utilizadas contra as famílias homoparentais seria a “falta de referenciais femininos ou masculinos”. Nos estudos realizados com crianças socializadas por um casal de homens ou de mulheres, lembra-se que funções paternas e maternas igualmente podem ser cumpridas por indivíduos mulheres e homens, respectivamente, também em famílias heterossexuais. Da mesma forma, crianças criadas em famílias não-convencionais têm o mesmo acesso que outras crianças a diferenciados modelos de masculinidade e de feminilidade na família ampliada, na vizinhança, na escola, na igreja, nos meios de comunicação de massa. Além disso, os atributos socialmente definidos como masculinos e femininos não se confundem com os corpos de homens e de mulheres que os apresentam (BUTLER, 00 ), o que permite também que modelos de masculinidade e feminilidade sejam percebidos no interior da própria família homoparental. Um dos grandes medos manifestos pelo senso comum em relação à socialização de crianças por casais homossexuais é de que estas crianças tenderiam a repetir o modelo de seus pais e se tornariam homossexuais também. No entanto, a maior parte dos estudos (BORRILLO, 00 ) mostra que não há uma presença maior ou 13 Para uma ampla discussão sobre homoparentalidade e famílias homoparentais no Brasil, incluindo a apresentação de expressivo material bibliográfico internacional, ver ZAMBRANO et al. (2006). 173
menor de homossexualidade entre pessoas socializadas por pais gays ou mães lésbicas, verificando-se geralmente a mesma freqüência encontrada no âmbito do casal heterossexual. Além disto, o que alguns pesquisadores observaram é que, de uma maneira geral, filhos e filhas de gays e lésbicas são pessoas mais abertas à aceitação da diferença, menos preconceituosas e intolerantes, menos rígidas em relação aos estereótipos de gênero, talvez exatamente pelas vivências sociais a que estiveram expostas desde a infância (MEDEIROS, 00 ; GÓMES, 00 ; PATERSON, 99 ). Mesmo que na maior parte das vezes os debates ainda se concentrem nas supostas “desvantagens sociais” e nos “perigos” para as crianças que vivem em famílias com pais gays ou mães lésbicas, já se começa a discutir, por outro lado, em que medida viver numa família homoparental, ao contrário do que se imagina, pode ser uma experiência muito positiva, que contribui para a formação de indivíduos democráticos e não-sexistas. No que diz respeito ao segundo item – o reconhecimento e a inclusão do casal de mesmo sexo nas atividades escolares – a forma como a instituição de ensino acolheu a família homoparental de Chicão, filho biológico de Cássia Eller e de sua companheira Maria Eugênia, parece-nos exemplar. O debate público em torno da homossexualidade veio à tona em 00 , quando da disputa da guarda de Chicão entre Maria Eugênia, reconhecida publicamente como mãe social e cuidadora do menino, e seu avô materno, pai de Cássia. Chicão então estudava em uma escola de classe média, no Rio de Janeiro, considerada de esquerda. Familiares, docentes e estudantes da escola mobilizaram-se em favor de Eugênia, companheira da cantora. Acredita-se que o apoio institucional, com adesão a um manifesto encaminhado ao juiz responsável pelo processo, tenha sido importante para o desenrolar do caso. Esta situação mostra o quanto a visibilidade da maternidade lésbica em uma escola que soube acolher essa diversidade foi decisiva para o reconhecimento dos direitos do menino de continuar a viver com a mãe sobrevivente e, talvez, possa ser compreendida como sinalização das mudanças na sociedade brasileira no que diz respeito ao direito das crianças filhas de pais gays e de mães lésbicas. Além das situações cotidianas de sala de aula, de construção do saber e de transmissão de conteúdos, os espaços de sociabilidade, as comemorações de datas festivas e as reuniões sobre aproveitamento das turmas são momentos privilegiados para a escola ensinar e oferecer acolhimento à diversidade. A participação de professores nas conversas de crianças e adolescentes sobre seus cotidianos e formas de organização de suas famílias pode ter um peso grande na compreensão de que normalidade e anormalidade não são categorias de sentido nem para a sexualidade, nem para os arranjos familiares que a nossa sociedade abriga. O tempo que crianças e adolescentes passam na escola pode proporcionar ótimos espaços de questiona- 174
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menor de homos<strong>sexual</strong>idade entre pessoas socializadas por pais gays ou mães lésbicas,<br />
verificando-se geralmente a mesma freqüência encontrada no âmbito do casal heteros<strong>sexual</strong>.<br />
Além disto, o que alguns pesquisadores observaram é que, de uma maneira<br />
geral, filhos e filhas de gays e lésbicas são pessoas mais abertas à aceitação da diferença,<br />
menos preconceituosas e intolerantes, menos rígidas em relação aos estereótipos<br />
de gênero, talvez exatamente pelas vivências sociais a que estiveram expostas desde<br />
a infância (MEDEIROS, 00 ; GÓMES, 00 ; PATERSON, 99 ). Mesmo que<br />
<strong>na</strong> maior parte das vezes os debates ainda se concentrem <strong>na</strong>s supostas “desvantagens<br />
sociais” e nos “perigos” para as crianças que vivem em famílias com pais gays ou mães<br />
lésbicas, já se começa a discutir, por outro lado, em que medida viver numa família<br />
homoparental, ao contrário do que se imagi<strong>na</strong>, pode ser uma experiência muito positiva,<br />
que contribui para a formação de indivíduos democráticos e não-sexistas.<br />
No que diz respeito ao segundo item – o reconhecimento e a inclusão do<br />
casal de mesmo sexo <strong>na</strong>s atividades escolares – a forma como a instituição de ensino<br />
acolheu a família homoparental de Chicão, filho biológico de Cássia Eller e de sua<br />
companheira Maria Eugênia, parece-nos exemplar. O debate público em torno da<br />
homos<strong>sexual</strong>idade veio à to<strong>na</strong> em 00 , quando da disputa da guarda de Chicão<br />
entre Maria Eugênia, reconhecida publicamente como mãe social e cuidadora do<br />
menino, e seu avô materno, pai de Cássia. Chicão então estudava em uma escola<br />
de classe média, no Rio de Janeiro, considerada de esquerda. Familiares, docentes e<br />
estudantes da escola mobilizaram-se em favor de Eugênia, companheira da cantora.<br />
Acredita-se que o apoio institucio<strong>na</strong>l, com adesão a um manifesto encaminhado<br />
ao juiz responsável pelo processo, tenha sido importante para o desenrolar do caso.<br />
Esta situação mostra o quanto a visibilidade da maternidade lésbica em uma escola<br />
que soube acolher essa diversidade foi decisiva para o reconhecimento dos direitos<br />
do menino de continuar a viver com a mãe sobrevivente e, talvez, possa ser compreendida<br />
como si<strong>na</strong>lização das mudanças <strong>na</strong> sociedade brasileira no que diz respeito<br />
ao direito das crianças filhas de pais gays e de mães lésbicas.<br />
Além das situações cotidia<strong>na</strong>s de sala de aula, de construção do saber e de<br />
transmissão de conteúdos, os espaços de sociabilidade, as comemorações de datas<br />
festivas e as reuniões sobre aproveitamento das turmas são momentos privilegiados<br />
para a escola ensi<strong>na</strong>r e oferecer acolhimento à diversidade. A participação de<br />
professores <strong>na</strong>s conversas de crianças e adolescentes sobre seus cotidianos e formas<br />
de organização de suas famílias pode ter um peso grande <strong>na</strong> compreensão de que<br />
normalidade e anormalidade não são categorias de sentido nem para a <strong>sexual</strong>idade,<br />
nem para os arranjos familiares que a nossa sociedade abriga. O tempo que crianças<br />
e adolescentes passam <strong>na</strong> escola pode proporcio<strong>na</strong>r ótimos espaços de questio<strong>na</strong>-<br />
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